PROVIDENCE – VOLUME 2, de Alan Moore e Jacen Burrows. A PEREGRINAÇÃO DO ARAUTO CONTINUA!

Salve, salve crias da Grande Cabra Negra da Floresta! Tudo Cthulhu Fhtagn com vocês??? 

Já faz um tempinho, não é? Mais ou menos um ano e dois meses desde o lançamento do primeiro volume de Providence aqui no Brasil via Panini. A mini série, originalmente publicada lá fora em 12 partes, reúne dois monstros: Alan Moore e H. P. Lovecraft, e basicamente é onde vemos Moore viajando na maionese que Lovecraft criou. Altamente referencial, metalinguística e genial, Providence é uma HQ que eu tive que usar de muita força de vontade não apelar pras scans. Sim, até hoje não sei como acaba, e vou descobrir junto com vocês daqui a mais um ano e meio assim que o terceiro encadernado sair. Enquanto isso, que tal se a gente desse mais um passeio por Providence, observando as referências mais importantes desse segundo volume? Reenfatizando que não é preciso ter lido nada de H. P. Lovecraft para apreciar Providencemãhs quem se dispuser a ler alguns dos contos citados no post do primeiro volume e nesse aqui também certamente vai se divertir muito mais com as as sacadas e referências da obra Lovecraftiana na HQ de Moore e como ele costura tudo junto em uma grande colcha de retalhos alienígena horrenda e repugnante. Sim, é bem mais divertido quando você já conhece o conto original, até para poder ter parâmetros para opinar se a homenagem do Moore foi bem feita (ou não). Então, sem mais delongas, partiu Providence volume 2?

Este segundo volume de Providence engloba as edições #5, #6, #7 e #8 da mini série original.

PROVIDENCE #5

Nessa edição, sob orientação do patriarca dos Whateley, digo, Wheatley na última edição do encadernado anterior, Black se dirige à cidade de Arkham Manchester, mais precisamente à Universidade Miskatonic Santo Anselmo em busca do Necronomicon Livro de Hali. O bibliotecário da universidade, Doutor Armitage Wantage, encontra-se ausente, porém Black conhece Herbert West Hector North. 


Herbert West é oriundo do conto Herbert West: Reanimador, que gerou uma excelente adaptação cinematográfica em 1985 pelo diretor Stuart Gordon, não posso deixar de mencionar!

O conto originalmente foi publicado entre outubro de 1921 a junho 1922 na revista Home Brew, serializado em 6 partes. A história narra as desventuras de Herbert West e seu colega, estudantes de medicina que pesquisam um soro que revive os mortos, porém com consequências nefastas.

Na cena seguinte, Black conhece uma estranha menina que se apresenta como Asenath Waite Elspeth Waide. Elspeth (Asenath na história original) é uma personagem de A Coisa na Soleira da Porta, um dos melhores contos de Lovecraft. A história, sem estragar surpresas, é sobre de troca de corpos, e aquela menina não é definitivamente quem aparenta ser. O conto foi escrito em agosto de 1933 e publicado em janeiro de 1937 na revista Weird Tales, e faz parte dos Mythos de Cthulhu, os contos que formam a mitologia Lovecraftiana que compartilha elementos em comum entre suas histórias.

Em seguida vemos Black procurando por acomodações na cidade, e ele resolve se hospedar em uma casa aos cuidados de uma tal Senhora Macey. No conto Sonhos na Casa da Bruxa, escrito em 1932 e publicado em 1933 na revista Weird Tales, a personagem chama-se Keziah Mason, uma bruxa condenada no julgamentos de Salem do século XVII, que vive até os dias atuais residindo em uma dimensão estranha.

Junto com sua estranha criatura de estimação conhecida como Brown Jenkins, Keziah assombrou os sonhos do protagonista do conto pelo tempo em que este permaneceu em sua casa. Vemos que nesta edição o mesmo acontece com Black algumas páginas à frente.

Em seguida Black vai atrás da fazenda dos Gardners Forresters, onde o tal meteoro mencionado no encadernado anterior caiu. Como já comentado no post do volume anterior, aqui Moore resolve expandir um pouco mais sua referência/homenagem ao conto A Cor que Caiu do Espaço. Este conto é do ano de 1927 e foi publicado na revista Amazing Stories. Neste conto vemos a repugnante degeneração da família Gardner e toda a sua fazenda, após a queda de um estranho meteoro que se dissolve, metamorfoseando-se em uma cor viva, senciente, inclassificável no espectro cromático…. e faminta!

PROVIDENCE #6

Após o contato com a bizarra Senhora Macey e o repulsivo Sr. Jenkins, e ainda muito debilitado depois de experimentar o looping temporal desorientador, Black recorre a Hector North, em cuja casa passa a noite. Na manhã seguinte, após mais um breve encontro com Asenath, ela vai ao encontro de Wantage, mas antes conhece nos corredores da universidade um sujeitinho estranho e agitado, aparentando uma espécie de perturbação nervosa. É o professor Nathaniel Wingate Peaslee Nat Paisley, do conto A Sombra Vinda do Tempo, escrito em 1934 e publicado em 1936 na revista Astounding Stories. No conto, após sofrer de amnésia por cinco anos, o professor Peaslee começa a investigar seus estranhos sonhos e os relatos da estranha personalidade manifestada durante estes cinco anos de amnésia. As investigações o levam a descobrir as ruínas de uma civilização de estranhas criaturas no deserto australiano, que existiu muito antes do surgimento do homem, e como o que ocorreu com ele tem relação com essa descoberta.

Sem maiores referências nesta edição, somente o último contato de Black com Elspeth, no que deve ser a mais bizarra cena de estupro já concebida em uma HQ.

PROVIDENCE #7

Antes da referência Lovecraftiana, cabe aqui uma contextualização histórica: A baderna onde Black parece entrar do nada se trata da greve da Polícia de Boston de 1919. Em resumo, no dia 9 de setembro de 1919, quando o comissário de polícia da época se opôs a criação de um sindicato de policiais, 1.117 policiais iniciaram uma greve reivindicando melhoras nos salários e nas condições de trabalho. Não tardaram a pipocar tumultos e o caos tomou conta. A guarda nacional foi acionada e sufocou as rebeliões a mando do governador do Estado. É em meio a este caos que black encontra o oficial de polícia Éamon O’Brien, que o ajuda a localizar a casa do fotógrafo e pintor Richard Upton Pickman Ronald Underwood Pitman, o responsável pela foto dos irmãos Whateley no encadernado anterior, lembram?

No conto O Modelo de Pickman, escrita em 1926 e publicada em 1927 na revista Weird Tales, o artista é rechaçado por suas obras, extremamente realistas e abomináveis, e ao final do conto descobrimos que as criaturas retratadas em suas pinturas podem não ser apenas fruto da imaginação de Pickman…

O Modelo de Pickman também já foi adaptado em um episódio da série Night Gallery, de Rod Serling (o mesmo criador da melhor série de todos os tempos, Além da Imaginação) em 1971.

PROVIDENCE #8

Por fim, na última edição do encadernado, vemos Robert, orientado por Pitman a procurar mais um indivíduo para auxiliá-lo em sua busca, Randolph Carter Randall Carver. Carter é um personagem recorrente nas histórias de Lovecraft, e figura em algumas histórias do que se convencionou chamar de Ciclo dos Sonhos entre os estudiosos da obra de Lovecraft. O Ciclo dos Sonhos são histórias que mesmo envolvendo os Mythos, combinam elementos de horror e Fantasia, formando uma grande história de escopo épico. Mundos oníricos por onde Carter consegue transitar, e narra os horrores e maravilhas que testemunha. A principal história do Ciclo dos Sonhos é A Busca Onírica por Kadath, novela escrita em 1926 e publicada em 1927. Aqui é o ponto onde muitos elementos da literatura Lovecraftiana se cruzam, como Azatoth, Nyartlathotep e o próprio Richard Upton Pickman, que fazem breves aparições na história. O quadro abaixo faz referência direta à Busca Onírica por Kadath.

Este painel, na página ao lado, é uma referência a uma cena do conto O Depoimento de Randolph Carter, escrito em 1919 e publicado em 1920, na revista The Vagrant. Neste conto Carter narra a ocasião em que acompanhou um amigo estudante de ocultismo até um cemitério abandonado. Este amigo decide profanar e investigar uma tumba antiga e macabra, levando um telefone com fio. Do lado de fora, pelo telefone, Carter ouve tudo que acontece dentro do sepulcro, narrado pelo amigo, até o pavoroso final, quando alguém mais fala ao telefone lá embaixo…

Mais abaixo, este quadro faz menção a outro conto protagonizado por Carter, O Inominável, escrito em 1923 e publicado em 1925 na revista Weird Tales. A história aqui se passa em outro cemitério, dessa vez em Arkham, envolvendo outro amigo muito ousado que também desafia o desconhecido e também se dá mal… Deu pra notar que Carter só tem amigos sem noção, tsc, tsc, tsc…

Neste painel, à esquerda, vemos Whipple Van Buren Philips, avô de H. P. Lovecraft na vida real. 

Philips é mencionado por Pitman na edição anterior, quando mostra a Black a foto dos cabeças da Stella Sapiente, lembram? 

Além disso ele também é mencionado como líder da Stella Sapiente em mais de um momento no encadernado anterior.

Providence #3

O militar de quem Van Buren aperta a mão é uma figura histórica, o General Albert Pike. Pike era um notório maçom e serviu na Guerra da Secessão Norte Americana.

Siiiiim, a partir daqui, Moore começa a misturar ficção e história real ainda mais. Podem ir se acostumando porque só piora lá no final da série heheheheh…..

Durante a descida ao Mundo Onírico vemos o ghoul Rei George saudando Black, o que sugere que ghouls transitam livremente entre nosso mundo e o Mundo Onírico. O que não deve ser novidade para quem já leu A Busca Onírica por Kadath.

Sim, é a Ku Klux Klan. Sem comentários aqui heheh. Segue pro próximo quadro…

O cenário da página seguinte faz referência a The Thing in The Moonlight, conto não publicado aqui, baseado em uma carta que descreve um sonho de Lovecraft, e publicada na revista Bizarre em 1941. O conto pode ser lido em inglês AQUI.

Abaixo, referência aos Gatos de Ulthar, também da novela A Busca Onírica por Kadath.

As próximas duas páginas são uma panorâmica das Terras Oníricas de Carter, digo, Carver.

Cenas de The Queen’s Enemies, de 1922, conto de autoria de Lord Dunsany, uma das influências confessas de Lovecraft.

Cena de Why The Milkman Shudderes When He Perceives The Dawn, também de Lord Dunsany, publicado no livro de contos Tales of Wonder, em 1916. Na íntegra em inglês AQUI.

Os apêndices entre as edições, com trechos do diário de Robert Black, continuam não descendo muito bem, travando uma leitura que é fluída nas páginas da HQ, mas estaciona ao final de cada uma das quatro edições quando chega na hora de ler o famigerado diário. Tanto que decidi deixar os apêndices por último, após ler as quatro edições da HQ. O resultado é que levei quatro vezes mais tempo para ler os enfadonhos diários de Robert Black do que as páginas da história principal. Era pra ser um complemento à trama, mas acabou ficando chato pra cacete, seu Moore… Ainda assim sou obrigado a recomendar a leitura. Em meio a tantas redundâncias – afinal, Black comenta no diário eventos que vimos nas páginas anteriores, na HQ – existe um trecho ou outro que lança alguma luz à trama. Pena que é uma fração mínima das catorze páginas de diário contidas em cada edição heheheheh…

Apesar de esse não ser um post analisando profundamente cada referência contida em cada balão de fala do encadernado, resolvi agregar apenas as mais óbvias mesmo, nos moldes do post anterior, citando os contos de Lovecraft que, se lidos, só tem a enriquecer a experiência de leitura da HQ. Agora é esperar mais um ano pelo terceiro e último volume, com uma conclusão que não pode ser nada menos do que apocalíptica, em se tratando de Azatoth, Cthulhu e companhia! Vou dar uma esticada na minha casa de veraneio em R’lyeh e só volto com o alinhamento estelar certo e quando Providence volume 3 finalmente for publicado. Iä! Iä!

Eduardo Cruz
Eduardo Cruz é um dos Grandes Antigos da Zona Negativa, ou sejE, um dos membros fundadores, e decidiu criar o blog após uma experiência de quase-vida pela qual passou após se intoxicar com 72 tabletes de vitamina C. Depois disso, desenvolveu a capacidade de ficar até 30 segundos sem respirar debaixo d’água, mas não se gaba disso por aí.

Ele também tem uma superstição relacionada a copos de cerveja cheios e precisa esvaziá-los imediatamente, sofre de crises nervosas por causa da pilha de leitura que só vem aumentando e é um gamer extremamente fiel: Joga os mesmos games de Left For Dead e Call of Duty há quase 4 anos ininterruptos.

Eduardo Cruz vem em dois modos: Boladão de Amor® e Full Pistola®.

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