OS BIG BOOKS DA PARADOX PRESS, ou “(mais) Dezessete razões para amar a DC!”

Quando a gente pensa em selos e subdivisões editoriais na DC Comics, pensamos principalmente na falecida Vertigo. Claro, sendo (no passado) o selo mais bem sucedido da editora, sem considerar, logicamente, a linha super heroística principal, não é difícil entender porque a maioria das pessoas faz essa associação imediata. Mãhs a Vertigo não foi a única investida da DC fora do nicho mainstream de super heróis e afins. Inicialmente o selo Vertigo foi idealizado em 1993 para comportar histórias com teor mais adulto ou sem relação com a cronologia principal da editora, inclusive muitas histórias produzidas antes disso migraram posteriormente para o selo, como Skreemer, ou Hellblazer, por exemplo. Histórias de horror, ficção científica e qualquer outro gênero WTF que simplesmente não se enquadrasse nas Action Comics, Superman e Batman que saíam todos os meses, porém ainda assim títulos com potencial comercial. Vide os sucessos de sempre Sandman, Preacher, Fábulas, Transmetropolitan e por aí vai. As séries são discutidas e cultuadas por leitores ao redor do mundo até hoje, as coletâneas vendem bem até hoje. HQs direcionadas a um público que não o infanto juvenil, e ainda assim êxitos comerciais. Inegavelmente HQs mainstream, mesmo que com palavrões, sexo e violência e questões nada leves.

1993-2019. Descanse em paz.

Mas até aí beleza, hoje em dia qualquer leitor novato conhece a trajetória da Vertigo, o foco das publicações e coisa e tal. O que nem tanta gente sabe é que existiram dois selos, também da DC comics, com propostas similares, que renderam ótimos títulos enquanto existiram. Um deles é o Piranha <é um peixe voraz> Press, que subsistiu de 1989 a 1993. Sob a batuta do editor Mark Nevelow, o selo foi uma tentativa da DC de publicar HQs alternativas. Para tanto, Nevelow focou não em trabalhar com nomes já estabelecidos da indústria de quadrinhos fazendo HQs alternativas, e sim aglutinar diversos artistas alternativos em projetos de graphic novels ousadas, ecléticas e experimentais. Assim como na Vertigo, os criadores tinham direitos assegurados sobre a obra. Além de várias graphic novels, a série longeva Beautiful Stories for Ugly Children foi um dos carros chefe da linha, e chegou à 32ª edição (e só de falar a respeito me dá vontade de reler tudo hehehe), tendo se encerrado junto com o próprio selo Piranha Press.

É um peixe voraz…
“Why I Hate Saturn”, do inigualável Kyle Baker!
Isso aqui é HQ sofisticada, não é pra gente da sua laia, não! Voltem pras suas mensais de super heróis! ;>)))

Mas se vocês acham que a história acaba com o fim do Piranha Press, se enganam. Ainda em 1993, Nevelow fica a cargo do selo que seria o sucessor do Piranha Press, batizado de Paradox Press, e que teria o mesmo foco do Piranha: Graphic novels autorais produzidas por autores independentes, fora do gênero de super heróis, e que não possuíssem os elementos de horror, fantasia e ficção científica da linha Vertigo. Graphic Novels como Uma História de Violência e Estrada para a Perdição, ambas mais famosas por suas versões cinematográficas do que as próprias HQs, são alguns dos títulos mais conhecidos do selo.

Paradox Press , nossa estrela principal.
Uma História de Violência, HQ adaptada para o cinema por David Cronenberg em 2005.
Estrada Para a Perdição, adaptada para o cinema por Sam Mendes em 2002.

Mas o troféu de “material WTF” da Paradox Press fica por conta da série Factoid Books, uma antologia de álbuns divididos em temas. Uma espécie de enciclopédia de fatos, acontecimentos e personalidades bizarras e incomuns. Publicados entre 1994 e 2000, cada volume é um ‘Big Book of‘, trazendo um tema específico, com várias histórias de 1 a 4 páginas cada, um belo trabalho de pesquisa histórica – o lado B da História da humanidade, se eu puder chamar assim rs -, os volumes são compilados e roteirizados por nomes como John Wagner, Doug Moench, Gahan Wilson, entre outros, com dados VERÍDICOS (exceto pelo de lendas urbanas, por razões óbvias) e todos ilustrados por nomes como Joe Sacco, Arthur Adams, Sergio Aragonés, David Lloyd, Bryan Talbot, Tony Harris, Peter Kuper, Steve Dillon, Paul Pope, J. H. Williams, Kevin Maguire, Seth Fischer, Charles Vess, Dave Cooper e até mesmo um novato chamado Frank Quitely ;>). A lista é imensa e quase todo artista bom (e até uns fraquinhos) que vocês puderem imaginar dos últimos 30 anos desenhou pelo menos uma história em um Big Book da Paradox Press…

Um Frank Quitely em início de carreira ilustrando de lendas urbanas…
… até a sofrida biografia de John Merrick, o Homem Elefante.

A série teve dezessete estupendos volumes publicados, com previsão para um décimo oitavo, The Big Book of Wild Women tendo sido anunciado, mas que nunca chegou a ser lançado. Os volumes da série Factoid Books, por ordem cronológica de publicação, são:

1 – The Big Book of Urban Legends


Publicado em 1994, com Robert Boyd, Robert Loren Fleming e Jan Brunvand como escritores, o Big Book das Lendas Urbanas ganhou o Eisner de 1995 de Melhor Antologia. O livro reúne 200 contos reunidos por Brunvand de nosso folclore contemporâneo, as lendas urbanas, todas aquelas histórias que aconteceram com “o amigo de um amigo”.

 

2 – The Big Book of Weirdos

 

Publicado em 1995 and escrito por Carl Posey, o Big Book dos Esquisitões traz a biografia ilustrada de 67 dos maiores excêntricos do mundo. Figuraças como Nikola Tesla, Calígula, Henry Ford, Harry Houdini, o Marquês de Sade, entre outros.

 

 

3 – The Big Book of Death

Publicado em 1995 e escrito por Bronwyn Carlton, o Big Book da Morte já começa mostrando os segredos e bastidores dos métodos de execução – do enforcamento à cadeira elétrica. Em seguida aborda suicídio bizarros, mortes estranhas, métodos de sepultamento e o grande além vida. Também desvenda a origem da guilhotina, mostra como funciona a preservação de corpos por criogenia e nos mostra que até mesmo um queijo pode ser usado como arma fatal (!?!?).

4 – The Big Book of Conspiracies

Publicado em 1995 e escrito por Doug Moench, o Big Book das Conspirações venceu o Eisner de 1996 de Melhor Antologia. O livrão foca em conspirações e esquemas de encobrimento, como o escândalo Watergate, o escândalo Irã-Contras, e os assassinatos de John F. Kennedy, Malcolm X, Robert Kennedy e Martin Luther King. O livro investiga todos esses esquemas e muitos mais, transitando pelo real e fatos “imaginários” para explicar como forças obscuras – incluindo a CIA, a Maçonaria, os Illuminati e até mesmo os extraterrestres – podem estar conspirando para moldar o mundo segundo seus interesses.

5 – The Big Book of Freaks 

Publicado em 1996 e escrito por Gahan Wilson, o Big Book das Aberrações traz várias histórias de pessoas com características ímpares e interessantes, das aberrações de circo à criaturas mitológicas – como ciclopes e gigantes -, os protagonistas do filme maldito Freaks, do diretor Tod Browning e o empresário circense P. T. Barnum, sem esquecer, é claro, de John Merrick, O Homem Elefante.

 

6 – The Big Book of Little Criminals

Publicado em 1996, o Big Book dos Criminosos Pé-de-Chinelo detalha a biografia de alguns dos meliantes mais incompetentes do mundo, como Shanghai Kelly, que sequestrava homens e os forçava a trabalhar em navios. Também há histórias de falsificadores dos tempos coloniais, o falsário dos diários de Hitler, e um vigarista que quase foi bem sucedido na venda de Portugal (sim, o país!!).

7 – The Big Book of Hoaxes

Publicado em 1996, o Big Book dos Embustes aborda os maiores embustes, pegadinhas e esquemas de trapaça da História, incluindo casos notáveis como o de Mary Toft, a “Mamãe Coelha”, que convenceu a corte da Inglaterra de ter dado à luz a pelo menos dezesseis coelhos. Outros embustes relatados no livro incluem Charles Ponzi e seus esquemas de enriquecimento rápido, a infame “Princesa Caraboo,” os diários de Hitler, e um plano para serrar Manhattan ao meio.

8 – The Big Book of Thugs

Publicado em 1996 e escrito por  Joel Rose,o Big Book dos Bandidos documenta criminosos que conseguem o que querem não por meio da esperteza, e sim através de ação direta e pura força bruta, incluindo os Thuggees (de onde deriva o termo “Thug”, do inglês) da Índia, Os Hashishin do Oriente Médio, a “Ohio Gang,” e os “Night Terrors”, bem como muitas outras gangues e bandos criminosos notórios.

 

9 – The Big Book of Losers

Publicado em 1997 e escrito por Paul Kirchner, o Big Book dos Perdedores é a prova de que o azar dos outros (como Elisha Gray, que inventou um protótipo de telefone antes de Alexander Graham Bell, mas foi esquecido pela história) realmente pode ser divertido.

 

 

 

10 – The Big Book of The Unexplained

Publicado em 1997 e escrito por  Doug Moench, o Big Book do Inexplicado tem como anfitrião narrador o espectro de Charles Fort (um escritor falecido e pesquisador de fenômenos anormais do início do século XX). Histórias de animais impossíveis, continentes perdidos, e fenômenos bizarros, como a maldição da múmia, dinossauros vivos, o Monstro do Lago Ness, abduções alienígenas, o Pé-Grande e chuvas de sapos (!?!?!).

11 – The Big Book of Martyrs

Publicado em 1997 e escrito por  John Wagner, o Big Book dos Mártires examina as vidas e mortes de mártires cristãos, incluindo São Valentim, Joana D’Arc, Santa Úrsula e São Jorge, com todos os detalhes grotescos de seus martírios. O último capítulo fala de pessoas que foram torturadas por sua fé em tempos mais recentes, demonstrando que o fanatismo religioso não é algo do passado..

 

12 – The Big Book of Scandal!

Publicado em 1998 e escrito por  Jonathan Vankin, o Big Book dos Escândalos chafurda no mundo sórdido das notícias de tablóides em tretas que destruíram carreiras, empresas, casamentos e vidas. Fatty Arbuckle, Charles Chaplin, John DeLorean, Richard Nixon, Oliver North, e O.J. Simpson são alguns dos retratados.

 

 

13 – The Big Book of Bad

Publicado em 1998, o Big Book do Mal é escrito por Anina Bennett, Jonathan Vankin e Paul Kirchner. Esse décimo terceiro volume da coleção examina o mal em diversas formas, como Heinrich Himmler, o arquiteto da “Solução Final” dos nazistas, os depravados imperadores da Roma Antiga, Calígula e Heliogábalo, além de diversos serial killers. Por fim, o livro dedica espaço a vilões da ficção como Professor Moriarty, Lady Macbeth e Conde Drácula.

14 – The Big Book of The Weird Wild West

Publicado em 1998 e escrito por  John Whalen, o Big Book do Velho Oeste Estranho traz mais de sessenta histórias de fatos incomuns, bizarros e simplesmente escabrosos que aconteceram na fronteira norte americana no tempo das diligências. Histórias de personagens do Oeste como George Maledon, “O Príncipe dos Carrascos”, homossexualidade entre cowboys (supostamente) machões, e vários dos fantasmas e aparições que assombraram o Velho Oeste.

15 – The Big Book of Vice

Publicado em 1998 e escrito por  Dave Stern e Steve Vance, o Big Book do Vício examina o álcool, as drogas, o tabaco, sexo e a jogatina. Os temas variam desde a história do tabaco, escravidão sexual, até a origem das máquinas de pinball.

 

 

 

16 – The Big Book of Grimm

Publicado em 1999 e escrito por  Jonathan Vankin, o Big Book dos Grimm examina os contos de fadas. Vankin transcreve as versões originais, não-Disneyficadas dos contos que os irmãos Grimm coletaram no século XIX, detalhando abuso infantil, incesto, canibalismo, membros mutilados e olhos arrancados.

 

 

17 – The Big Book of The ’70s

Publicado em 2000 e escrito por  Jonathan Vankin,o Big Book dos anos 70 documenta dez anos de “cafonice e tumulto”. Da música disco à moda do poliéster, o último Big Book da coleção lista as tendências, personalidades, gírias e a insanidade social que infectou a década de 70 (bem como a Guerra do Vietnã e alguns filmes clássicos).







18 – Wild Women

O décimo oitavo volume dos Factoid Books seria The Big Book of Wild Women, programado para 2001, e traria a história de vida de mulheres notáveis que sacudiram o status quo e influenciaram sua sociedade de alguma forma, ultrapassando as fronteiras do comportamento convencional da época. Entre as abordadas, veríamos a deusa dos filmes B Tura Satana, a lendária Cleópatra, a polêmica escritora Anais Nin, e a rainha das Pin-ups Bettie Page. Entretanto, a DC mantém o status da publicação no estágio de “pré-produção”, mesmo que boa parte do livro já estivesse pronta na época. Só resta chorar…

Biografia de Zsa Zsa Gabor, do volume que não chegou a ser publicado, The Big Book of Wild Women.

A primeira vez que tive contato com um Big Book da Paradox Press foi por mero acaso, láááááá em 2001, remexendo numa das muitas caixas de gibis na lendária Comicmania, uma convenção de quadrinhos que costumava acontecer no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, e tentava manter uma periodicidade anual, embora nem sempre conseguisse isso, infelizmente. Entre os tesouros gringos que o organizador da convenção conseguia trazer, encontrei essa HQ de formato magazine, que prometia ser um compilado das lendas urbanas mais conhecidas já espalhadas por aí. Levei na hora! Uma passada com menos atenção pelas caixas de HQs enfileiradas e talvez eu não tivesse conhecido essa série sensacional, e essa seria uma realidade alternativa mais triste pra mim rs. Passei os cinco anos seguintes caçando e lendo o restante da coleção, e falo com tranquilidade que essa série é um tesouro a ser descoberto pelas novas gerações! Espero que esse post tenha ajudado a lançar uma luz nesse cantinho escuro da DC Comics.

Uma breve história da vida de Calígula. Arte de John Ridgway.
A clássica lenda urbana do mão de gancho, arte de Hunt Emerson!
Aragonés ilustrando os maiores mistérios sem solução de todos os tempos!
Arte de Arthur Adams

Um material excelente e que vai fascinar os aficionados por História logo na primeira leitura, esses Big Books, apesar de nunca terem ganho uma reimpressão, são obscuros o suficiente para nunca haver gerado interesse da parte dos especuladores (ainda!), e por isso é possível encontrar a grande maioria dos volumes bem baratinho na internet e mais fácil ainda achar as scans, ainda que em inglês, bastando aos aventureiros mais paciência do que necessariamente dinheiro para a empreitada (se bem que a 5 ou 6 dólares cada livro, vezes dezessete… aí começa a complicar rs).

Rick Geary ilustrando a história da Ku Klux Klan
Mortes estranhíssimas, todas reais, pode pesquisar!
Silêncio“, de Martin Scorcese??? A DC fez primeiro!!!

Digam o que disserem da produção da DC de hoje em dia (e tem mais que criticar os rumos editoriais mesmo, porque se até o George Pérez disse que tá mal…), mas iniciativas editoriais como o Piranha Press, Paradox Press, e o Epic da Marvel são os registros – já fossilizados – que comprovam que as grandes editoras um dia já tiveram a coragem para ousar mais, buscar outras fatias do público e do mercado leitor de quadrinhos, o que era tão benéfico para eles quanto para nós. Para quem já começou a ler em plena era ‘Guerra Civil’ da Marvel e das sucessivas crises da DC pode não fazer diferença, já que nessa época estas iniciativas já estavam todas extintas, mas para quem ainda teve tempo de ver esses magníficos animais nascendo, vivendo mal e mal e morrendo, bate uma ponta de tristeza por presenciar essa diversidade, que já era pouca, minguar ainda mais. Estamos no aguardo aqui por uma nova era de ouro de pirações editoriais e o brilhantismo dos artistas certos para transformar o corriqueiro em fantástico e o fantástico em épico, em novas combinações artísticas e narrativas que tirem essa mídia tão querida da estagnação e das fórmulas repetitivas cada vez mais recorrentes no meio.

Só eu acho esse logo mais feio do que bater na mãe em noite de natal???
Eduardo Cruz
Eduardo Cruz é um dos Grandes Antigos da Zona Negativa, ou sejE, um dos membros fundadores, e decidiu criar o blog após uma experiência de quase-vida pela qual passou após se intoxicar com 72 tabletes de vitamina C. Depois disso, desenvolveu a capacidade de ficar até 30 segundos sem respirar debaixo d’água, mas não se gaba disso por aí.

Ele também tem uma superstição relacionada a copos de cerveja cheios e precisa esvaziá-los imediatamente, sofre de crises nervosas por causa da pilha de leitura que só vem aumentando e é um gamer extremamente fiel: Joga os mesmos games de Left For Dead e Call of Duty há quase 4 anos ininterruptos.

Eduardo Cruz vem em dois modos: Boladão de Amor® e Full Pistola®.

6 comentários em “OS BIG BOOKS DA PARADOX PRESS, ou “(mais) Dezessete razões para amar a DC!””

  1. Eu gostaria muito de ter acesso a esse material, me atiçou muito a curiosidade, será que não haveria uma maneira de passar um link em particular para obtermos essas obras?

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  2. comentário um: CARALHO DA MÚSICA FODA! eu ia morrer e não ia saber que o mestre Alypyo Martins é meu conterrâneo, ele tem muitas músicas fodaças e divertidas, melhor coisa que soube essa semana!
    comentário dois: EU! PRECISO! DESSA! COLEÇÃO! PRA! ONTEM!

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    • Hehehehehe mais uma alma iluminada pelo evangelho de São Alípio. Pra além de ‘Piranha’, tem outras pérolas tipo ‘Pegue na boneca’, ‘Vou começar a bater em mulher’ e várias outras de rachar o bico mas não tô conseguindo lembrar os títulos aqui :>))))
      Baixe a discografia pra ontem!
      Ah, e os Big Books também são legaizinhos rsrsrsrs

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