Para o frater Silvio Castro Portugal, que não ficou com a gente para assistir de camarote ao fim do mundo.
Ninguém poderia imaginar que o Apocalipse fosse acontecer justamente no Brasil! Os olhos do mundo, nesses anos finais antes da derradeira batalha da existência estavam em muitos outros lugares; locais onde vários estudiosos, teólogos e fanáticos conspiranóicos apontavam que ocorreria, embasados por estudos, pesquisas, interpretação pessoal, divinação ou simplesmente delírios de cada um deles, com base nas antigas escrituras. Israel, Estados Unidos, Europa… Até o oriente foi conjectura dada como certa por algumas destas pessoas como o palco da batalha final. Mas o que ninguém esperava era que Satanás, sempre astuto, se aproveitasse de um lugar que já havia sido terreno fértil para o caos, o absurdo cruel e o mal impune há meio milênio sem trégua.
Após a execução de um plano muito cuidadoso, e lento – o andamento vagaroso transmitia uma impressão de normalidade que garantiu que o outro lado não notasse o esquema até ser tarde demais; tudo era executado beeeeeem lentamente, afinal, quem tem todo o tempo do mundo não precisa ter pressa! -, o Brasil reuniu todas as condições necessárias para sediar o Apocalipse. Estava tudo lá, todas as peças essenciais já cuidadosamente alinhadas no tabuleiro: Os falsos profetas, escarnecedores e embusteiros em uma profusão e variedade que nem mesmo São João, em seus delírios premonitórios induzidos por substâncias que os cristãos condenariam, poderia imaginar. Até a presença dos quatro cavaleiros já se fazia sentir, com tantos conflitos, o aumento cada vez mais crescente da fome, e uma promessa sentida por todos como uma intuição apodrecida de que algum tempo depois ainda viriam peste e morte em uma profusão como o povo dessa terra jamais havia vivenciado. Só restava mesmo a chegada do anticristo. Isso se ele já não estivesse por aí, bem-nascido, em roupas caras, dirigindo um carro luxuoso, fosse pelo Leblon, Barra da Tijuca ou Alphaville.
Satanás mal conseguia se conter. É uma delícia quando tudo sai conforme planejado. O Tinhoso estava por perto desde sempre. Quer dizer, desde o encontro que ele havia promovido, quando deu uma ajudinha às naus portuguesas, influenciando no “descobrimento” de uma terra maravilhosa e idílica. Como um exímio jogador de xadrez, ele enxergava o jogo vários movimentos à frente, e assim foi conduzindo os eventos ao sabor de seus planos, encadeando causalidade e acaso de acordo com a conveniência em uma tessitura complexa até que, cerca de meio milênio depois, os abusos, desmandos, assassinatos, desigualdades sociais, insanidades ideológicas, mentiras, manipulações, ganância, o individualismo extremo, a falta de empatia com o próximo (em especial da parte dos que se diziam religiosos), a incapacidade de enxergar a realidade a um palmo do nariz e os cantores de sertanejo fizeram do Brasil um terreno fértil para os andamentos do grande plano do Adversário. Na “terra em que se plantando tudo dá“, o Mal prosperava com cada vez mais força e abundância, sem ser rechaçado e com a anuência do próprio povo!
Certo de que a jogada final se aproximava, o astucioso Tentador marcara em seu calendário: O pleito presidencial de 2018 nesta nação seria onde ele decretaria a vitória no grande tabuleiro cósmico, subvertendo a existência a seu favor. Ele precisava preparar o seu candidato, a peça chave que devido à sua posição de poder, lhe possibilitaria passar a boiada e realizar todos os atos abomináveis que ajudariam a dissolver a república, para logo em seguida aniquilar a civilização e por fim, toda a criação, simplesmente seguindo o princípio de “Assim na Terra como no Céu”, destruindo as microestruturas para, cuidadosamente, como uma fileira de dominós que caem, terminar por desmontar toda a criação. Mas isso exigia uma atenção quase que subatômica aos detalhes. Era ano de campanha e muito precisava ser feito antes de se cantar vitória. Ele precisaria tornar realidade aquele detalhe mais cruel, que lhe provocava gargalhadas encharcadas de malícia em seu íntimo: As pessoas escolheriam o responsável por seus derradeiros destinos.
A época de campanha eleitoral era uma grande janela quântica aberta onde, por meio do ato democrático, a realidade era periodicamente alterada em consonância com a vontade da maioria. Não importavam as suspeitas de fraude e mesmo as tentativas de concretizá-las sempre alardeadas por maus perdedores: A vontade coletiva sempre definia os resultados eleitorais, que por conseguinte definiam a realidade. Essa seria a chave para a concretização do Juízo Final, a brecha conceitual que possibilitava a erosão da Criação. Tecnicamente, Satã daria apenas um empurrãozinho, mas o chute inicial do Armagedom era responsabilidade do eleitor brasileiro. Para a destruição chegar, as pessoas deveriam ansiar por ela, serem convencidas de que a desejavam, de que aquele seria o melhor para todos.
Obviamente, o caminho mais rápido para isso era chegando aos corações e mentes das multidões. As próprias formiguinhas de Deus ajudariam na execução dos planos, nunca houve estratégia mais perspicaz. Ou mais irônica: O candidato do Senhor da Escuridão era o que mais exaltava a Deus durante a campanha – mesmo não tendo comparecido a nenhum dos debates -, tomando Seu nome em vão e chegando ao cúmulo do deboche ao citar o apóstolo João: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.“, dizia o escarnecedor, a casca maldita a serviço do Tentador. A dádiva de Lúcifer para seu candidato era o que ele próprio sabia fazer de melhor: Tecer mentiras. Embora nem fosse tão trabalhoso assim, já que o Pai da Mentira contribuiu tanto para a proliferação da ignorância a ponto de as pessoas escolherem acreditar nas mentiras espalhadas aos quatro ventos. O povo não saberia reconhecer a verdade mesmo que ela tivesse dentes e lhes mordesse a cara. O livre arbítrio estava sendo plenamente utilizado, e com a condução correta, as pessoas desenvolveram a convicção de que estavam exercendo a sua liberdade de pensar e contestar, porém na prática acreditavam em “fatos” como uma mamadeira com bico em formato de pênis, deboche escancarado à cognição dos convictos eleitores do candidato de Lúcifer.
A suposta promessa de campanha do candidato rival, era que se implementaria a tal mamadeira imoral em todas as escolas, subvertendo a sexualidade de crianças inocentes, mesmo que criança alguma manifestasse “sexualidade”, mas isso era apenas mais um detalhe que a massa ignorava, ou melhor, optava fervorosamente por ignorar. O Inferno, em meio às suas orgias de torturas infindáveis e bacanais sangrentos, riu ruidosamente em uníssono do mico em escala cósmica. O plano seguia a todo vapor com sucesso! A população vivia um estado de idiotia profundamente naturalizada, e não havia como perder! Como dizia um meme criado no inferno: “Malandro mesmo foi o Diabo, que elegeu seu candidato com o voto dos crentes.”
Ovelhas, é como se denominam? Sim, não existe termo que os defina melhor.
Satã acompanhava prazerosamente o suave andamento dos eventos. A vitória era certa, e parece que viria até fácil demais! Zombando da Inteligência Suprema do universo – “Onisciente? Pelo jeito não!”, debochava o Capeta – como um habilidoso prestidigitador de rua faria para conseguir aplicar um golpe em um incauto, o Caído criou até mesmo um bode expiatório para auxiliar em seus planos, tecendo assim uma dramática narrativa que atribuiu certa notoriedade negativa a uma nação de bufões exibidos, barulhentos e idiotizados. Extremamente belicosos e individualistas, esse povo desempenhou tão bem o papel que lhes foi designado que a certa altura do século XX receberam a alcunha de “O Grande Satã“. Em sua tática distrativa, o Canhoto fez com que os olhos do mundo se voltassem para onde ele queria, um país de loucos mais ao norte, onde seus governantes eleitos democraticamente não raro se embriagavam de poder e se enxergavam e agiam como imperadores. Assim, criando para todos a falsa expectativa de que o Armagedom irromperia ali enquanto continuava diligentemente a mover suas peças no tabuleiro, o Diabo posicionava seus tenentes e preparava o grande teatro de guerra mais ao sul da linha do Equador. Você olha para uma mão, enquanto a outra lhe rouba. Como na bíblia, “virá como o ladrão de noite; no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a terra, e as obras que nela há, se queimarão.”
Mas ei, esse era o jogo, não é???
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Além da presidência, haviam outros cargos disputados pelo Partido do Inferno, entre eles o de prefeito da Cidade Maravilhosa, alcunha superestimada que sempre arrancava risadas do Príncipe da Escuridão e de seu séquito. Afinal, ele tinha uma especial… “predileção” por aquele lugar: Como uma placa de Petri, era ali que muitas vezes ele fazia seus experimentos de degradação social antes de exportar os conceitos para outros locais. A razão dessa implicância é desconhecida, mas dizia-se à boca miúda em uma cela imunda e escura no sétimo círculo infernal que ele o fazia por puro rancor e afronta, uma vez que o Criador, eras atrás, expressou algum apreço por este canto do mundo, que nem era assim tão maravilhoso – o mundo inteiro era uma imensa maravilha – mesmo naquela época distante. Ainda assim, o despeito obrigava Lúcifer a conspurcar a tal Cidade Maravilhosa com especial dedicação apenas por ciúmes pueris que tiveram início no princípio da criação.
É aí que entram dois demônios em especial, operativos à paisana no plano terrestre há décadas. Mammon e Bechard, que na Terra eram conhecidos como “Edir” e “Marcelo”, mantinham uma fachada onde fingiam ser de tio e sobrinho. O tio, ou melhor, Mammon, havia realizado uma façanha: Criara uma igreja cujo lema era “Jesus Cristo é o Senhor“, mas que perigosamente utilizava o argumento e a oratória que seu chefe usara para tentar Cristo no deserto, dois mil anos antes. “Tudo isso será teu se me adorares“, era o que ele propunha, mas em termos ligeira e subliminarmente diferentes aos fiéis, que perdiam-se completamente da conexão divina com o intermediário infernal; Cristo pode ter sido incorruptível, mas os macaquinhos da criação divina eram muito corruptos, não percebendo o absurdo que era se prostrarem de joelhos no chão, chorando lágrimas de sangue e pedindo de todo o coração um carro zero, uma casa de praia ou simplesmente rogando que o Ser Supremo do universo erradicasse seus desafetos ou todos aqueles que eram diferentes deles próprios, conspurcando assim qualquer fagulha de amor ao próximo que aquelas pessoas fracas e necessitadas pudessem ter em suas ralas essências.
A energia da egrégora religiosa era maculada e maculadora, podendo inclusive ser utilizada para os mais diversos propósitos, de acordo com a conveniência dos “líderes religiosos”, autênticos vampiros energéticos. Com exceção de Mammon, que era membro da nobreza infernal, todos os grandes pastores eram na realidade vampiros espirituais, rapinando o povo não apenas física e financeiramente. A Igreja do Diabo extraía o que havia de pior nos humanos e ainda os fazia sentirem-se verdadeiramente cristãos. “Bem aventurados sejam os medíocres de coração e espírito, pois deles tomaremos tudo!“, riam-se os responsáveis em seus salões de mármore e ouro, plenos nos bolsos e estômagos enquanto definhavam seu rebanho com sua oratória extorsiva.
Isso já vinha funcionando e muito bem há décadas, mas como o jogo pela derrocada da criação precisava avançar, por que não o fazer com charme, ironia e um toque de deboche, para assinar a obra? O coup de grâce foi dado exatamente na cidade que tem um Cristo enorme de braços abertos para todos os que chegam.
Inclusive os demônios.
A igreja que Mammon presidia nunca perdeu tempo quando o assunto era misturar religião e política e pouco a pouco, ganhando poder, influência e espaço (e comprando quando não era possível simplesmente ganhá-lo), ajudando a preparar o terreno, esperando ordens de seu superior, e enquanto isso não acontecia, a semeadura prosseguia. Como posto avançado do Inferno na Terra, a Igreja de Mammon já preparava as mentes de seus fiéis com mentiras em uma base regular, tornando-os leais e maleáveis ao extremo. Os fiéis de sua igreja não passavam de um experimento do Inferno. Um experimento que se pretendia expandir para além da igreja e por toda a população. E em pleno 2018 a constatação de que o resultado havia se expandido para além das paredes da igreja havia sido confirmado justamente com a história da falsa mamadeira, dentre tantas outras. A hora da colheita finalmente havia chegado.
Mas o Caído não tinha apenas demônios em sua folha de pagamento. Outras criaturas, de outras esferas sobrenaturais, entidades malévolas cuja classificação era desafiadora e muitos humanos, cientes ou não, ajudavam a compor a enorme rede de apoio que vinha tocando o plano mestre adiante por eras. Entre estas criaturas de difícil classificação a serviço do Diabo, havia um marout para o qual Satã tinha um lugar especial em seu plano. Sua ponta de lança. Seu candidato presidencial. Seu capitão.
Marouts eram humanos cujos corpos eram vivos, porém apenas no sentido biológico, mas com seu anima, ou chi, ou melhor dizendo, a alma morta. Diziam os brâmanes hindus que quando os deuses queriam aviltar uma casta, família ou nação, bastava um marout nascer ou ser posicionado em suas fileiras, e com sua determinação e apetite por destruição, realizava o serviço. Possuindo apenas uma alma corrupta e se passando por um humano comum, este ser híbrido contamina as altas esferas da sociedade, inclusive o meio das artes e da religião. Um marout bem posicionado é a certeza de derrocada de uma sociedade. Várias civilizações foram obliteradas dessa forma. Ao que tudo indicava, a vez do Brasil havia chegado, pois havia um notório marout residindo na Cidade Maravilhosa havia muitos anos. A arma secreta do Caído. Satã não queria arriscar pôr tudo a perder delegando o papel a um de seus generais, com receio da possibilidade de uma possível traição, algo não tão incomum no Inferno. E afinal, ele próprio não havia se rebelado em relação aos planos de seu superior?
Havia muitos marouts vagando pelo mundo, e por suas atitudes eles eram até relativamente fáceis de serem identificados. Esses “falsos vivos” possuíam traços distintos como olhar apagado, ou olhos fugidios e ardentes e uma melancolia macabra, um fascínio desmedido pela morte e destruição e uma morbidez sempre presente em sua essência manifesta, que governava todos os seus atos e decisões. O único propósito de um marout era a destruição desenfreada e despropositada do que quer que fosse. Não eram tenazes, mas compensavam isso com determinação e eficiência.
Este marout em particular se chamava Jair, e desde sua juventude mostrava claramente seu propósito cósmico em ação: A sua natureza destrutiva. Os únicos momentos em que tal criatura havia sido bem sucedida em sua patética existência eram os momentos em que ele exercia a sua verdadeira natureza. Em sua passagem pelo exército, cometeu um ato de insurreição terrorista, tentando explodir o próprio quartel onde servia, por insatisfação com o soldo. Na vida pessoal, destruíra as famílias que constituiu, não colaborando com uma estrutura que possibilitasse qualquer senso de harmonia em seu próprio lar. Os filhos de Jair não eram marouts como ele, porém irreversivelmente danificados pela convivência tóxica de um patriarca que desagregava ao invés de consolidar, cada um deles agia como se fossem extensões dele próprio, compartilhando a mesma ignorância e violência para com tudo e todos. Em uma extensão ainda mais ampla, conseguia exercer o mesmo fascínio hipnótico nas mentes mais sugestionáveis da população. Ele era o melhor no que fazia, pois até mesmo quando inerte, conseguia, com pequenos atos de corrupção ou simples apatia em relação a outros, ou com palavras que apenas traduziam ódio e mais desagregação, desgastar a república e a democracia de seu país pouco a pouco, em um papel que já desempenhava há três décadas como representante popular eleito em âmbito estadual. Em um país com tanto a se fazer, tantas pessoas a se ajudar, não fazer nada já era destruição o bastante.
O Tinhoso o chamava de “Funcionário do Mês dos Últimos 30 Anos”.
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A uma determinada altura dos acontecimentos, vendo que o candidato do Maligno tinha sua popularidade cada vez mais crescente durante a campanha, o que fatalmente levaria a sua eleição, seguindo rumo à reta final do Armagedom, um grupo de arcanjos desesperados e sem liderança (Deus andava por sabia-se lá por onde!) teve uma idéia desesperada: Trouxeram um ser humano com a motivação para eliminá-lo antes que ele se elegesse, precipitando assim o Apocalipse. Para manter-se puros, pois não poderiam interferir diretamente antes da última trombeta (Deus gostava de jogar pelas regras!), a única possibilidade de ação vislumbrada pelos arcanjos seria extrair um ser humano de outra linha temporal, uma onde o candidato do Maligno já havia vencido as eleições. Este ser humano, já alquebrado, caído em desgraça e privação, tendo sofrido todas as pragas que o presidente eleito derramaria sobre seu povo, ao se ver deslocado de sua realidade e tendo a chance de alterar o curso da história, tentou esfaquear o candidato em um momento de vulnerabilidade. Falhou miseravelmente e para piorar, ainda garantiu o elemento emocional que faltava para eleger o marout. Desorientado, o Homem Deslocado foi tomado como doente mental e encarcerado em uma instituição psiquiátrica, fadado a ver sua realidade se repetir em outra linha de existência, como um déjà vu perverso.
Essa foi a breve história do homem de um futuro esquecido. Seu nome era Adélio Bishop, digo, Bispo! Que seu esforço seja lembrado e louvado por séculos e séculos, amém!
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Algumas semanas depois do atentado malsucedido, sem qualquer surpresa, o candidato do Senhor do Inferno venceu, e logo pôs-se a trabalhar! “Desconstrução” era a palavra de ordem! Cada instituição sob a regência do marout foi tocada e desmontada, tornando o governo cada vez mais disparatado, sufocando a nação pela qual deveria zelar. A demolição estava em andamento e seus ministros, em perfeita sintonia. Não, os ministros eram todos humanos, não demônios. Eram o tipo de humano amoral e inescrupuloso, carregando a mácula que o Chifrudo deixara em parte da criação. Era o maior requisito para se fazer parte das fileiras do governo do marout, a fim de conservar a margem de segurança do grande plano. O pré requisito para os cargos era uma mistura de burrice e maldade que só o marout conseguia identificar. Poderia-se dizer que eram tecnicamente ‘humanos’, mas apenas no caráter biológico. Mas seria mais justo dizer que, se fossem baratas, seriam baratas que trabalhariam a favor do inseticida, caso o pagamento fosse bom o bastante.
Jair, o marout, junto de seus filhos e asseclas, trabalhavam diligentemente esgarçando a sociedade até o limite. O representante do Inferno se esforçava para se manter como ‘funcionário do mês’, até o fim dos tempos, que estava cada vez mais próximo, apesar de os quatro Cavaleiros ainda não darem sinal de chegada. Não obstante, o Inferno continuava tranquilo na certeza de que o Apocalipse estava em curso, tudo conforme o cronograma. Os augúrios não paravam de chegar: A criação divina literalmente pegando fogo, com pantanais e florestas consumidos em cinzas, a ordem social cada vez mais instável e até mesmo uma praga de gafanhotos (um clássico nunca perde seu valor!), tudo em um espaço de poucos meses! O Inferno não poupava esforços para que o espetáculo atendesse todas as expectativas de seu Senhor.
O que mais divertia Jair, o marout, em sua tarefa era a confusão: Em seu cargo, o ser desgraçado emitia declarações que confundiam, angustiavam e colocavam as pessoas umas contra as outras diariamente. Alguns enxergavam aquilo como um artifício baixo para ofuscar certos temas enquanto o seu gabinete realizava esquemas escusos com o erário público, manobra fundamental para manter seus auxiliares e ministros humanos satisfeitos com suas pequenas ganas individualistas e trabalhando com afinco para operacionalizar o fim do mundo burocrática e juridicamente. Chamavam de cortina de fumaça para desviar a atenção do desmantelamento institucional, sem se darem conta de realidade: Era um ser maldito se divertindo enquanto levava a cabo sua missão de obliteração completa da realidade.
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Entretanto, os Cavaleiros faziam parte do protocolo! Eles deveriam cumprir sua função, derramando seus atributos sobre a Terra. A hora havia chegado! Mas onde estavam? Será que Fome, Peste, Guerra e Morte haviam renunciado à sua missão? O Coisa Ruim revelou um laivo de preocupação no olhar. Como conduzir o Armagedom sem os Quatro Cavaleiros? Por onde andariam? Haviam desistido de suas responsabilidades nessa hora crucial? Será que a ausência deles inviabilizaria tudo que foi conquistado até agora? O marout, cada vez mais exímio em ser execrável, caótico e lamentavelmente escroto, sugeriu a seu patrão uma idéia: E se ele acumulasse as funções? Além de anticristo em potencial ele poderia desempenhar a função dos Cavaleiros ausentes. Um marout bem motivado e no lugar certo poderia até, quem sabe, substituir um cavaleiro ou dois no Apocalipse iminente, na eventualidade de imprevistos se apresentarem e de uma certa dose de improviso se fazer necessária. Sua natureza destrutiva possibilitava isso, mas desempenhar as funções de todos os quatro? O presidente era um maroutzinho bem ambicioso…
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Satã encontrava-se enclausurado em sua Sala dos Uivos, um cômodo em seu palácio no Inferno onde costumava se recolher para refletir sobre questões infernais mais complexas que o tormento rotineiro. Embalado pelo som das almas de tiranos, torturadores e assassinos que foram compactadas em forma de tijolos, chorando, uivando e se lamentando sem cessar, revivendo os sofrimentos de cada uma de suas vítimas, chegou à conclusão, após muita ponderação, de que não era necessário esperar pelos Cavaleiros. Realizaria a investidura de um título de Cavaleiro do Apocalipse ao marout, e já era bem óbvio, pelo histórico de vida da criatura, que ele seria o novo Cavaleiro da Guerra. Afinal, o presidente da república era a essência do conflito! Conflito sem propósito, apenas pelo prazer do caos e da altercação, da destruição. Rompendo com aliados, amigos, tudo e todos! Inconstante, a única certeza com Guerra é que haverá sempre guerra. Além disso, o presidente tinha suas forças armadas, que no Brasil eram instituições que mais guerrearam contra seu próprio povo do que contra forças estrangeiras. Seus generais, que o apoiavam incondicionalmente – mediante um polpudo salário, é claro – haviam desenvolvido este vício institucional de sempre que possível, agredir e oprimir os cidadãos do próprio país, e portanto embarcaram ávidos nesta aventura perversa. Guerra tinha seu séquito, sua matilha de cães de guerra.
Mesmo assim, ainda restavam três cavaleiros a se apresentar para o Juízo Final.
O cavaleiro da Peste já deveria ter aparecido, mas talvez, imbuído da “pontualidade carioca”, ainda não havia dado as caras. Contudo, uma moléstia estava se alastrando cada vez mais em território nacional; uma doença que estava matando cada vez mais pessoas. A ignorância da própria população e o cuidadosamente elaborado desamparo governamental ajudavam a alastrar a doença. O marout / Presidente / Cavaleiro da Guerra, sempre muito ávido por agradar o Senhor da Escuridão, viu nessa pandemia uma oportunidade de impressionar seu Mestre, tomando para si o cargo do Cavaleiro ausente, acumulando dessa forma as funções de Cavaleiro da Guerra e da Peste simultaneamente. Resultado: Um presidente que é extremamente agitador e belicoso e que ao mesmo tempo utilizava uma pandemia em território nacional para infectar o máximo possível de pessoas simplesmente adotando toda e qualquer medida que potencializasse a letalidade da doença! O Patrão, apesar de furioso com o sumiço de Peste, terminou por aceitar a dupla jornada de Jair, o marout. Afinal, isso nem chegou a prejudicar os planos, muito pelo contrário, só aumentou a confusão e a angústia da população, o que foi uma agradável surpresa para Satanás!
A partir daí, viria a fome. Ou melhor, o Cavaleiro da Fome, que estava ali, mas não como esperado: O Cavaleiro ausente seria substituído braço direito de Guerra, o seu ministro da economia. Um homenzinho asqueroso, medíocre e previsivelmente ganancioso que com suas políticas predatórias e egoístas, que terminou por consumir tudo: Os orçamentos, as instituições e a dignidade da república. Além da credibilidade das instituições e a paciência e boa vontade populares, depauperadas pelos frequentes discursos vazios da criatura, que pela frente prometia crescimento e prosperidade para todos, quando na realidade praticava o oposto, fazendo a miséria se tornar tão endêmica quanto a praga que já se espalhava. Toda a possibilidade de crescimento foi consumida. Por onde Fome passasse, nada restava, tudo era implacavelmente assolado, o que contribuiu enormemente para a desintegração da sociedade. Não necessariamente um Cavaleiro do Apocalipse, apenas um homenzinho comum, que por ser um dedicado facilitador dos planos do Inferno acabou sendo promovido. Outra grata surpresa. Tudo caminhava dentro do esperado, mesmo com os imprevistos. O Diabo interpretou aquilo como um augúrio da inevitabilidade do Armagedom.
Com essa equipe muito bem entrosada a espalhar tanta desgraça, o trabalho da Morte foi fácil. Não contando que o Cavaleiro da Morte também fosse aparecer, um dos arquiduques do Inferno sugeriu a Lúcifer que se franqueasse a presença do Anjo da Morte, uma imensa entidade cósmica, no plano material. Era fato notório que não havia casca mortal na existência que pudesse suportar a presença deste Anjo Destruidor por muito tempo. A solução seria realizar uma invocação contínua, onde o Anjo saltasse de uma casca mortal para outra, e enquanto lá estivesse, desempenharia o serviço do Cavaleiro da Morte.
O resultado era que, quase todos os dias era aprovada alguma medida que claramente favorecia ou pendia para a a morte. Fosse um projeto de lei elaborado pelo ministro da Justiça, uma medida autoritária por parte do ministro da Educação, a inacreditável negligência do ministro da Saúde, os abusos ambientais sancionados pelo ministro do Meio Ambiente ou uma declaração absurda e niilista da ministra da Família e Direitos Humanos. Cada vez que isso acontecia, era o Anjo da Morte habilmente no controle de cada um de seus fantoches ministeriais, praticando o morticínio não utilizando sua foice, mas sim uma caneta. A médio prazo, nenhum dos corpos suportaria a ocupação recorrente do Anjo, mas todas essas pessoinhas, os traidores da humanidade, possuíam pouco valor até mesmo para o Inferno, que já os havia cooptado em algum momento de suas vidas deploráveis, e pelo cronograma seus corpos aguentariam até que o serviço fosse concluído, ou caso se fizesse necessário, substituir os ministros para que o Anjo da Morte seguisse seu trabalho sem imprevistos, saltando de corpo em corpo e desempenhando sua função, mesmo que de forma tão inesperada. A alta rotatividade faria parte, tudo para conservar Morte em constante movimento no plano terrestre. Eram todos descartáveis, as pequenas serpentes, meios para um fim. Baratos para o que foram designados a realizar.
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Mas se o Anticristo estava a todo vapor, onde estaria seu opositor, Jesus Cristo? Essa desigualdade ia radicalmente contra as profecias do Apocalipse. Na verdade Jesus já tentara voltar algumas vezes. Quatro para ser mais exato, e sempre acabava morto. A Segunda Vinda era encenada nos moldes da anterior: Cristo nascia em uma comunidade pobre, na periferia. E era preto. Ou gay. Às vezes as duas coisas. E sempre acabava morto pela polícia antes de atingir a maturidade. Isso já vinha acontecendo há alguns anos, repetidamente.
Por trás dos seguidos assassinatos do Salvador estavam os Falsos Profetas, os pastores multimilionários vendilhões da fé a serviço do Demônio, que utilizando sua influência, seus vastos recursos materiais e vampirizando a energia coletiva de suas imensas congregações, conseguiam prever, com alguma margem de erro, onde o Messias nasceria. “Triangulado” o sinal, bastava informar aos governantes no poder, e uma operação policial era demandada, colocando o efetivo para aterrorizar a comunidade em questão, forjar tiroteios e por fim, matar algumas crianças. Na dúvida (havia a tal ‘margem de erro’, que não oferecia com exatidão a identidade da criança), chacinas eram sancionadas, a ponto de, no final do século XX, serem corriqueiras as mortes de várias crianças nestas operações supostamente em nome da paz, da lei e da ordem. O Estado agia como um Herodes contemporâneo, preventivamente evitando que uma grande peça entrasse no tabuleiro. Nos anos finais, Jesus era repetidamente ungido com chumbo.
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Sem uma oposição efetiva o Apocalipse à brasileira seguia avassaladoramente sem obstáculos: Corrupção, pestilência, violências, corrupção, pestilência, violências… a criação era escorchada diariamente, numa repetição que beirava o desespero… o Inferno estava cada vez mais à vontade na Terra, e sua franquia mais bem sucedida estava funcionando a mil com o presidente / marout / Cavaleiro do Apocalipse, que corrompeu todas as estruturas institucionais para funcionarem em função da Guerra, Peste, Fome e Morte. Quem conseguia manter sua sanidade vivendo em uma sociedade cercada de morte e abusos numa frequência diária? Apesar disso, qualquer observador atento – e não afetado pela epidemia de insanidade e confusão – notaria que eram basicamente os mesmos abusos e atrocidades praticados nos últimos cinco séculos, mas com uma frequência e intensidade enlouquecedoras.
Após tantos percalços traumáticos e tanta destruição o Fim dos Tempos se encaminhava a todo vapor para uma conclusão a favor do Pai da Mentira, com muitas abominações planejadas executadas à risca nos mínimos detalhes. O plano do Nefasto até ali havia sido executado com rigor e eficiência, dada a deliciosa previsibilidade humana para fazer merda, o grande viabilizador do Apocalipse. Isso somado à manobra do presidente, que conseguiu desempenhar/delegar as funções dos quatro Cavaleiros, e o estrago havia sido imenso. Pouca coisa restava do Brasil perto do final do mandato do presidente marout e o desfecho a favor do Maldito já parecia garantido quando subitamente algo se fez sentir no ar. Uma alteração sutil, um cheiro de ozônio no ar crepitante. Algo vem chegando à contenda final. Algo GRANDE.
Eis que, exatamente como um Deus ex machina, Deus aparece aos quarenta e quatro minutos do segundo tempo do Apocalipse, interferindo no curso dos eventos, cessando o tempo, fazendo com que a órbita de cada elétron no universo fosse interrompida, cessando até mesmo a infatigável entropia, paralisando a Existência exatamente naquele momento antes de tudo dar merda. Sim, os poderes de Deus são baseados em ciência, na física básica do universo que Ele havia criado – e por isso ele estava cada vez mais desapontado e irritado com muitos de seus adoradores, que se dedicavam a espalhar bobagens e misticismos inúteis, que nada tinha a ver com a ciência natural que fora tão trabalhosa para elaborar. Claro que milagres não eram assim tão raros, mas Deus era um cara certinho, preso em suas próprias crenças rígidas e gostava de jogar o jogo que ele próprio inventara – na maior parte do tempo – seguindo as regras rigorosamente.
Deus jogava dados sim. Mas não trapaceava.
Tendo descido de dimensões superiores para definir o resultado através de pênaltis, O Criador baixa na Terra. Sua presença imponente cala todos ao redor, a aura solene do Divino permeando a todos. Ninguém conseguia emitir um som sequer, arrebatados pela Luz. Ninguém, com exceção do execrável marout presidencial. Como sempre, tal criatura estava agressiva não se deu por vencida e danou-se a fazer o que faz de melhor: berrar, espernear, xingar, alterado, no limite do descontrole. Um colapso emocional ambulante e falante.
O presidente se encontrava em um estado de putrefação cada vez mais notável, a pele cinzenta e manchada, as gengivas negras, a língua seca, dentes que pareciam pedras de um aquário que não era limpo muito tempo depois de os peixes terem morrido. Seu hálito, um odor pútrido agressivo, pungente… o olhar vidrado e injetado de vermelho (e aquelas protuberâncias nos cantos de sua testa… seriam chifres nascendo ali?), logo percebeu que seu discurso não inflamava ou corrompia ninguém, pois todos encontravam-se estáticos e resolveu partir para a ação, se preparando para investir contra o Criador de tudo que existe, mais uma vez enganado quanto à sua força real, calculando vantagens que não existiam. O marout superconfiante realmente se achava à altura daquele confronto. Ora, se nem Lúcifer havia aparecido ali, na hora do suposto triunfo final…. Mas Jair não era inteligente o suficiente para perceber que as chances daquele confronto não estavam a seu favor. Muito longe disso.
Despreocupadamente, Deus olha para o Presidente Putrefato e profere “Tu és o que tu dizes. Que o verbo se torne matéria e seja desfeita a barreira entre metáfora e realidade para ti. Fala e conclui a tua trajetória nessa história“.
A princípio, quando o Presidente tenta responder, entre arrotos persistentes, apenas um barulho estranho é emitido de sua boca, um som semelhante a uma corneta muito aguda, se cornetas fossem feitas de carne, pele e tivessem pregas na saída, a única explicação plausível para uma afinação tão esdruxulamente aguda. A nota destrambelhadamente cômica pontuada por arrotinhos é seguida por um mau cheiro crescente, sentido por todos ao redor. O presidente tenta novamente emitir um de seus famosos discursos de ódio, seu poder mais efetivo, porém dessa vez o ruído é ainda mais bufônico, prolongado, tonitruante como um motor de motoneta desregulado, seguido, novamente, do mau cheiro.
O marout não se dá por vencido e tenta berrar novamente entre os arrotos persistentes e as bufas estomacais que insistem em lhe subir esôfago acima. Dessa vez sai um “CALÚNIA!“, porém a boca não expele apenas a palavra. Um pequeno pedaço sólido de uma matéria marrom e malcheirosa, incrustada de algo que lembra um caroço de milho, cai de sua boca, deixando o líder brasileiro perplexo. Vermelho de raiva, ele tenta xingar, porém o som é abafado por uma precipitação de vários outros pedaços semelhantes ao anterior, em um jorro de matéria fecal. Possesso, o marout tenta protestar, mas os dejetos que saem de sua boca tornam-se cada vez maiores, mais volumosos e mais diversos em padrão e consistência, até que por fim, coincidindo com sua apoplexia, um jorro infinito de diarréia pastosa sai com vigor de sua boca, o que termina por sufocá-lo em uma pilha fétida de seu Verbo tornado realidade. A obra de sua vida se esvaía e tudo o que ele havia construído no campo das ideias estava se materializando boca afora, soterrando-o, para a perplexidade de todos que testemunhavam. Deus permanecia impassível, como se estivesse assistindo a um filme que já havia visto várias vezes. Estava morto o presidente, cavaleiro múltiplo do Apocalipse e candidato a Anticristo que, como tudo em sua existência, havia deixado bastante a desejar. Sepultado em excremento, mediocridade e acima de tudo, malignidade.
Após a derrocada do mito maligno, o Criador olha em volta, todos os jogadores em campo, e escolhe um cidadão qualquer, o mais comum, mediano e ordinário brasileiro em que consegue pôr seus divinos olhos, ordenando que ele se pronunciasse: “Chega de sofrimento e guerra! O que este homem disser, será decretado como o resultado final da batalha do Armagedom! Que o mais comum entre vocês, com suas aspirações de homem comum, defina para todos a saída dessa situação!“. Em seguida, se dirige a Satanás, recém chegado à cena mas já perplexo com o desmantelamento de seu Grande Plano, e murmura algo em seu ouvido. O Demônio, claramente abalado pelas breves palavras, olhos cheios d’água, chora silenciosamente. Não se sabe exatamente o que o Pai Supremo sussurrou no ouvido do Capeta, mas alguns especulam que ele teria finalmente explicado ao Tinhoso o motivo de sua suposta predileção pelo Brasil
O homem, um cidadão de pele morena, uma entrada proeminente e estranhos olhos esbugalhados vestindo uma encardida camiseta da seleção brasileira, após um brevíssimo momento de silêncio que parecia sugerir uma breve reflexão, grita sem hesitação: “MITOOOOO! NÃO GOSTOU, VAI PRA VENEZUELA, DEUS!!!“, desfazendo a impressão de que havia pensado antes de abrir a boca.
Deus levanta uma sobrancelha, único sinal de contrariedade visível em seu rosto antes de…BOOOOOOOOOOOOMM!!! Deleta-se o Diabo, deleta-se o presidente soterrado sob seus dejetos, deletam-se as hostes infernais, os anjos e arcanjos, deleta-se a cidade de prata no pináculo celeste, deleta-se o Paraíso, o Inferno e o Limbo. Deleta-se a Terra. O sistema solar. A Via Láctea. Deleta-se a existência. O tudo agora é nada além do Nada.
O Nada. Deus olha para sua recém descriada criação e mais uma vez ativa o protocolo “Fiat Lux!“, estalando os dedos. Suas nanomáquinas subatômicas tecem a matéria novamente em um clarão. Big Bang all over again. Farto de sua criação obtusa, Deus passa a borracha e resolve começar tudo de novo. Fast forward. Avancemos vários milhares de milênios após o primeiro organismo pluricelular sair dos mares novamente, como uma reprise de um filme que já era enfadonho e previsível desde sua estreia.
Avançando mais alguns milhares de milênios à frente, nos deparamos com uma criaturinha peluda, semi encurvada, mas andando sobre duas patas, que pega um pedaço de madeira no chão. Olha o objeto, sente seu peso, gira e golpeia o pedaço de pau no ar várias vezes, sentindo a aerodinâmica do objeto em sua mão. Alguns minutos depois, já tendo perdido o interesse pela potencial ferramenta, joga o pau no chão, e em seguida, faz um gesto com sua mão, o polegar opositor já bastante pronunciado e erguido para cima, bem como o indicador esticado. Os outros dedos fechados na palma da mão, apontando para a criação recém recriada, como se capaz de disparar projéteis das pontas dos dedos.
Um tanto quanto desanimado, o Criador olha a cena e depois de tanto trabalho e retrabalho, se dá conta que sua criação é imune ao aprendizado.
Eduardo Cruz (@eduardo_cruz_80)
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Uma obra prima! Que beleza de texto. Sensível, real e ao mesmo tempo satírico. Parabéns mais uma vez por esse excelente material.
Que texto foda! Vc escreve muito bem. Parabéns!
Pô, muito obrigado Vagner!!!
Muito Obrigado Pri! Feliz por vc ter gostado!!!
Cara, fantástico. Aguardando o livro que certamente será sensacional!
Cara, fantástico. Aguardando o livro que certamente será sensacional!
É, Xandão. Quem sabe um dia sai um livro aí heheheheh….
Excelente, intrigante, que faz pensar…
Gostei demais!
Fico feliz por ter agradado! Valeu!
Sensacional! Adorei os paralelos, as críticas, o sarcasmo… É um conto bem interessante e pertinente! Parabéns!
Muito obrigado pela disposição em lê-lo, fico muito feliz que tenha gostado! A força do ódio mantém minha pertinência mais ou menos afiada heheheheheh….