Poucos sabem, mas um dos grandes fatores que motivou o surgimento da Zona Negativa foram iniciativas como o falecido Arqueologia Vertigo. Nossos chégas tocaram fundo em nossos coraçõezinhos negros e nos mostraram que sim, é possível escrever sobre quadrinhos e não cair no lugar comum da cabacice com questionamentos “relevantes”, tais como “Dãããã, quem é mais forte: Hulk ou Superman?” ou “Quem ganharia uma briga: Lobo ou Deadpool?”.
Bom, estamos velhos demais e cansados demais pra essas bulshitagens aqui na Zona, e na verdade, pelo menos pessoalmente, essas perguntas sempre me soaram ridículas de se responder a sério, até de se falar em voz alta rs. Acredito que se há alguma coisa que podemos (e devemos!!!) trazer do universo 2D das histórias em quadrinhos para este nosso mundo “real” e objetivo, esse algo é tudo o que absorvemos e digerimos ao ler uma história, todos os contextos, subtextos, camadas e significados ambíguos, metáforas desveladas, alegorias trazidas à luz. Tudo que, além dos desenhos coloridos e enquadramentos geniais e artifícios narrativos sensacionais, e quaisquer outros recursos que de melhor uma HQ pode oferecer em função do storytelling, seja absorvido e capaz de transformar nossa forma de pensar e enxergar. Tudo que nos é acrescentado ao ler uma boa história, tirando-se a massavéice, o espetáculo visual vazio. As idéias que nos invadem (Ui!!) se assentam em nós, e nos mudam. Afinal, pra que mais a gente lê HQs por anos e anos e anos a fio? Pra ver as mesmas lutas e sagas cósmicas de ângulos diferentes, com heróis e vilões em uniformes diferentes? Garanto que aqui não! Aqui na Zona, uma HQ é uma fonte de conhecimento tão válida tanto quanto qualquer bom livro, ou filme, disco, etc. Boas idéias, ao contrário do que esse panorama cultural atual demonstra, estão por aí sim, e devem ser colhidas, cultivadas e disseminadas. Algumas vezes, a história nem mesmo se aprofunda tanto no tema, e o roteirista instiga o suficiente apenas pra gente se mexer e pesquisar aquilo que foi arranhado de leve, na superfície. Cabe ao leitor se aprofundar (ou não!), se achar que deve, que vai ser benéfico.
Nossos chégas do Arqueologia Vertigo sempre primaram pela profundidade, conteúdo e coerência desde o primeiro post, e foi exatamente o que nos chamou a atenção para eles dentre tantos sites e blogs “nerds” ou “geeks” que abundam nessa internet de meu Satanás. Dentre tantos bons posts, eles montaram algumas playlists, certas sugestões de músicas para serem ouvidas enquanto se lê o título indicado. Logicamente, as músicas selecionadas casavam com o conceito/título/personagem, e aqui, vamos seguir os moldes desses posts, numa homenagem descarada a esses amigos que fizemos nessa corrente do bem, de informações relevantes e muita pesquisa e amor aos quadrinhos.
A série que escolhemos para a playlist é Os Invisíveis, a obra prima de Grant Morrison, uma série que fala, bem, basicamente de TUDO. De magia a anarquia, de psicologia a viagem no tempo, de drogas a libertarianismo, de arte a morte. Ah, e também da verdadeira natureza da realidade. Aqui na Zona levamos Os Invisíveis um tanto a sério demais, e fizemos uma pequena e singela playlist para ajudar vocês a entrar no clima da revolução junto com a gente, além de mandar um high five a nossos amiguinhos arqueólogos vertigueiros. Mantenhamos a chama acesa hehehe.
Então, chega de enrolação e rasgação de seda, vão pegar seus encadernados de Invisíveis na estante (finalmente a Panini completou a publicação da série no Brasil e já está até republicando em edição de luxo a preços exorbitantes!), e desfrute da nossa seleção pensando em King Mob, Jack Frost, Ragged Robin & Cia, sem nenhuma ordem específica, que fique claro, e som na caixa, DJ!!!
1- John Lennon – Mind Games
John Lennon: Mega pop star, ídolo de milhões, filantropo, pacifista. Lennon nunca entrou numa cruzada armada contra o sistemão, como King Mob fez nos Invisíveis. Pelo menos, não que saibamos hehehe. Ou só eu acho que o assassinato dele foi gratuito demais? Bom, chega de paranóias por agora! Na série, Morrison sugeriu que Lennon, após sua morte, alcançou um estágio espiritual tão elevado que atingiu atributos de um deus. Por isso vemos King Mob o invocando em uma edição, como se fosse Buda, ou Ganesha, ou qualquer outra divindade “real”.
Inclusive, segundo Morrison e seu livro Pop Magic! dá pra invocar quem você quiser, seja divindade, celebridade morta ou personagem fictício. Quer tentar? Instruções AQUI.
Agora, a letra de “Mind Games“: linda, emocionante e propondo a revolução sem violência. É possível? Lá pelo fim da série, King Mob abandona sua armas e acredita que sim. E conseguiu? Só lendo, não vou dar spoiler…
“Mas, porra, cara, era o King Mob. Até hoje se fala dele.”
2 – Kula Shaker – Into The Deep
No início do volume 2 da série, no meio do mega tenso arco “Ciência Negra“, onde os Invisíveis invadem uma base militar em Dulce, Novo México, atrás de uma amostra para a cura da AIDS, King Mob é obrigado a matar tantos soldados para conseguir seu objetivo “pelo bem da humanidade”, que fica um tanto quanto… descompensado, questionando a moralidade de seus atos e, no meio da treta, canta uma música da banda britânica Kula Shaker, pra dar aquela desopilada… “Fly, brother, fly…”.
3 – The Kinks – David Watts
Essa canção dos Kinks parece ser uma das favoritas de King Mob, dada a quantidade de vezes que o vemos cantar ao longo das 60 edições de Invisíveis. Sabe aquele “Fa fa fa fa fa fa fa fa…“? e o “bordão” do King Mob, “tudo nos conformes” (nice and smooth), que você viu ele falando pelo menos umas três ou quatro vezes pela série toda? Pois é, são dessa música aqui:
The Jam também gravou uma versão de David Watts, e parece que King Mob curte as duas, então vou deixar aqui também…
4 – The Smiths – Ask
Não, essa aqui não tem nenhuma ligação direta com a série do Morrison, mas é que sempre que olho para a arte da granada na capa do Omnibus de Os Invisíveis,
automaticamente lembro do trecho da música dos Smiths:
“Because if it’s not love
Then it’s the bomb, the bomb, the bomb, the bomb,the bomb, the bomb, the bomb
That will bring us together”
Mas pera lá! tem The Smiths citado de forma direta em Invisíveis sim, e é…..
5 – The Smiths – Heaven Knows I’m Miserable Now
Mais precisamente num flashback de King Mob na Índia, no final dos anos 80, numa cena à beira do Rio Ganges, ouvindo walkman, onde ele conhece Edith Manning, uma personagem de suma importância na obra, com que ele se relaciona em dois diferentes momentos do tempo, nos anos 20 e novamente quase nos anos 2000. Ei, eu falei que a HQ é doideira, não falei???
6 – The (International) Noise Conspiracy – Capitalism Stole My Virginity
Não vou falar muito sobre essa banda banda sueca esquerdista radical, que embalou minhas primeiras leituras de Os invisíveis, lá por 2003, 2004, e ajudou demais a entrar no clima revolucionário da obra do Morrison… lá vai só um trechinho:
“Cansado de não ser nada
Capitalism Stole My Virginity, The (International) Noise Conspiracy
Quando, quando nós deveríamos ser tudo
Na testa de toda pequena prostituta
Há um sinal que diz, baby, nós nascemos para morrer
Nós somos todos putas, produtos baratos,
Nos notebooks de outras pessoas (4x)
Detestável,feio e barato
É como você me faz se sentir, eu disse
O Capitalismo roubou minha virgindade
O Capitalismo roubou, o capitalismo roubou (4x)“
7 – The (International) Noise Conspiracy – Up For Sale
E tome mais The (International) Noise Conspiracy, porque eu sei que vocês gostaram! Se realmente existissem células de Invisíveis no mundo real, no estilo das de King Mob, Jolly Roger, Oscar e outras, certamente o T(I)NC seria composto só por invisíveis, com suas letras contundentes tentando acordar o mundo do seu estupor, e ao mesmo tempo curtindo sexo, drogas e rock and roll (pra quê uma revolução se não tiver isso???). Subversão pop. Tio Morrison ficaria orgulhoso.
“Nós estamos à venda, tudo que conhecemos está à venda“
8 – Swing Out Sister – Breakout
Eu sei, parece estranho incluir essa na lista, mas ainda no raciocínio de Invisíveis mandando mensagens secretas e escondidos à plena vista como o rapper vodu Jim Crow costumava fazer na HQ, gravando discos e com clipes na MTV, destilando anarquia e subversão, temos esse refrão do Swing Out Sister que pode ser interpretado como um ato de revolução, transformação interior e transcendência, tudo “disfarçado” em uma música pop de 3 minutos. Sei não, posso estar paranoico, mas acho que é o que um invisível faria… quer dizer, estamos falando sobre uma história que trata de revolução nas páginas de uma HQ, formato ainda subestimado e tido como inferior por muitos incautos. Entre na brincadeira… lembre-se, é apenas um jogo…
“Não pare para perguntar
Breakout, Swing Out Sister
Agora que você achou uma brecha pra finalmente fazer acontecer
Você tem que encontrar uma maneira
Diga o que você quer dizer
Liberte-se”
9 – Zumbi do Mato – Sincronicidade Artificial, Manipulação de Linguagem, Kundalini e as Fronteiras da Realidade
Zumbi do Mato é uma banda carioca, e por aqui consideramos eles o Mr. Bungle brasileiro. Como o vocalista Lois Lancaster diz no início da “música”, “uma vez que o aviso que você está prestes a ouvir pode ser forte demais para o seu cérebro, você pode dar pausa e voltar mais tarde“. Acredite, você vai precisar disso. A letra não é composta pela banda, e sim extraída de um texto na internet. Pode ser uma célula invisível. Quem sabe a do Marquês de Sade?
10 – Beatles – Revolution
Não. Não vou comentar nada sobre essa. Desnecessário. Seria o mesmo que explicar quem são os Beatles nesse post. Desnecessário. Confiram a letra.
Ou podemos adicionar um pouco de anfetaminas em Revolution por apenas mais 1,99 com os Stones Temple Pilots…
11 – Gil Scott-Heron – The Revolution Will Not Be Televised
Com essa quantidade de câmeras nas ruas e celulares e TVs que gravam o que a gente fala pra depois oferecer produtos “aleatoriamente”??? É ruim, hein, irmão! A revolução não será televisionada, a gente é que vai ter que levantar a bunda do sofá e buscar na unha…
12 – Rage Against The Machine – Testify
Como mostrado no vídeo, o mundo está sendo secretamente governado por uma elite alienígena monstruosa. A mesma conspiração dos Arcontes nas HQs, seres de outra dimensão que visam escravizar a humanidade, comandando e dominando governos, exércitos e a mente do povo. Quem bate de frente? Um grupo de malucos intitulados… Os Invisíveis!!!
BÔNUS – Vitas – 7th Element
Esse vídeo do cantor pop russo, apelidado em seu país natal de “O Príncipe da Voz de Golfinho“, ou ainda “A Voz de Diamante” para mim representa o Grant Morrison way of life: é fortemente pop mas sem perder a esquisitice; as cores berrantes cercadas de escuridão, os dançarinos que não dançam, os “anti-passos” de Vitas performando durante a apresentação… Desde a primeira vez que vi esse vídeo pensei que se o Morrison organizasse uma rave, ela seria exatamente assim! Os “bailarinos” dele até parecem com a Arlequinada, personagens misteriosos e poderosos na mitologia de Os Invisíveis! Aqui no Brasil temos o Pablo do “Qual é a música?” como contraparte do universo B dessa figura.
CHUNDRUM CHUNDRUM CHUNDRUM CHUNDRUM BEDRUM
UUUUUUUOOOOOOOOUUUUUUUOOOOOOOOOOOOOUUUU
Faltou alguma música que se encaixa na temática??? COMENTE AÍ, BORA EXPANDIR ESSE POST!!!!!
Eduardo Cruz (@eusoueducruz)
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