JoJo’s Bizarre Adventure – A agradável bizarrice de Hirohiko Araki!

Quando decidiu dar o nome de Bizarre a sua obra, Hirohiko Araki teve um dos momentos mais lúcidos da sua vida. O mangá de 86, que já conta com oito arcos, é uma aula de reinvenção na maneira de contar histórias. Usando um formato totalmente fora do mainstream da época, apresentando uma história completamente diferente a cada arco e contando com um protagonista novo em cada um deles, Hirohiko nos traz uma série carregada de sátiras e referências a tudo o que ele gosta e odeia. JoJo sem dúvida nenhuma é uma obra que divide opiniões, mas que apesar disso já colocou Hirohiko no hall dos grandes mangakás da história. Vamos falar um pouco sobre os dois primeiros arcos no anime e outras facetas da obra de Hirohiko Araki.

Uma série da CW, uma novela… Não, é JoJo!

A trama do primeiro arco, Phantom Blood, começa nos apresentando o jovem Dio Brando (sim, se preparem para uma chuva de referências ao rock). A pegada deste arco é totalmente novelesca, contando com inúmeros clichês a lá Televisa e excesso de pausas dramáticas em momentos nem tão dramáticos assim. Dio viaja até a casa da família Joestar, que é o fio condutor da trama de Hirohiko durante vários arcos. Anos antes, quando Dio ainda não era nascido, seu pai Dario Brando (um ladrão de pequenos delitos) acha o arqueólogo George Joestar caído após um acidente com sua carroça. Nela estavam com ele sua esposa e o pequeno Jonathan, filho do casal. Ao tentar pegar os pertences do homem inconsciente, Dario acaba despertando-o, e George acredita ter em Dario um salvador que estava tentando ajudar. Com isso, ele passa a se sentir em dívida com Dario. Anos mais tarde, essa dívida é cobrada por Dario para que Dio seja acolhido pelos Joestar. Dio, por sua vez tem planos para a fortuna de sua nova família após a morte de Dario. O jovem Brando é um total personagem de novela mexicana, com seus planos grandiosos e maldade exacerbada. O trabalho de Hirohiko em descrever Dio como alguém completamente maligno é bem claro, sobrando até pro cachorro do jovem Jonathan, que é quem mais sofre com a índole de Dio.

Dio Brando ou Paola Bracho?

Jonathan Joestar (JoJo) é a completa antítese de Dio. Ingênuo, nobre, com fixação em ter uma postura de cavalheiro imaculado, ele acaba sendo facilmente vítima de todas as perversões de Dio e mesmo assim mantendo o tratamento de irmão que o pai lhes obriga a terem, sempre procurando justificar as ações do irmão postiço de alguma forma. Aqui o trabalho feito pelo mangaká é o oposto, tentando mostrar uma bondade infinita na pessoa do jovem JoJo. Em meio a essa convivência conturbada, os jovens acabam brigando. Dio força a bondade de JoJo até seu limite e isso os leva a um embate icônico no salão principal da mansão. Aqui nos chama a atenção a presença de uma máscara bem sinistra que cai da parede durante a confusão. Ambos os jovens acabam curiosos acerca de tal artefato macabro. Os anos passam e os jovens mantém suas diferenças de lado por um tempo, até mesmo tendo uma convivência saudável um com o outro. E aí vem o primeiro grande plot twist de Hirohiko e este é apenas o primeiro de muitos durante as sagas.

Quem resistiria a ter um bibelô desses em casa?

Os planos de Dio nunca deixaram de existir e os dois jovens acabam entrando em conflito novamente. Daí pra frente o enredo toma um ar mais próximo de um shonen raiz, mas nunca deixando de alfinetar o gênero com diversos clichês e perversões da própria temática utilizada nesse tipo de obra. Dio se mostra como o verdadeiro vilão depois de ser construído e aprofundado nos volumes anteriores e continua se esforçando para ser um personagem odiável. Enquanto isso JoJo se torna menos ingênuo, mas continua com o ar de paladino da justiça que o acompanha desde o início. Nessa parte somos apresentados ao Hamon, “Onda” na versão em Português, uma técnica baseada na transformação da respiração em uma energia semelhante a energia solar. Quem ensina o Hamon a JoJo é o velho William Antonio Zeppeli (se esse nome te fez lembrar de uma banda de rock progressivo, você entendeu a mensagem). As descobertas sobre a máscara de pedra e o Hamon, mudam completamente o andamento da série, deixando o novelesco um pouco de lado e dando um ritmo mais rápido a história. Menção honrosa para a dupla de vampiros, Dire e Straits, uma das referências mais engraçadas do mangá.

Zeppeli e o uso do Hamon (não consigo ler essa palavra e não lembrar do Seu Madruga…)

Uma nova trama para um novo JoJo!

Com a conclusão de Phantom Blood e do arco de Jonathan, somos jogados para cinquenta anos depois, com um novo Joestar assumindo o protagonismo da série. Aqui já temos a primeira grande mudança (mudanças essas que se tornariam marca registrada na maneira de Hirohiko contar sua história) com um protagonista menos heroico e mais esperto, muitas vezes flertando com o “imoral”. Joseph Joestar é um jovem que vive se metendo em brigas e pequenas encrencas por aí. Criado pela avó, Joseph tem uma forma totalmente peculiar de ver o mundo e um amor imenso pela mulher que o criou. Apesar de não parecer no início, com o decorrer do arco, Joseph também demonstra um forte senso de lealdade, muitas vezes se pondo em risco para poupar seus aliados. O jovem já começa como um usuário de Hamon e fica claro que seu pai não tinha o mesmo dom (se você estava imaginando o Jonathan, errou feio). Sempre utilizando de pequenos truques e prevendo as falas de seus oponentes, Joseph é sem dúvida um personagem muito mais carismático e atraente do que o protagonista anterior.

Joseph Joestar, um JoJo diferente para cada época.

Battle Tendency, tem uma trama um pouco mais densa do que o arco anterior. Joseph acaba cruzando o caminho dos Homens do Pilar, um grupo de criaturas com milênios de existência e responsáveis pela criação das máscaras de pedra e dos vampiros pelo mundo. Aqui toda a história por trás do Hamon e da máscara de pedra é melhor explorada, nos entregando mais sobre o mundo criado por Hirohiko. O ritmo é completamente diferente do primeiro arco, mas mantendo elementos que se tornaram marca registrada do mangaká, como as poses exageradas e corpos exuberantemente musculosos. Durante sua jornada, JoJo conhece Caesar Anthonio Zeppeli, parente do Zeppeli anterior e também usuário de Hamon. Surge uma pequena rivalidade entre os dois que logo dá lugar a camaradagem no maior estilo “Ken e Ryu”. Eles são treinados por uma mulher chamada Lisa Lisa, uma personagem misteriosa, forte e importante para o desfecho do arco.

Joseph e Caesar, a dupla Ryu e Ken de Araki

Os vilões do segundo arco são um show a parte, com destaque para um dos Homens do Pilar chamado ACDC (eu disse que era uma chuva de referências ao rock). Aqui os vilões são menos trabalhados do que Dio, porém passam uma sensação de medo e urgência maior do que o vilão novelesco do primeiro arco. As lutas são sempre uma surpresa, com o autor sempre tentando fugir do óbvio e geralmente sendo bem-sucedido. A forma com que Joseph luta e escapa de situações inusitadas é divertimento garantido. A criatividade dele no uso do Hamon torna toda luta única, algo difícil de ver na maioria dos shonen. Temos também um soldado alemão que redefiniu o termo “agarrar-se a vida”. Battle Tendency é de longe mais divertido do que Phantom Blood, mas quem assistiu a primeira parte vai ter uma experiência muito melhor, devido as referências ao arco antecessor.

Homens do Pilar, divas de outra época.

O sucesso do mangá

O mangá publicado pela Shueisha, através da Weekly Shonen Jump entre 1987 e 2004, mudou de lar a partir daí para Ultra Jump, focada em seinen e mostrando uma clara mudança no roteiro e abordagem de temas mais complexos por parte do autor. Contando com 118 volumes publicados pela Shonen Jump, é até hoje o segundo maior mangá da periódica. Seus atuais oito arcos contam com histórias fechadas, dando a liberdade do leitor começar de onde quiser. Contudo existem referências entre os arcos, o que privilegia o leitor que iniciou lá em Phantom Blood, mas não impede a leitura não sequencial. Os oito arcos atuais são:

Phantom Blood, com 5 volumes contando a história de Jonathan Joestar. Se passa na Era Vitoriana e nos apresenta os conceitos básicos do mangá, como o Hamon e os vampiros.

Battle Tendency, com 8 volumes contando a história de Joseph Joestar. Começa 50 anos após o fim de Phantom Blood, tendo os criadores dos vampiros como principais inimigos.

Stardust Crusaders, com 17 volumes contando a história de Jotaro Kujo. Com um novo salto de 50 anos, aqui temos o retorno de um antigo inimigo e o surgimento de um poder que mudaria os rumos e a popularidade da série, o Stand.

Diamond is Unbreakable, com 19 volumes contando a história de Josuke Higashikata. Em 1999, pessoas começam a desenvolver Stands após serem atacadas por flechadas. Com a participação do protagonista anterior, o arco investiga a causa por trás desses ataques que criaram um surto de Stands e um serial killer que assombra a cidade há anos.

Vento Aureo, com 21 volumes contando a história de Giorno Giovanna. Se passa na Itália, em 2001 onde o protagonista se envolve com a Máfia enquanto descobre que possui um Stand.

Stone Ocean, com 17 volumes contando a história de Jolyne Kujo. Conta a história da única Jojo mulher, até o momento. Filha de Jotaro, ela acaba se envolvendo numa trama de assassinato do qual ela é injustamente acusada. Na prisão ela descobre seu Stand, Stone Free.

Steel Ball Run, com 24 volumes contando a história de Johnny Joestar. Aqui Hirohiko muda completamente a história, baseando esse arco num universo paralelo ao dos arcos anteriores. Muitos conceitos são mantidos, como os Stands, mas até mesmo a forma de despertar tais poderes muda. Aqui vemos muitas referências a arcos anteriores e até mesmo a releitura de antigos personagens. Essa fase marcou a transição do mangá de Shonen para Seinen, tornando a história mais adulta e com isso mirando um público alvo mais maduro.

Jojolion, em andamento contando a história de Josuke Higashikata. Atualmente sendo lançada, essa fase conta a história do jovem Josuke que é encontrado com amnésia e adotado por uma família, que lhe dá esse nome que não tem nenhuma ligação (até o momento) com o Josuke de Diamond is Unbreakable. Curiosamente, Josuke descobre que possui quatro testículos e isso deve ser importante para algum momento da história.

Em 2018 a Editora Panini trouxe a publicação para o Brasil em formato “bunkoban”, o que reduziu o número de volumes por arco. Até o momento desta publicação já foram lançados os três volumes do primeiro arco e dois do segundo. As edições estão muito bonitas e agradaram os fãs mais fieis da obra.


Josuke Higashikata, de Jojolion, um protagonista com quatro testículos. Tá bom pra você?

Muito além das páginas…

JBA fez tanto sucesso em sua trajetória que assim como outras obras famosas (Naruto, One Piece, Dragon Ball entre outros) teve sua história transportada para os consoles. Com mais de dez títulos em diferentes plataformas, fora as aparições de seus personagens em crossovers, a obra fez sucesso também com os gamers. Contando com versões mais recentes para mobile a franquia está sempre presente no formato eletrônico, tendo até uma versão Battle Royale. Em 2019 foi lançado o tão aguardado Jump Force, que traz personagens de inúmeras franquias da Shueisha, tendo Jotaro Kujo (provavelmente o JoJo mais querido do público) e Dio Brando como personagens jogáveis.

Jotaro Kujo e seu Stand, Star Platinum, em Jump Force.

O homem por trás da obra

Hirohiko Araki nascido em 7 de Junho de 1960, em Sendai no Japão, iniciou sua paixão por mangás devido a desentendimentos com suas irmãs o que lhe fazia ficar isolado lendo. Escondido de sua família, ele começou a se dedicar a escrever e desenhar durante seu ensino médio mas sem conseguir reconhecimento de nenhuma editora para as quais mandava seus rascunhos. Até que decidindo ir pessoalmente até as editoras, recebeu uma oportunidade do editor da Shueisha na época, tendo seu primeiro mangá publicado, Poker Under Arms.

Hirohiko Araki

Em 1980, após largar a faculdade antes de concluí-la e lançar seu primeiro mangá, Araki ingressou na industria com apenas vinte anos de idade e começou a lançar outras obras, como alguns one-shot para coletâneas da Shueisha e pequenas séries. Mas foi em 1986 que ele lançou sua grande obra, JoJo Bizarre Adventure. Após JBA, Araki passou a ser capista em alguns projetos fora da série, para outros mangakás. Em 2009 ele foi um dos cinco artistas convidados pelo Musée du Louvre para criar obras originais no famoso museu. A obra chamada Rohan no Louvre, teve como personagem principal Rohan Kishibe, que aparece no quarto arco, Diamond is unbreakable. Hirohiko nunca escondeu ter um amor especial por esse personagem e que ele é inspirado em alguém importante para a vida dele.

O estiloso Rohan Kishibe.

Em 2011, o estilo dos personagens e o traço de Hirohiko chamaram a atenção do mundo da moda. A loja Gucci de Shinjuku sediou a exposição Gucci x Hirohiko x Spur, com o título de “Rohan Kishibe vai a Gucci” mais uma vez utilizando o estiloso e querido personagem, de longe a melhor escolha para tal missão. A exposição celebrou o 90º aniversário da Gucci e até mesmo uma figura em tamanho real de Rohan foi fabricada para o evento. Também foram confeccionadas peças para a coleção Outono-Inverno da marca totalmente baseadas nos traços do artista. A parceria com a revista de moda Spur se repetiu em 2013, usando dessa vez a personagem Jolyne Cujoh da parte seis do mangá, Stone Ocean, na obra intitulada Jolyne Fly High with Gucci. Um outro momento importante da carreira do mangaká foi sua ajuda na reconstrução das ruínas de Hiraizumi, consideradas Patrimônio Mundial da UNESCO, para qual ele fez artes representando as ruínas e ajudando na conscientização da importância do local, que havia sido destruído por terremotos em março de 2011.

Arte especial em prol das Ruínas de Hiraizumi.
Hirohiko e Gucci, uma parceria inusitada.

Fora mangás e moda, uma outra paixão que Araki não esconde é pelo rock. Diversos personagens por toda trama, do primeiro ao oitavo arco são nomeados com base em referências a bandas de rock, como Whitesnake e Speedwagon ou personalidades como o grande vilão Dio Brando. Na fase Stone Ocean, todos os Stands têm seus nomes baseados em músicas e bandas de rock.

Hirohiko Araki, sem dúvida nenhuma, foi um artista inovador e totalmente a frente do seu tempo. Seus personagens carismáticos, com roupas da moda e poses surreais conquistaram o coração de milhões de fãs ao redor do mundo, influenciando dentro e fora do cenário Shonen, chegando até mesmo ao mundo dos memes. Vale muito a pena conferir o mundo bizarro de JBA.

Pedro Rodrigues
Perdido na vida há trinta anos, sem vocação pra ser "cult" e fã dos escritores britânicos. Estuda tarô, cabala, hermetismo, magia do caos e teoria da Mãe Piruleta que traz seu amor em três dias em território nacional. Em meio a tudo isso descobriu seu animal de poder, uma lontra albina. Lendo de bula de remédio a Liber Null e Necronomicon, seu propósito com a escrita é esvaziar a mente e evitar com isso a perda do seu réu primário.

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