“Quantos corações você já despedaçou, Dylan?
Quantos sorrisos apagou?
Quanto amor já deu sem se poupar… E quanto esperou de volta?
E pra quê?
Amor, do latim amore. Sua melhor definição talvez seja não defini-lo e a tentativa de reduzir em nossas limitadas palavras um sentimento tão abrangente é negar o entendimento de sua real dimensão. Por isso vivenciar, aprender a expressar e falar de amor em todas as suas formas é fundamental para o autoconhecimento em prol de se aprimorar e sempre oferecer sua melhor versão ao outro. Em uma sociedade onde se fala muito de amor mas a busca incessante acaba sendo por poder, o sentimento e a própria palavra sofrem uma banalização geral, o que cria confusão e manifestações de controle visando privar e moldar o alvo do suposto amor, são vistas a todo momento e até encaradas com naturalidade por muitos.
Dylan Dog sempre teve uma relação complicada com o amor e as mulheres com que se relaciona. Conhecido por ser um exímio galanteador, conquistou várias mulheres durante os casos que investigou apesar de nenhum desses relacionamentos durar realmente. Alguns foram mais intensos e duraram um pouco mais, com o resultado final sendo o mesmo, apenas mais doloroso. Mais de uma vez, disse que amou todas elas. Na história, o roteirista Roberto Recchioni se utiliza dessa afirmação e impõe a Dylan um pesado teste que o fará questionar o peso que ele sempre deu a frase “eu te amo“.
Seria mesmo Dylan Dog o homem de coração puro e atitudes nobres que ele sempre acreditou que fosse?
Nas primeiras páginas vemos um pesaroso Dylan Dog indo ao encontro de Dora, para terminar o relacionamento entre eles. O leitor mais acostumado às histórias do personagem logo identifica que Dora é apenas mais um dos romances passageiros de Dylan, visto que não sabemos nada sobre ela ou do relacionamento. Mais do que ninguém, Dylan já lidou muitas vezes com essa situação e sabe muito bem que nunca fica mais fácil terminar um relacionamento, o que torna seu caminho de volta para casa longo e reflexivo. Nele, é atacado por um homem que o derruba com um taser para logo em seguida sequestrá-lo. Ao despertar amarrado, descobre que o homem que o atacou é o devotado pai de Dora, ex-agente MI6. Com o objetivo fazer Dylan dizer a sua filha que na verdade nunca a amou e libertá-la dessa mentira, o perigoso homem usa de tortura para dobrar a vontade de Dylan, que insiste em dizer que amou Dora, assim como todas as outras. Dora por sua vez, encara a situação como um teste para a relação entre os dois, tendo certeza que Dylan ainda a ama e não voltará atrás.
Recchioni mostra nesses personagens três facetas de um amor tóxico, doentio e egoísta. O pai de Dora, obcecado e devotado à filha sendo capaz de qualquer tipo de crueldade em nome desse amor para vê-la feliz. Dora, a partir do momento que ouviu de Dylan que a amava, criou a ilusão de que esse amor uniria os dois para sempre, não importa o que acontecesse. E Dylan Dog, o cavaleiro na armadura brilhante pronto para resgatar e conquistar a princesa em perigo, para logo em seguida dizer que a ama numa tentativa desesperada de também ser amado.
A trama tem ótimo desenvolvimento, boas reviravoltas, o final tem o punch característico das histórias de Dylan Dog e os coadjuvantes são perfeitos para criar a situação bizarra que traz as reflexões necessárias para o protagonista. A arte estilizada de Piero Dall’agnol (Que não é parente do serviçal de juizeco) me causou certa estranheza inicial, mas logo me acostumei. Essa quinta edição mantém a qualidade da nova série, sendo mais uma história de desconstrução do personagem, dessa vez um aspecto de caráter tão inerente. Por isso mesmo não indico a nova série como porta de entrada para novos leitores, nesse quesito a série clássica cumpre bem melhor o papel. O direcionamento dado nessa atualização de Dylan Dog tem me agradado bastante e tem sido divertido acompanhar esse novo ciclo de mudanças junto com ele.
“Outros sorrisos. Outras esperanças. Outras ilusões.
Quando terá o suficiente, Dylan?
Quando vai parar de procurar?
Na próxima vez… ou na seguinte, quem sabe?
Editora Mythos
Compila a edição Dylan Dog #342
Capa cartonada. 100 páginas. R$26,90
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