Resenha Relâmpago: FRUTO ESTRANHO

“Árvores do sul produzem uma fruta estranha
Sangue nas folhas e sangue nas raízes
Corpos negros balançando na brisa do sul
Fruta estranha penduradas nos álamos”

Os versos acima pertencem à canção Strange Fruit, originalmente um poema de autoria de Abel Meeropol, e gravada por diversos intérpretes, entre eles, a versão mais notória na voz de Bilie Holliday. Evidentemente, a letra fala dos maus tratos aos negros no sul dos Estados Unidos, e o tal fruto estranho nada mais é do que um cadáver de uma pessoa negra enforcada, por conta do preconceito e intolerância. Vejam só, hoje em dia o preconceito ainda não acabou – muito pelo contrário – mas no começo do século XX, árvores com esses estranhos frutos ainda eram uma visão freqüente no sul dos EUA. Essa HQ mescla fatos históricos, como a grande enchente de 1927, que atingiu a pequena cidade de Chatterlee, no Mississipi, onde se passa a história, com eventos fantásticos, que ficam por conta da queda de uma nave, nos arredores da cidade, onde os habitantes brancos ainda vivem em um perverso status quo em que a abolição da escravatura é solenemente ignorada. O tripulante da nave logo aparece e se mostra diferente de tudo que já se viu: Forte, veloz, superinteligente, o pináculo da perfeição física humana… Ah, além disso esse “super homem” é negro! As tensões já existentes, seja por conta do desastre natural iminente, ou pelas relações sociais oriundas da situação racial são exacerbadas ainda mais pela chegada do “preto que não sabe o seu lugar”.

Ao ler a premissa da HQ – premissa essa, aliás, que não partiu de Waid e sim do próprio Jones, que pediu o auxílio de Waid para estruturar e desenvolver seu argumento – e ver a equipe criativa envolvida, fiquei bastante animado e gerando toneladas de expectativas em minha cabeça, esperando que a HQ fosse discutir o papel do negro no Mississipi e na sociedade norte americana de modo geral, com muitos comentários sociais, questionamentos acerca do heroísmo, da natureza humana e até um certo grau de ressonância com a América contemporânea (“This is America”, não é mesmo?), onde o avanço da extrema direita está transformando todo o país em uma grande Chatterlee. Me enganei: Apesar do potencial para ser uma HQ arrebatadora (E como eu quis ser arrebatado por Fruto Estranho!), com toda a contundência que a obra pede, a história é apressada e com um desenvolvimento superficial, como se no meio do caminho Waid tivesse resolvido puxar o freio de mão e dito “Merda, eu sou branco, não posso escrever isso!”, talvez temeroso ou não se sentindo no direito de contar sua história com medo de sofrer um linchamento virtual, virando ele mesmo mais um estranho fruto nas tretas das internetes.

Não estou afirmando que faltou honestidade, apenas um pouco mais de coragem para desenvolver as muitas nuances de um tema tão espinhoso. Aqui faltou foi pesar a mão um pouco. Como o próprio irmão superhumano vindo de outro mundo, que não teve seu passado abordado a contento, nem seu destino especificado ao final da trama, Fruto Estranho poderia ser muita coisa, mas no fim das contas não amadureceu e atingiu seu pleno potencial como história. Um drama épico com um toque do elemento mais poderoso da cultura pop nos últimos 80 anos: O Ubermensch, conceito elaborado por Friedrich Nietzsche e remixado desde Jerry Siegel e Joe Schuster. Era para ser poderoso e relevante, mas se perdeu no meio da enxurrada.

A arte de J. G. Jones (Wanted) é bela e fotorrealista, evocando Alex Ross e imprimindo o clima de veracidade tão necessário à trama, mas sem ter muita história que a suporte, é só uma bela HQ para se folhear. Jones fez sua parte na arte da HQ, e muito bem, mas como bem sabemos, um excelente roteiro salva uma HQ com arte fraca, mas o inverso é bem mais difícil…

Lá fora Fruto Estranho levou quase dois anos para ser concluída (lembrando que foram apenas quatro edições!), o que me fez recordar de outras publicações com um histórico complicado que acabaram gerando atrasos, como por exemplo Planetary ou Os Supremos Volume 2. Com uma diferença: Essas duas que eu mencionei acima valeram a espera. O Mark Waid que aprendemos a amar por causa de Flash, O Reino do Amanhã, Imperdoável, Demolidor e outras pérolas não foi um bom colega para Jones, e não o ajudou a eliminar os gargalos nem aparar as arestas do roteiro original. Torçamos para que a (inevitável?) adaptação para a TV ou cinema seja mais bem sucedida em transmitir sua mensagem, e que tenha uma mão de Donald Glover, de preferência. Porque o que faltou aqui foi um pouco mais de melanina e colhões. Esse fruto amadureceu, mas é amargo demais para degustação…


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132 páginas. Capa Dura. R$ 59,90]

Eduardo Cruz
Eduardo Cruz é um dos Grandes Antigos da Zona Negativa, ou sejE, um dos membros fundadores, e decidiu criar o blog após uma experiência de quase-vida pela qual passou após se intoxicar com 72 tabletes de vitamina C. Depois disso, desenvolveu a capacidade de ficar até 30 segundos sem respirar debaixo d’água, mas não se gaba disso por aí.

Ele também tem uma superstição relacionada a copos de cerveja cheios e precisa esvaziá-los imediatamente, sofre de crises nervosas por causa da pilha de leitura que só vem aumentando e é um gamer extremamente fiel: Joga os mesmos games de Left For Dead e Call of Duty há quase 4 anos ininterruptos.

Eduardo Cruz vem em dois modos: Boladão de Amor® e Full Pistola®.

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