THE FILTH, de Grant Morrison, Chris Weston e Gary Erskine, ou “Os lixeiros da realidade”, ou “A HQ irmã espiritual de ‘Os Invisíveis'”

ADVERTÊNCIA: ESSE GIBI PODE SER PREJUDICIAL PARA ALGUNS LEITORES. SE VOCÊ NÃO ESTÁ HABITUADO A SITUAÇÕES E PERSONAGENS ALÉM DO LIMITE DO INSANO, E TEM MANIA DE ORGANIZAÇÃO, É RELIGIOSO FERVOROSO OU POSSUI UM SENSO MORAL MUITO RÍGIDO, EVITE THE FILTH!!! 

PODE HAVER A POSSIBILIDADE DE DANO CEREBRAL IRREVERSÍVEL. VOCÊS FORAM AVISADOS!

“Saber que somos apenas anjos presos ao chão pelo peso da imundície, livres de culpa? As bactérias em nossas barrigas são responsáveis pelos peidos que nos envergonham. Monstros pequeninos cagando aos bilhões em toda nossa pura pele criam o fedor ácido de “nosso” suor. (…) Quando as “vozes interiores” nos dizem que somos indignos ou nos instruem a “amar” ou “odiar”, sem levar em conta nossos melhores instintos… Esses pensamentos incessantes são nossos? Ou só estamos escutando a voz dos germes eternos gritando em nossas cabeças?”

Depois do fim de Os Invisíveis (Lá nos EUA, já que por aqui a publicação da HQ só foi concluída em 2016), fiquei impaquitada com aquela dose cavalar de ácido lisérgico em forma de gibi, acachapado pelo volume de informações e teorias, riqueza narrativa a e maneira como essa obra Morrisoniana altera a mente do leitor e inclusive auxilia na desconstrução e desprogramação de certos conceitos pessoais (Ou que achamos serem ‘pessoais’, até percebermos que nos foram incutidos 😉). Morrison já havia declarado em entrevistas que Os Invisíveis era um crash course para se atingir a iluminação em forma de 24 páginas mensais durante as 59 edições do título. Bom, se funcionou comigo eu não saberia dizer. Não sinto ter alcançado a iluminação, mas que Os Invisíveis me preparou para o trabalho seguinte de Grant Morrison, isso lá me preparou sim! Esse trabalho foi The Filth, uma mini série em 13 edições, com arte de Chris Weston e Gary Erskine.

Eu vim aqui pra mascar chiclete e despirocar, e meu chiclete acabou!

A TRAMA

The Filth conta a história de Greg Feely, um solteirão, viciado em pornografia, masturbador compulsivo, cuja única companhia é seu gato Tony. Um dia, Feely descobre ser uma parapersona, ou sejE, um construto psicológico, uma ‘personalidade postiça’ para ocultar sua verdadeira identidade: Ned Slade, agente de uma organização bizarríssima conhecida como A Mão, mais precisamente uma agência encarregada de manter o status quo. A Mão e seus agentes mantêm a sociedade a salvo das aberrações que surgem no mundo (ou que o mundo produz, dá no mesmo 👽), sejam elas tecnológicas, sexuais, sociais, espirituais, interdimensionais, e por aí afora. Qualquer coisa, por mais bizarra que seja, que possa colocar em risco o corpo social. Uma espécie de força policial que sanitiza nossa realidade, mantendo a civilização nos trilhos, contendo e eventualmente limpando o mundo daquilo que é denominado na HQ de Anti-pessoas: Experimentos científicos que deram errado, experimentos de biotecnologia fugitivos, terroristas pornográficos que usam espermatozóides gigantes para matar mulheres férteis (😵!?), agentes renegados da própria Mão ou invasores saídos do universo ficcional de uma revista em quadrinhos de super herói (🤯🤯🤯!?!).

Um chimpanzé inteligente e comunista? Alguns achariam que essa é uma HQ de terror!
É uma HQ do Morrison, keep calm e continua rolando…

A SUJEIRA EM QUE VIVEMOS

O título The Filth (A Imundície) faz uma referência tanto à gíria britânica para polícia quanto para pornografia. Essa ambiguidade traz um comentário sobre a (pseudo) sanitização de nossa sociedade contemporânea, que prima pela moral e bons costumes, mas logo abaixo da superfície (e no histórico de internet), a imundície aflora aos borbotões. Morrison dá a pedrada: A sociedade é doente sim, e não adianta limpar as merdas, pois essa mesma sociedade sempre vai produzir mais e mais lixo para se intoxicar. É como enxugar gelo. A Mão sempre vai ter MUITO trabalho, enquanto existir “civilização”. Ou pelo menos, enquanto essa mesma civilização permanecer obcecada por sexo, morte e violência.

Programação sexy hot…
Pornografia??? Chama o Wertham!!!
O que botaram no meu drinque…?

MORRISON ESCREVE E DEPOIS ASSINA (DAQUELE JEITÃO)

Dá pra captar elementos pop da juventude de Morrison na execução de The Filth em homenagens a seriados sessentistas psicodélicos britânicos, como Doctor Who, The Prisoner, ou filmes como The Final Programme e Zardoz, entre outros exemplares dessa safra, que continham tramas lisérgicas e uma pseudo ciência bizarra que faria Fringe parecer Bonequinha de Luxo, além de generosas doses de piração e surrealismo. O clima da HQ é bem pesado, depressivo e pessimista (Se bem que melhora no final, ao que parece). Nem parece que foi o mesmo cara que escreveu Grandes Astros Superman. Morrison sintetizou bem o clima desses primeiros anos do século XXI, retratando na HQ a paranóia, a solidão, a opressão e a sobrecarga sensorial e informacional a que somos expostos cada vez que colocamos o pé para fora de casa (ou mesmo dentro dela, quando ligamos a TV ou o celular/computador). Apesar disso, o desfecho me agradou bastante, pois carrega em si uma redenção necessária depois de obrigar o leitor a se arrastar de barriga nessa fossa séptica por 13 edições, sentindo todo o fedor do pior que a indústria cultural tem a oferecer atualmente.

Uma página que dá onda só de ver…
… assim como as combinações de cores desses uniformes.
Isso é uma arma ou você está feliz em me ver?
Perturbadoramente bizarro…

MAS FAZ PARTE DO UNIVERSO DOS INVISÍVEIS?

Apesar de alguns leitores considerarem The Filth um espécie de mini série “irmã espiritual” de Os Invisíveis, com sua profusão de conceitos surreais e matalinguísticos e as já conhecidas teorias Morrisonianas, as semelhanças param por aí, uma vez que, em Os Invisíveis o grupo de King Mob lutava contra o sistema – inclusive descobrindo amargamente que a própria revolução é parte integrante do sistema, mas isso é um papo praquele post dos Invisíveis que eu venho adiando desde a criação do site hehehehe – enquanto em The Filth, Greg Feely/Ned Slade trabalha a favor da manutenção do status quo. As semelhanças ficam só na loucura mesmo.

JUKEBOX IMUNDA

Ah, aceitam uma sugestão? Ler The Filth ouvindo os Klaxons. Acho que o som desses britânicos, com letras que remetem à vórtices temporais, mundos paralelos, dimensões alternativas, viagens no tempo e outros temas tresloucados de ficção científica hard é a única vibe musical possível, e está vibrando na mesma frequência que as pirações dessa HQ 👽👽👽👽. 

Klaxons – Twin Flames
Klaxons – Atlantis To Interzone
Klaxons – Gravity’s Rainbow
Klaxons – Flashover

Ou o The Mars Volta, mais ou menos pelos mesmos motivos.

The Mars Volta – Aberinkula
The Mars Volta – Take the Veil Cerpin Taxt
The Mars Volta – This Apparatus Must Be Unearthed

Então essa é nossa sugestão para começar a montar sua Filthlist…

Por agora só dá pra encontrar The Filth em encadernados gringos, mas depois de tanta coisa do Morrison sendo lançada pela Panini nos últimos anos, por que não cultivar uma pontinha de esperança de que isso seja finalmente publicado aqui? Um clássico da fase áurea da Vertigo que merecia ser resgatado para os leitores brasileiros…

REFLITÃO!
Eduardo Cruz
Eduardo Cruz é um dos Grandes Antigos da Zona Negativa, ou sejE, um dos membros fundadores, e decidiu criar o blog após uma experiência de quase-vida pela qual passou após se intoxicar com 72 tabletes de vitamina C. Depois disso, desenvolveu a capacidade de ficar até 30 segundos sem respirar debaixo d’água, mas não se gaba disso por aí.

Ele também tem uma superstição relacionada a copos de cerveja cheios e precisa esvaziá-los imediatamente, sofre de crises nervosas por causa da pilha de leitura que só vem aumentando e é um gamer extremamente fiel: Joga os mesmos games de Left For Dead e Call of Duty há quase 4 anos ininterruptos.

Eduardo Cruz vem em dois modos: Boladão de Amor® e Full Pistola®.

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