A gente é criada para ser assim, mas temos que mudar. Precisamos ser criadas para a liberdade. O mundo é grande demais para não sermos quem a gente é.
– Elza Soares
Hoje não vim falar de quadrinhos ou livros, mas de uma série! Com muita expectativa eu aguardei a estreia de “Bom dia, Verônica” baseada no livro de mesmo nome, de Raphael Montes, autor de alguns livros famosos e que já até foi pauta aqui na ZN e Ilana Casoy (A Prova é a Testemunha, O Quinto Mandamento). Desde o trailer o clima da série me chamou atenção. O fato de ser um produto nacional, com temática policial, abordando pautas bem relevantes e tudo ser rodado em São Paulo, uma cidade da qual gosto muito, me fizeram devorar a série logo na semana de lançamento. Mas apesar desse hype, eu esperava muito menos do que me foi entregue. Apesar das minhas ressalvas quanto a algumas escolhas do autor, principalmente para o final, é uma ótima série.
A série conta a história de Verônica Torres (Tainá Müller), uma policial escrivã, que tem como desejo se tornar investigadora, mas um trauma familiar pesado a fez estagnar na carreira e se distanciar desse objetivo. Logo no início vemos que ela ainda sofre bastante com as consequências desse evento (e ele tem uma importância crucial para o desenrolar da trama). Verônica é uma mulher forte e só as pessoas bem próximas dela percebem o impacto desse acontecimento. A série é muito bem sucedida em distanciar a protagonista daquela imagem caricata do super tira, que muitas obras acabam passando, mostrando como ele age sendo mãe, esposa e filha. Tainá manda muito bem no papel da policial protagonista. Aliás, os atores centrais da trama entregam um trabalho excelente.
Ainda sobre excelentes atuações, somos apresentados também a Brandão (Eduardo Moscovis) , um condecorado policial, extremamente respeitado entre os seus e um exemplo de cidadão, até a página dois. Não demora muito para a série revelar a maior testemunha de que tudo aquilo é fachada. Janete (Camila Morgado), a esposa de Brandão, é uma mulher que tem como único propósito servir ao marido, e o grande sonho dela se trata exatamente de uma vontade dele, que é ter um filho. Durante toda a trama podemos ver o quanto ela sofre por se achar incapaz de conceber um filho e o quanto ela aposta todas as fichas de uma vida melhor nesse “sonho”. Em dado momento da trama, Janete recebe sua irmã numa visita e fica claro como aquela mulher ali é uma sombra do que já foi um dia, anos atrás. Janete sofre demais com o casamento e a forma como Brandão a usa para seus prazeres doentios é chocante.
Quanto a trama, temos um enredo que mostra de várias formas como a mulher é colocada em posições ingratas em todos os círculos. Janete, Verônica e até mesmo Anita (Elisa Volpatto) que faz uma antagonista, são postas em situações bem ruins, que por mais empático e consciente que seja o homem, jamais entenderá por completo. Os índices de violência contra mulher no Brasil são absurdamente altos e qualquer forma de arte que traga alguma conscientização e holofote para isso, é bem vinda. Apesar de não ter curtido algumas coisas do final da série, uma das que mais curti foi o final amargo. O autor não cai nos clichês comuns e surpreende com o final maduro de um dos plots da trama. E mesmo os outros desfechos, que não me agradaram tanto, são bem executados, sendo mais uma questão de gosto da minha parte mesmo do que qualquer possível falha técnica. No fim, BDV é uma série pesada, necessária e bem competente em trazer coisas relevantes ao debate, principalmente num momento de pandemia onde os casos de violência doméstica aumentaram ainda mais.