Porra, esse vídeo iria estourar o cu da criançada! Sei lá quantos milhões de views logo nos primeiros dias, certeza disso! A lenda do local escolhido era bem pesada, iria garantir milhares de inscritos novos pro canal, que estava crescendo cada vez mais. Isso significava mais monetização rolando! Daria pra comprar uma segunda motoca, ou até, quem sabe, um carrão novo. Daria pra comer quem eu quisesse. O canal Desafiadores do Paranormal já existia há quase três anos e era um sucesso cada vez mais estrondoso, chegando a quase quinhentos vídeos em dois anos de existência. Tive a idéia depois de ver alguns canais de exploração urbana no YouTube. Vídeos de exploração urbana são um dos jeitos mais baratos de conseguir views sem quase nenhum tipo de produção: Não precisa ter cenário elaborado, nem realizar muita pesquisa sobre o assunto, nem sequer escrever roteiro! É só encontrar um lugar ermo e sinistro – e de preferência com uma história macabra por trás -, gravar, editar, publicar e correr pro abraço.
No Brasil existem vários canais, mas todos eles ofereciam uma ‘experiência de terror‘. O que significa que não era a coisa real. O que significa que eram todos fakes. Rogério Gonçalves. Exploração do Outro Mundo. Ecos Paranormais. Kid Boy Gluglu. Atiçadores do Desconhecido. Todos embusteiros. De um noiado agressivo surpreendendo no prédio abandonado a um suposto fantasma na casa vazia, tudo fazia parte da armação. Claro que quando comecei a fazer os meus vídeos, também pensei em fazer nesses mesmos moldes. Você escolhe o cenário, cria uma narrativa tensa para quem assiste, introduz a surpresa assustadora, sai correndo do local eeeeee….. CORTA! E é isso. Moleza. O público adora essas coisas. E era isso que eu iria dar pro público. Se não fosse por um detalhe: Logo de cara dei a sorte de escolher locais onde realmente aconteciam manifestações legítimas! Nada demais: Vultos passando, batidas nas paredes e no forro das casas, vozes, passos e risadas nos matagais ao redor do prédio ou casa em lugares ermos e isolados onde aparentemente só nós nos encontrávamos naquele momento, mas de vez em quando dávamos sorte e presenciávamos até mesmo pedras arremessadas de lugar nenhum quebrando as janelas quando estávamos dentro da casa. Fantasminhas inofensivos, se incomodando com a nossa presença, que eu admito, era ruidosa e desrespeitosa.
Mas estourei mesmo na internet quando consegui registrar em vídeo a aparição de uma menina em uma casa abandonada no meio do nada com uma história de violência doméstica que acabou culminando na morte da tal Menina de Branco, como a lenda era conhecida. Foi aí que comecei a ficar conhecido. E o mais legal de tudo é que eu nem precisava fingir, colocar amigos pra puxar cadeiras com fios de nylon, ou bater em paredes nem nada do tipo. Eu tinha a coisa real! Assim me destaquei facilmente dos outros canais e suas falsificações grosseiras. Sucesso!
É engraçado como uma casa abandonada parece um cadáver. Quer dizer, ‘engraçado‘ não é exatamente a palavra, mas vocês entenderam o que quis dizer. Olhar tanto um cadáver quanto uma casa abandonada causam o mesmo efeito: Você sabe exatamente o que está vendo ali, mas alguma coisa está muito errada. As janelas sem luz, as paredes descascadas e carcomidas, sem móveis ou com tudo quebrado e espalhado por dentro, buracos no teto, a água de várias chuvas acumulando e ajudando a deteriorar tudo, a vegetação com aqueles galhos sempre se espalhando, tomando conta de tudo… Sem a fagulha da vida, são apenas estruturas decaindo. Lembretes grotescos do que um dia foi pleno e funcional, tinha um propósito. Depois só resta uma carcaça com uma semelhança daquilo que já foi no passado. E entrar nessas carcaças abandonadas, sobretudo à noite, é perturbador, pra dizer o mínimo. Eu chamo de ‘casas mortas‘. Brinco com os meus parentes mais velhos, que não entendem minha profissão de Youtuber e me perguntam nas festas de família “Afinal, o que você faz no YouTube?“. “Investigo casas mortas“, respondo.
Não sou médium, não sou estudioso do paranormal, e nem os amigos que me acompanham nas explorações. Somos leigos e aventureiros, somente. Minha única experiência com o desconhecido até então eram os causos contados pelos mais velhos e os filmes de terror que eu assistia: Fantasmas em computação gráfica, jumpscares, continuações a perder de vista… Então imagina a minha surpresa quando comecei a produzir esses vídeos de exploração urbana, e desde o começo do canal sempre estabelecendo contato? Um mundo novo se abria pra mim. Ou melhor, era como se eu penetrasse a superfície dessa existência comum que a gente compartilha, sabe? Como se perfurasse, nem que por alguns segundos essa bolha da vida comum, rotineira, chata. Aprendi a gostar disso. A gostar até demais pro meu próprio bem. Acho que eu me contentaria com uma aparição do próprio Diabo na minha frente, só pra refutar essa realidadezinha enfadonha que vivemos. Acho que uma prova, mesmo que terrível, de que há algo mais do que essa vida cotidiana que nós vivemos me deixaria satisfeito. Isso é o quanto sou descuidado com as coisas que eu desejo.
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Apesar de alguns vlogs explorando os locais de dia, para fazer o reconhecimento da área, os vídeos que o público queria muito ver eram sempre gravados no meio da noite. Das três da madrugada em diante. Pegava o carro e ia com a equipe, para locais próximos ou em cidades vizinhas, sempre tarde da noite. Casas abandonadas. Casarões. Motéis. Chácaras na mata. Um hospital. Uma vez até visitamos um pequeno vilarejo de agricultores que foi totalmente abandonado, um lugarzinho maravilhoso com duas dúzias de casebres onde, não importava a casa em que entrássemos, desligando as lanternas e chamando, éramos respondidos. Foram horas muito tensas, mas acho que de tanto perambular por esses ambientes acabei ficando viciado em medo, já que não saímos correndo dali assim que as pancadas nos tetos das casas começaram e não pararam mais. Além de criar uma atmosfera que o público curtia, naturalmente (ou seria melhor dizer ‘sobrenaturalmente’?) que nesse horário as coisas que nós queríamos registrar eram mais propensas a acontecerem. No início, eu entrava nos locais das lendas com medo mais pela possibilidade de ter alguém morando ali do que pelas possíveis entidades assombrando o local. É como naquele ditado popular: “Eu tenho medo é dos vivos e não dos mortos.”. Mas esse é o problema. Mais do que aprender a acreditar, você precisa aprender a ter medo dessas coisas. E isso eu não aprendi. Logo eu estava fazendo invocações, chamando fantasmas, desafiando entidades a se manifestarem dentro de casas, fábricas ou galpões abandonados às três da manhã. Mais um pouco e estava jogando ouija nesses locais. Tudo isso pensando nos views, no crescimento do canal. Hoje eu acho que não devia ter ido tão longe.
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Quando Joelson – um vizinho que virou seguidor do canal – se uniu a nós, senti que tínhamos subido de nível! Joelson era sensitivo e gostava muito de nossos vídeos, realmente conseguia ver e sentir coisas que outros assinantes do canal não captavam quando assistiam nossas aventuras. Ele nos contatou, e por morar em nossa cidade, depois de uma breve entrevista, logo o incorporamos em minha equipe. Nosso novo integrante adicionou uma camada de tensão que antes não tínhamos vivenciado nas investigações aos locais, pois muitas vezes ele olhava para cantos escuros nas casas ou prédios e dizia coisas como “Você está aí? O que você quer?”, “Como você morreu?” ou “Por que ainda continua aqui?”.Era de arrepiar. Joelson conseguia ver a maioria das aparições e descrevia coisas perturbadoras, como velhos de olhos vazios, crianças de um branco pálido, não natural, feito estátuas de gesso, mulheres que choravam lágrimas escuras de órbitas vazias e outras coisas bastante perturbadoras. Eu achava sensacional. O público ia a loucura, a galera estourava o like, os comentários bombavam, e claro, a monetização corria solta, com os vídeos cheios de anúncios! Bons tempos!
Joelson, que dizia ver coisas assim desde menino, segurava bem a onda e estava acostumado a trocar algumas palavras com gente esfaqueada, perfurada por balas, atropeladas, com cabeças esmagadas e outras visões assustadoras. Apesar disso, nunca vimos Joelson tão aterrorizado quanto da vez em que entramos na casa da família Almeida.
Pois é, me esqueci de falar da lenda, coisa muito, muito pesada. Os Almeida eram uma família muito estranha, que não se integrava com a comunidade do entorno, e além disso, vizinhos diziam que eles cultuavam deuses horrendos com cabeça de bode, entoavam cânticos em línguas estranhas que assustavam quem passava pelas proximidades de sua propriedade, uma casa grande, apesar de simples, cercada por muitas árvores altas. Os membros dessa família pintavam símbolos estranhos em muros, postes e paredes por toda a localidade, além de outras práticas bizarras que o povo se recusava a falar em voz alta. As histórias que pudemos levantar do passado da casa, segundo vizinhos das proximidades, envolviam relatos perturbadores: Incesto, canibalismo, assassinato, sequestro de bebês e crianças não dão conta de começar a descrever o que acontecia naquele local oitenta anos atrás. Além disso, ainda consegui colher alguns relatos vagos sobre a população local, que ao associar os desaparecimentos de crianças à estranha família, acabou iniciando uma onda de violência contra os Almeida. O ápice da história foi quando um grupo formado por populares, após invadir a casa, encontrou vários artefatos feitos de pequenos ossos. Ossinhos bem pequenos mesmo. Do tamanho de dedinhos de bebês. Ou pequenos fêmures. E logo depois acharam os crânios. Bem pequenos, alguns do tamanho de laranjas, todos amontoados em um pequeno altar dentro de um barracão anexo à casa. Isso culminou no linchamento da família Almeida. O patriarca, a mulher e seus seis filhos. Ninguém foi poupado.
Dizem que pouca coisa sobrou pra ser enterrada depois que o povo julgou e executou a família maldita. Depois disso tudo seria surpreendente é se não houvesse qualquer manifestação nessa casa. Então dá pra imaginar como meus olhos brilharam só de pensar na interação e repercussão que esse vídeo iria provocar. E lá fomos Charlinho, Kleber, Joelson e eu, no começo da madrugada, com nossos kits e lanternas e armas de airsoft carregadas de sal grosso – porque eu vi num seriado de TV que isso funcionava para repelir manifestações incorpóreas – , rumo a residência dos Almeida, que diziam, era tão assombrada que nunca teve nenhum habitante depois dos donos originais e sua história horrível.
Era ali que deveríamos ter parado. Apesar de eu achar que era muito tarde pra isso de qualquer forma. Porque eu não conseguia parar. O sobrenatural era um vício, e mais do que os views e (consequentemente) o dinheiro que a publicidade do canal rendia, eu precisava de uma dose regular disso. Claro que Joelson discordaria se pudesse. Na gravação do episódio de investigação da casa dos Almeida, todos chegamos ao nosso limite: Ouvíamos passos no forro da casa e no matagal do lado de fora (Detalhe: Estávamos todos os quatro dentro da casa!), portas batendo, risadas macabras e muito próximas, como se tivesse alguém no cômodo ao lado. É claro que quando corríamos pra lá com nossas lanternas, as armas carregadas de sal grosso prontas para disparar, não havia ninguém! Mas logo acontecia novamente em outro cômodo, a entidade brincando conosco persistentemente. Também ouvíamos vozes conversando, às vezes vozes normais, mas na maioria das vezes distorcidas demais para parecerem vozes humanas.
Era diferente das outras casas.
Impossível não se arrepiar. Vultos escuros e deformados, ora com braços compridos que se arrastavam até o chão, ora com porte animalesco, também não se acanharam em aparecer para nós praticamente desde o momento em que descemos do carro na propriedade! Charlinho diz ter visto algo muito grande se arrastando no fim de um corredor, uma sombra escura e volumosa, que se mexia como uma lagarta, mas tinha o porte de um touro. Claro que quando jogávamos a luz da lanterna, não havia nada lá. Além de muitos sons indescritíveis, e que não paravam! Nenhuma outra casa onde já tínhamos filmado era assim tão tenebrosa! Um cheiro de podre fortíssimo permeava o local, e não sabíamos precisar de onde vinha. era como se toda a casa estivesse em putrefação. Mas o pior era a energia do local, o clima opressivo, como se uma presença nos causasse desconforto físico! Sentimos tonturas, enjôos, uma pressão estranha na cabeça, um sentimento de pavor inexplicável que aumentava a cada minuto dentro da casa dos Almeida… É lógico que não éramos bem-vindos ali.
Se para nós já estava assim impactante, imagine como nosso médium sofreu. Joelson começou a passar mal antes mesmo que eu parasse o carro. Ele sentiu e captou absolutamente TUDO que tinha ali. Ele nunca nos contou exatamente o que viu lá dentro, mas pálido, de olhos arregalados e vidrados, suando sem parar, deixava escapar palavras balbuciando sobre o quanto o que ele vira era “horrível“, “abominável“, “demoníaco“. Em questão de minutos ele já estava tomado de pânico, olhando para todos os lados e gritando “Léo, precisamos ir embora, aquilo quer o nosso mal! Esse lugar é perigoso, vocês não imaginam o quanto!”, apontando ora pra uma janela vazia, ora para o descampado lá fora, aparentemente vazio. Como nunca tínhamos visto Joelson assim tão descontrolado, achei melhor encerrarmos o vídeo e irmos embora. O lugar era a duas cidades de onde morávamos, e o tempo todo da jornada de volta nós quatro ficamos em silêncio, com exceção de Joelson, que de vez em quando sussurrava entre soluços: “Aquilo não é gente. Aquilo nunca foi gente!”.
Deixamos Joelson em casa e depois disso cada um seguiu seu rumo. No dia seguinte, ao ligar pra ele, quem atende é sua irmã, num misto de raiva e aflição: “O que vocês fizeram? Meu irmão não para de chorar e resmungar coisas sem sentido! O que aconteceu???”
Tento explicar a minha versão. Ela parece não acreditar. Peço a ela pra me manter informado, pois vou ajudar com o que for possível. O médico disse que Joelson se encontra em um estado semelhante a estresse pós traumático, alternando-se entre períodos de apatia e crises de choro convulsivas. Ele parecia distante da realidade, sem data marcada pra voltar. Eu tinha perdido um membro da equipe. Um amigo. Mas o que pode ter feito isso? Na minha experiência, fantasmas não causavam esse impacto todo! Com o que estávamos lidando? Uma idéia me passou pela cabeça, e me envergonhei dela. Da imprudência que ela carregava, mais uma vez expondo meu vício.
Eu precisava voltar à residência Almeida para jogar ouija e contatar o que quer que tivesse deixado Joelson naquele estado deplorável. Eu precisava gravar outro vídeo ali. Eu precisava saber o quão longe isso iria chegar. E eu precisava saber quantos views isso iria render se eu registrasse tudo e publicasse!
Dias depois, na gravação do segundo e último vídeo na casa dos Almeida conseguimos resultados ainda mais terríveis. Charlinho, Kleber e eu voltamos até a casa amaldiçoada, escolhemos um canto onde poderíamos nos acomodar sem muita madeira podre ou carcaças de animais secos em volta. Nos sentamos, tentamos ignorar – sem sucesso – o cheiro de podre do local, abrimos o tabuleiro sobre o chão, acendemos as velas e pusemos os dedos sobre a tábua guia, as câmeras presas na cabeça ou em tripés, registrando tudo.
– Tem alguma entidade presente aqui que queira conversar com a gente?
Silêncio total. Momentos depois, a tábua se movia sem dificuldade para o “SIM”.
Parece que tínhamos feito contato com o que quer que residisse na casa dos Almeida.
– Você quer conversar com a gente?
“S…I…M…”
– Você viveu nessa casa?
“P…O…U…C…O…T…E…M…P…O…”
– Há quanto tempo você vive aqui?
“O…I….T….E….N…T…A….A….N…O…S….”
– Você era da família Almeida? Um dos filhos? O pai?
“NÃO”
– Você diz que viveu pouco tempo aqui? Na época dos Almeida?
“SIM”
– Você era da família?
“F….U….I…C….O…N….V…I….D….A…D…O…”
– Qual é o seu nome?
“NÃO”
– Você não quer falar seu nome? Por que?
“………………”
Ok, não vou forçar a barra. Melhor mudar de assunto…
– O que você quer de nós?
“T….E… N…H…O….F….O….M….E” .
– Você estava aqui na época da família Almeida? Você viu o que aconteceu com eles?
“S…I….M………..A…..D….O…R…….D…E…L…E….S………..F…O….I….D….E…L…I….C….I…O…S….A…”
– Você se refere ao que a população fez com eles?
“S…I….M………….F….O….I….L….I…N…D…O……….E…U…F…I…Q…U…E…I….R…E…F…E….S…T…E…L….A…D…O…P….O….R….A…N….O…S………….M…A…S…E…S…T….O….U…C…O…M…F…O….M…E…D…E….N…O…V…O…”
– Fome? Do que você se alimenta?
“D…O….R……S….O…F…R…I….M…E….N…T….O……..A….L….M….A…S………E…U….S…E….M…P….R…E….C…O….M….E….C….O….P….E….L….O….S….P….E…S…”
– Começa pelos pés? Acho que não entendi.
“V…O….C…E….S……A…L….I…M….E…N…T…O……..A…L…M….A….S…”
– Você quer me machucar?
“E…U…Q…U….E…R…O…D….E…V….O….R….A…R……V…O…C…E…S….B…E…M…D…E…V….A…G…A…R………A…D…O…R………..E….S…A….B….O…R….O…S…A….”
Nesse momento me faltou ar e senti meu corpo gelar, aquela reação comum a momentos de perigo físico. Pela minha experiência, isso não era um espírito de alguém que um dia já foi vivo, daqueles que se irritavam quando interrompíamos seu descanso gravando os vídeos. Eu estava lidando com uma coisa que parecia voraz, algum tipo de fera, e o pior de tudo é que ela estava com fome. Só me restava fazer uma última pergunta…
– Quem é você?
“S…H…O…M…”
Antes que a soletração do nome da entidade se completasse, um pedaço da viga do telhado desabou certeiro sobre a cabeça de Kleber, que teve afundamento de crânio. Largamos tudo no local e o levamos correndo pra emergência, mas pela gravidade do ferimento e a distância entre a casa e o hospital mais próximo não havia mais nada a ser feito quando chegamos. A coisa da casa dos Almeida levava outro amigo meu. Quase amanhecendo, ainda prestando esclarecimentos ao policial de plantão no hospital, explicamos o porquê de estarmos naquela casa e mostramos o material filmado. Uma das câmeras pegou o momento em que Kleber era atingido pela viga, por isso nenhuma suspeita pairou sobre nós. Tinha sido um acidente infeliz. Estávamos liberados. Mas eu estava preocupado com outra coisa: Não finalizamos o jogo de ouija. E pelas regras, o problema de se jogar ouija e não ter a autorização da entidade para se cortar o contato é que o que quer que você tenha contatado fica atrelado a quem estava no jogo.
Agora sinto uma presença próxima a mim o tempo inteiro. Mesmo quando saio das casas das lendas onde filmo, sinto essa presença sempre comigo. Meu sono é estranho. Tenho pesadelos horríveis, onde sei que vi coisas horrendas, mas não consigo me lembrar de nada do que vi quando acordo. Ainda bem. À noite, vejo muitas das formas que tinha visto na casa dos Almeida, mas dentro de minha própria casa. Meu pai e minha madrasta, com quem eu moro, também reclamam de coisas estranhas acontecendo na casa à noite. É assustador, mas isso me deu uma boa idéia: Uma série de vídeos que vou chamar de Léo Assombrado, onde documento meu martírio com essa presença maligna em minha casa. Joelson e Kleber iriam aprovar. Gravei vídeos onde me filmava dormindo, e sombras estranhas apareciam rapidamente no quarto, como se estivessem me rondando. Sombras com braços e pernas distinguíveis, mas com proporções erradas, formas que nenhum ser humano normal poderia ter sem ter sérios problemas de locomoção. E ainda assim essas coisas tortas se moviam rapidamente pelo quarto. Objetos caíam ou se mexiam sem nada que os tocasse. Eu deixava a câmera ligada e registrava tudo. Aquelas coisas se aproximavam de mim. Me tocavam. Logo, minha pele começou a apresentar pontos com vermelhidão, que evoluíram para pústulas malcheirosas, justo onde eu havia sido tocado na noite anterior. Os pesadelos ficavam cada vez mais horríveis, e eu até me lembrava de alguns. A câmera pegava tudo, e apesar de alguns canais contestando, dizendo ser mais um fake grosseiro – invejosos -, os acessos dispararam mais ainda. Mas eu ficava cada vez mais preocupado. O que essa entidade quer? Onde isso vai parar? De qualquer forma, não dá pra parar. Isso vai gerar uma monetização fudida. E alimenta meu vício por medo 24 por 7.
Uma noite Charlinho me liga completamente aterrorizado, dizendo ter conversado no escuro do seu quarto com uma voz pavorosa, rouca e arrastada, que dizia, entre risos maldosos e rosnados de gelar o sangue que queria nos “comer bem devagar, começando pelos pés, pra vocês sentirem tudo, cada mordida.“. Dois dias depois descubro que Charlinho se suicidou, se jogando de uma ponte sobre uma rodovia. Além disso, minha caixa de mensagens começa a receber cada vez mais mensagens de gente que viu meu vídeo e relatou estar passando por eventos estranhos em suas casas, muito parecidos com o que eu tenho visto na minha.
Já chega. Eu precisava parar com isso. Precisava gravar um vídeo novo. Um vídeo de aviso para subir pro canal urgentemente. E foi o que eu fiz.
On.
REC:
“Esse vídeo é para todos os meus assinantes e qualquer outro curioso que possa ter entrado no meu canal e assistido ao vídeo da casa dos Almeida. Se você estiver passando por situações estranhas em sua casa, como aparição de vultos, vozes estranhas, pensamentos e emoções fora de controle, pesadelos e não sei mais quais manifestações sobrenaturais, me desculpe. A culpa é minha. Acho que fui usado. Eu trouxe esse mal para as suas vidas. Uma entidade me usou para entrar em suas casas. Cada vez que esse vídeo é assistido, mais e mais de vocês convidam para dentro de suas casas o que quer que tenha sido convidado pela família Almeida para adentrar nesse mundo. Uma coisa que passou oitenta anos adormecida em uma casa abandonada, se nutrindo de todas as maldades e negatividade geradas na casa há oitenta anos. Uma coisa terrível. Tão terrível que matou dois amigos meus e transformou outro em uma criança assustada que chora quase que o dia inteiro. Uma coisa que nunca foi humana. Eu queria caçar fantasmas, mas acabei encontrando um demônio faminto. E agora ele quer se alimentar de todos nós. Me perdoem. Então prestem atenção, isso não é fake, não é um vídeo pra ganhar views, ISSO É REAL! ISSO É UM AVISO! Eu posso ter sido o responsável por despertar uma coisa muito perversa e muito poderosa, e posso ter, sem querer, convidado essa entidade para a casa de cada um de vocês, que assiste ou já assistiu ao meu vídeo da casa Almeida! NÃO ACESSEM MAIS NENHUM VÍDEO DESSE CANAL! Repito: NÃO ACESSEM MAIS O DESAFIADORES DO PARANORMAL!!!“
Duas horas depois disso recebo um email do YouTube me parabenizando pelo estouro de acessos ao meu vídeo da casa dos Almeida. Um bilhão de visualizações em apenas uma hora! Eles dizem na mensagem não saberem ao certo como consegui esse feito mas me parabenizam, inclusive deixando implícita a “alta possibilidade de uma monetização adicional pelo resultado estupendo“. Além disso, cinco anunciantes grandes enchem minha caixa de email com mensagens praticamente suplicando por uma parceria. Eu ficaria eufórico se não fosse o detalhe estranho: Um bilhão de views em uma hora é estranho demais. Depois de tudo o que aconteceu não consigo deixar de pensar que a entidade tem participação nisso também. Afinal, se tudo que não vemos é energia… inclusive espíritos, fantasmas… essa… coisa pode circular pelos dispositivos que usam energia. Qualquer coisa. Minha GoPro. Meu celular. O notebook.
Puta. Merda.
A Internet.
SEUS BURROS FILHOS DA PUTA!!! Isso não era uma estratégia! Não era uma jogada de marketing pra impulsionar o canal! Não era uma daquelas propagandas de psicologia reversa onde “NÃO” significa “SIM”! NÃO ERA PRA NINGUÉM ASSISTIR ESSA PORRA! NÃO ERA PRA NINGUÉM NUNCA MAIS ENTRAR NO MEU CANAL! Não era fake, não era pós-verdade, não era uma ação promocional, não era porra nenhuma além da verdade! Às vezes, um aviso de “NÃO ABRA ESSE VÍDEO SE NÃO QUISER QUE UM DEMÔNIO ENTRE EM SUA CASA E ACABE COM A SUA VIDA E A DE QUEM VOCÊ AMA!!!” quer dizer exatamente isso! Mas ninguém acredita mais em nada do que vê na Internet…
Quando penso em deletar o vídeo original da câmera e do PC e a cópia que subi pro Youtube, achando que isso talvez fizesse alguma diferença pra consertar as coisas, vejo o rosto da coisa se projetando pra fora de meu monitor, como se fosse uma representação em 3D de algo indescritível e demoníaco – Ah, aquele cheiro de novo!!! – , saindo pela tela e entrando em meu quarto, e dentre tantas coisas que poderiam passar pela minha cabeça naquele momento, só me lembrei do que tinha desejado um dia, muito tempo atrás, quando pedi por alguma coisa que comprovasse que a vida era mais do que só esse dia a dia enfadonho que todos vivem. Mesmo que pra isso tivesse que encontrar o Demônio em pessoa.
A coisa, ainda se projetando para fora do monitor fala em uma voz grave e rouca: “AINDA QUER SABER O MEU NOME?“
Sem responder, tiro meus tênis e meias, porque sei por onde ele vai começar.
Eduardo Cruz (@eduardo_cruz_80)
Contos da Zona são histórias escritas pelos membros da Zona Negativa, com o objetivo de expandirem a produção de conteúdo para além das resenhas. Assim sendo, esperamos proporcionar boas experiências de leituras e reflexões. Deixe seu comentário 😉
Um dos contos mais sinistros que já li!
Excelente!
E as descrições das sensações vividas em situações de contatos dessa natureza estão perfeitas.
Enquanto estava lendo, sentado, no ônibus a caminho do trabalho, senti algo tocar meu calcanhar esquerdo, “talvez o pé do passageiro do banco de trás” , pensei e então me toquei que o ônibus está quase vazio – um verdadeiro milagre, aqui no Rio, a essa hora da manhã !
Não me virei pra checar se há alguém sentado no banco de trás…
Quando chegar meu ponto de desembarque, descerei sem olhar pra trás, tentando parar de tremer…!
Droga, por que fui ler esse conto apavorante? Acho que fiquei impressionado!
Kkkkk
Rindo de nervoso…!
Há muito tempo não me assustava assim!
Já estou ansioso pelos proximos contos!
Cada vez melhores!
Valeu! Pela sua coragem em não se virar pra olhar numa situação dessas, a gente poderia formar uma equipe de investigação paranormal, hein? Conheço umas casas maneiras heheheheh…..