CONTOS DA ZONA: Inimigo da Humanidade.

I. O Vilão

Isso está ligado? Podemos começar? Alô, som, som, testando…

Bem, então vamos lá. Não tem jeito melhor de começar do que com uma frase de impacto, então lá vai: Eu tenho um plano para destruir o mundo. Tá bom, isso talvez tenha soado exagerado demais. Me perdoem, isso é um hábito do meio empresarial que eu adquiri muito cedo e jamais perdi. Sabe, precisamos ganhar as pessoas, conquistá-las e ir direto ao ponto, concisos e diretos. Mas deixe-me reformular então: Eu pretendo acabar com o atual status da ordem mundial.

Eu sei, parece um daqueles esquemas megalomaníacos de vilão do James Bond, mas veja bem, quem sabe se eu detalhar meu plano vocês compreendam minha motivação. Como é de conhecimento de…. bem, do mundo inteiro, eu sou, atualmente, o homem mais rico da história da humanidade. Sim, herdei uma fortuna porque minha família já era rica há algumas gerações, mas a partir dessa fortuna multipliquei meu capital e gerei muitas outras fortunas. Mas é claro, nenhuma fortuna é limpa e todo feliz bilionário – ou no meu caso trilionário – tem sangue nas mãos. A diferença é que eu tenho consciência disso e realmente quero fazer algo a respeito para modificar o jeito como o mundo vem funcionando até aqui. “Ah, mas você também acumulou fortuna!“, vocês diriam. Sim, mas foi com um propósito elevado. Boas intenções. Meu “plano maléfico”, ou melhor dizendo, meu plano de “destruição mundial”: o Projeto Ômega.

Parece que tenho um certo… defeito de nascença que outros milionários não têm. Eu sempre soube o quanto era o suficiente pra mim. Mas desde jovem imaginava uma forma de usar minha fortuna para resolver os problemas do mundo. E desde jovem a resposta era simples: Eu teria que acabar com esse mundo. Mas isso custaria dinheiro. Muito dinheiro. Eu consegui acumular a maior fortuna já contabilizada na história da humanidade e tenho consciência de que muita gente comum sofreu por conta dessa “conquista”. Esses sacrifícios pelo meio do caminho me incomodam, reconheço. Mas eu digo pra mim que quando o projeto for executado tudo será compensado. TUDO.

Como eu disse, diferentemente de outras pessoas de minha posição social, eu tenho consciência do quanto essa acumulação exagerada de recursos é frívola e errada, e deixa a maior parte da humanidade vivendo em escassez. Vocês acham que eu gosto disso? (Alessio, me traz mais uma água mineral, por favor. Sem demora.) Até pensei em doar minha fortuna inteira e viver apenas com o bastante para não ter que me preocupar com dinheiro, mas isso não passaria de uma grande doação de esmola, que a longo prazo não resolveria os problemas da humanidade nem os problemas do planeta que estamos matando. Isso não ataca a essência do problema. As pessoas comuns acham que os muito ricos são absolutamente livres para fazer o que bem entendem, e até mesmo alguns dos muito ricos acreditam nisso. Puro engano. Nós, os abastados, somos escravos da moeda, presos às regras do Deus Mercado, e temos muitos exemplos de derrocada de quem ignora essas regras tácitas ou decide dançar outra música e termina por perder tudo. Por isso, tive que jogar o jogo como um bom riquinho por um bom tempo. Só aguentei porque tinha como foco prioritário minha causa. Meu projeto. E minha adega, cheia de Château Petrus 1994 pra me confortar nos momentos mais difíceis.

Desenvolvido o grande plano de destruição mundial, era necessário investir dinheiro para fazer mais dinheiro, queimar recursos materiais e recursos humanos, tudo para chegar à cifra necessária para operar uma mudança mundial real. Os sacrifícios de empregados em todos os níveis de minha estrutura administrativa não seriam em vão e muito menos seriam esquecidos, mas para acabar com o mundo movido à dinheiro eu precisava de muito, MUITO dinheiro.

Não sou mais um desses mimados egomaníacos, com uma necessidade de culto à minha personalidade, não possuo hobbies frívolos e não sou adepto da ostentação pueril que tantos conhecidos meus fazem porque não têm personalidade ou imaginação para fazer algo de realmente importante com suas fortunas. Eu concebi o que talvez seja a última chance de sobrevivência da humanidade neste planeta. O Projeto Ômega se sustenta em três pilares: Transmissão de ondas 8G irradiadas e transmitidas via celulares. Nanotecnologia autorreplicável. Substâncias químicas administradas em todos os reservatórios de água do planeta. Por meio dessa combinação conseguiremos operar modificações suficientes no cérebro humano com o objetivo de forçar a evolução de consciência de toda a população mundial ao mesmo tempo, acabando com as desigualdades pelo simples fato de que a humanidade não estaria mais amarrada a seus atrasos conceituais. Líderes, ideologias, religiões, etc. Tudo viria abaixo. Todos os humanos do planeta, com sua consciência amplamente expandida, teriam mais ou menos a mesma percepção das reais prioridades da vida e da realidade que os cercam. Isso destruiria as relações atuais de interdependência, principalmente econômicas, uma vez que as pessoas teriam capacidade de resolver praticamente qualquer problema em suas comunidades, forçando toda a humanidade a atingir um estado de cooperação que, com a mente devidamente esclarecida, levaria a uma utopia em pouquíssimo tempo. Seu vizinho pode descobrir a cura do câncer. Seu filho mais novo pode descobrir uma fonte de energia abundante e limpa. Sua melhor amiga pode erradicar a fome na Terra! O potencial infinito do ser humano desbloqueado para todos! O conjunto de nossas forças e qualidades trabalhando pro bem comum de toda a vida na Terra! É incrível onde se pode chegar pagando as pessoas certas, não? Ah, eu quase esqueci de mencionar. Também tem alguns motores sísmicos posicionados nas cidades mais populosas do mundo. Tive que fazer uma contenção de custos, então uma redução populacional provocada por terremotos artificiais ajuda bastante no bom andamento do Projeto Ômega. Claro que os mortos serão lamentados, mas faz parte do preço, além do custo financeiro.

O degelo do que restou das calotas polares. Colapso ambiental. A crescente onda de transtornos mentais provocada por esse modo de vida cada vez mais insano. A última grande crise do capitalismo, que provavelmente vai colapsar e transformar o que resta da nossa sociedade em um pesadelo horrível. Imagine tudo isso ser solucionado simplesmente porque todos nós teríamos, além do intelecto necessário para resolver essas e outras mazelas, a compreensão de tudo a médio e longo prazo e a motivação necessária para gerar cooperação suficiente para erradicar esses e outros males do mundo. TODOS os males do mundo. O mundo como o conhecemos inevitavelmente acabaria. Um novo mundo, perfeitamente integrado e livre de fronteiras imaginárias e preconceitos vai nascer. Chega de chafurdar na poeira reencenando o drama de Caim e Abel todos os dias! Chegou a hora de a humanidade viver seu potencial pleno e alçar às estrelas. Não somente o Bezos ou o Musk, mas TODOS NÓS. E estamos adiantados no cronograma! Em alguns dias o mundo como o conhecemos acaba!

Desculpem, só de pensar já fico emocionado. Eu Consegui!

Então, basicamente é isso. Alguma pergunta?

II. O Herói

Vocês entrevistaram o ricaço, não é? Acho que vocês foram os últimos então HAHAHAHAHAHAH!

Quem sou eu? Sou um daqueles operativos responsáveis pelos serviços considerados sujos demais, aqueles servicinhos que precisam ser executados pra que a máquina social continue funcionando. Quando aparece um ricaço com ideias esdrúxulas sobre como o mundo tem que ser conduzido, sou eu que vou lá e resolvo o… problema. Geralmente com uns tiros na nuca, saca? (GARÇONETE! Um Martini aqui, e sem demora!)

Que cara maluco, não? O primeiro ricaço que chega à marca individual do TRILHÃO, e o que ele quer fazer, transformar todo mundo no Einstein Hawking Ghandi??? Fala sério, é claro que uma coisa dessa não ia dar certo! Muita gente com autonomia, muita gente com liberdade de pensamento, muita gente sabendo demais pra resolver os problemas que existem por aí??? Problemas que estão lá exatamente pra manter todos nas rédeas? Meus patrões detestaram a ideia, lógico. Parece mais um daqueles socialistas malucos. Foi por isso que me destacaram pra missão. E o trilionário bom samaritano terminou com três tiros na nuca e desovado atrás de um clube de sexo chinfrim em uma parte suja de uma republiqueta qualquer, com uma história envolvendo menores de idade e drogas, tudo plantado pra acabar de vez com a imagem do cara. Um recado dos meus chefes pra qualquer outro engraçadinho que se meta a gastar sua fortuna pra “salvar o mundo”. Mais um serviço impecável executado por esse que vos fala! (Garçonete! Mais um Martini! RÁPIDO!)

Retro man in coat and hat holding a gun, black and white. Noir style.

E olha, aqui entre nós, em off <HIC BUUUURP> – desculpa, bebi demais – …. Até acho uma ideia legal, apesar dessa ingenuidade juvenil de igualdade e paz no mundo, sabe? Mas é impraticável. Você acha que meus chefes toleram esse tipo de patacoada? Afinal, quem abriria mão do controle do status quo do mundo inteiro por uma ideologia de hippie, “vamos-todos-juntos-dar-as-mãos-e-rezar-pra-mãe-terra”? (Garçonete, mais um Martini, duplo dessa vez, e PRA JÁ!). NUNCA vai acontecer!

Além do que, pra mim, paz no mundo se soletra D E S E M P R E G O.

Agora, se vocês me permitem, tenho mais um serviço pra fazer. Mais uma ponta solta, sabe como é… Uma equipe de documentaristas que sabem demais sobre um tal de Projeto Ômega que precisam ser silenciados. Senhores, esse brinde é pra vocês.

Eduardo Cruz (@eduardo_cruz_80)

Os Contos da Zona são histórias escritas pelos membros da Zona Negativa, com o objetivo de expandir a produção de conteúdo para além das resenhas. Assim sendo, esperamos proporcionar boas experiências de leituras e reflexões. Deixe seu comentário!

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Eduardo Cruz
Eduardo Cruz é um dos Grandes Antigos da Zona Negativa, ou sejE, um dos membros fundadores, e decidiu criar o blog após uma experiência de quase-vida pela qual passou após se intoxicar com 72 tabletes de vitamina C. Depois disso, desenvolveu a capacidade de ficar até 30 segundos sem respirar debaixo d’água, mas não se gaba disso por aí.

Ele também tem uma superstição relacionada a copos de cerveja cheios e precisa esvaziá-los imediatamente, sofre de crises nervosas por causa da pilha de leitura que só vem aumentando e é um gamer extremamente fiel: Joga os mesmos games de Left For Dead e Call of Duty há quase 4 anos ininterruptos.

Eduardo Cruz vem em dois modos: Boladão de Amor® e Full Pistola®.

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