CYBERPUNK: REGISTROS RECUPERADOS DE FUTUROS PROIBIDOS, por vários autores.

Cyberpunk made in Brazil na coletânea de contos da Editora Draco traz uma injeção de ânimo para o gênero e é tudo nosso!!!

///:< High Tech, Low Life > ////:\\\<translate. ocp.exe = Alta Tecnologia, Baixa Qualidade de Vida>:\\\\

Quem cria uma ferramenta, instrumento musical, qualquer técnica ou seja lá o que for não necessariamente será o mais exímio em utilizá-lo(a). O Cyberpunk não foi concebido em nosso país, mas sua filosofia parece ser feita sob medida para o Brasil e outros países em desenvolvimento. À medida que a própria realidade tem se transformado em uma espécie de distopia maléfica – e com ainda mais brutalidade nos países periféricos – ainda é esse o lema que melhor define não só esse subgênero, como também os tempos atuais: ALTA TECNOLOGIA, BAIXA QUALIDADE DE VIDA.

A gente já tinha aprofundado um pouco mais sobre o que é o subgênero aqui na Zona quando resenhamos a obra máxima do Cyberpunk, o emblemático Neuromancer, de William Gibson, esmiuçando as principais características desse gênero literário, que simplesmente se alastrou por todas as outras mídias, das HQs à moda e a música: Para além da óbvia dicotomia entre avanço tecnológico e desigualdade social, há as interações entre homem e inteligência artificial, costumes e subculturas exóticas, um governo omisso que permite que o poder fique nas mãos de grandes corporações ou de organizações criminosas, pequenos bolsões de resistência sempre agindo nas sombras contra essas forças opressoras, tudo pontuado por uma aura de pessimismo… enfim, existe toda uma cartilha a se prezar quando se trata de caracterizar uma história no subgênero Cyberpunk e inclusive podemos observar várias dessas características expressas em nosso dia a dia aqui, então acho que dá pra falar com tranquilidade que o Brasil, nessa época de convulsão social, se encontra nos primeiros ensaios para se tornar um grande épico Cyberpunk. Se isso não é a vida imitando a arte, o que será então? 😉

Periferia Cyberpunk, antologia Cyber anterior da Draco, em quadrinhos.
Keanu Reeves mais uma vez associado ao Cyberpunk, dessa vez no game Cyberpunk 2077

Ultimamente, o gênero tem se tornado cada vez mais popular, em grande parte por causa do impressionante game Cyberpunk 2077. A notícia de que a franquia Matrix vai ganhar continuações esquentou ainda mais as coisas, e agora, a editora Draco, que vem se especializando em antologias temáticas, com coletâneas como O Chamado de Cthulhu Em Quadrinhos, Demônios da Goetia Em Quadrinhos, O Rei de Amarelo em Quadrinhos, Periferia Cyberpunk, entre outros, agora aborda a temática Cyberpunk nessa antologia em prosa, que contém 12 contos de diversos autores. São eles:

De Lentes Invocadas e Tapiocas de Queijo (por Santiago Santos) – A antologia abre bem com esse conto, e muito bem! Em uma Cuiabá futurista acompanhamos Fabíola, uma fotógrafa contratada para cobrir um evento agropecuarista que acaba sendo palco de um estranho ato cyberterrorista performático! Aqui o leitor já tem aquela sensação de que essa distopia é muito nossa, tão grande é o entrosamento orgânico entre os elementos da narrativa e nosso contexto histórico e social. Abusos dos grandes empresários do agro, genocídio dos povos indígenas, resistências nas camadas mais baixas da população, drones, nanorrobôs, vírus… Vemos aqui alguém que sabe o que está fazendo! Conto muito bem construído, com um clímax sensacional.

A Lua é Uma Flor Sem Pétalas Redux (por Cirilo S. Lemos) – Ótimo conto ambientado em uma favela, ou melhor, em uma comunidade autônoma, mostrando o dia a dia envolvendo facções criminosas rivais, uma empresa multinacional belicosa. Muita violência, bailes funk, armas de última geração, drones assassinos e soldados do tráfico usando próteses mecânicas. O puro suco do gênero, que só comprova o que eu disse lá em cima, sobre o Cyberpunk ser sob medida para a extrapolação dos tempos atuais nas comunidades periféricas. Mais um conto excelente que mantém o nível dessa antologia lá em cima!

Caos Tranquilo (por Ricardo Santos) – Ambientado na Bahia, o conto é uma vibrante sequência de ação envolvendo um escritor subversivo, uma corporação controladora e uma funcionária que decide mudar de lado, se aliando a uma organização de resistência clandestina. Um Thriller de ação cyberpunk brazuca, por assim dizer.

Boca Maldita (por Claudia Dugim) – Entre pastoras de ovelhas prescientes, pinguins policiais, andróides e religiões estranhas, uma bartender corre atrás de sua paixão, um(a) prostituto(a) de gênero fluido. Tudo isso dentro de uma colônia na antártica recoberta por tecido vivo, repleta de vários povos e culturas incompatíveis, fundada por uma rainha alienígena invasora. Entendeu? Bom, só o que precisa ser entendido aqui é que a autora entrega a história mais ousada da antologia! O futuro mais estranho possível, acho que podemos concordar…

A Gota D’água (por Daniel Grimoni) – Um excelente conto de um pai que vende guarda chuvas em um mundo onde chuvas têm sido cada vez mais escassas. Seu filho tem problemas de visão e deseja uma prótese ocular para não sofrer mais bullying, enquanto a mãe da criança carrega um grande segredo. Um segredo altamente subversivo. De quebra, temas como desastre ecológico e criminalização da pobreza, abordados de forma inteligente e certeira na trama.

Folhas no Terraço (por Michel Peres) – Conto cyberpunk com uma boa dose de noir, envolvendo um detetive particular contratado por uma milionária para uma caçada humana em busca de um hacker de…. DNA!? Conto envolvente, que ousa brincar com mais de um gênero e se sai muito bem. Mais uma construção de mundo gostosa de ler aqui, dessa vez ambientada em uma Recife futurista.

Cyberfunk (por Carlos Contente e Rodrigo Silva do Ó) – O melhor conto da coletânea, Cyberpunk tupiniquim da melhor qualidade! Em um Rio de Janeiro futurista onde periféricos prestam concurso para black blocks e a expansão chinesa se faz mais presente do que nunca, a desigualdade obriga um morador de favela a empreender um esquema arriscadíssimo para que seu filho continue matriculado na escola pública (Sim, no futuro a escola pública vai ser paga. Mais ou menos como a gente paga plano de saúde hoje em dia mesmo tendo SUS. Os absurdos cada vez mais naturalizados no Brasil). A ambientação e a extrapolação futurista aqui são certeiras, só quem vive ou já viveu no RJ pra acertar a mão desse jeito!

Próximo Nível (por Marcelo A. Galvão) – Alice, uma exímia programadora, é contratada por um amigo de seu passado para consertar estranhos bugs em um game prestes a ser lançado por sua empresa. Mergulhando no ambiente do jogo, ela descobre estranhas evidências de que não se trata de uma mera falha no código do jogo. Um conto Cyberpunk envolvente com elementos de mistério, investigação criminal, fantasmas na máquina, dark fantasy e horror Lovecraftiano! Em outras palavras, League of Legends encontra O Chamado de Cthulhu dentro da Matrix de Neuromancer!

Sonho de Menino (por Marcel Breton) – Em uma Belo Horizonte futurista, uma hacker rouba a informação errada e é perseguida por um caçador de recompensas bastante perigoso.

Recall (por Karen Alvares) – Flávia sempre quis ter um filho. Após ser abandonada por seu ex, o subversivo Diego, ela compra um bebematic, uma criança artificial, e realiza o seu sonho. Mas durante o processo de incubação da criança artificial algo dá errado, e Lavínia, a ‘criança’, apresenta alguns problemas. Uma mescla entre Pinóquio e Blade Runner com uma boa dose de suspense.

Sonhos Wifi (por Fábio Fernandes) – Um conto sobre jogadores que ficam presos dentro do jogo e precisam se unir para descobrir uma saída desse labirinto digital.

Amor em Antares (por Alexey Dodsworth) – Sentiram falta de alguma coisa até aqui? Pois não falta mais nada! Essa fantástica antologia se encerra com uma história de amor! Na São Paulo de 2040, uma jovem reclusa e marcada por um trauma tem um romance virtual que passa por alguns percalços. Mas nada que um implante para aumento de QI não resolva. Ou será que não é bem assim?

Ate de Josan Gonzalez

Um divertido – e perturbador – exercício em futurologia, possivelmente por vivermos num país cada vez High Tech, Low Life, Cyberpunk — Registros Recuperados de Futuros Proibidos constata que o brasileiro finalmente encontrou ressonância na literatura Cyberpunk? Pode parecer estranho, mas se for pensar que nossa realidade cotidiana é surreal e absurda a maior parte do tempo, talvez o Cyberpunk seja até comedido frente ao nosso dia a dia brutal…

Ate de Josan Gonzalez
Eduardo Cruz
Eduardo Cruz é um dos Grandes Antigos da Zona Negativa, ou sejE, um dos membros fundadores, e decidiu criar o blog após uma experiência de quase-vida pela qual passou após se intoxicar com 72 tabletes de vitamina C. Depois disso, desenvolveu a capacidade de ficar até 30 segundos sem respirar debaixo d’água, mas não se gaba disso por aí.

Ele também tem uma superstição relacionada a copos de cerveja cheios e precisa esvaziá-los imediatamente, sofre de crises nervosas por causa da pilha de leitura que só vem aumentando e é um gamer extremamente fiel: Joga os mesmos games de Left For Dead e Call of Duty há quase 4 anos ininterruptos.

Eduardo Cruz vem em dois modos: Boladão de Amor® e Full Pistola®.

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