Era uma vez cinco loucos que envenenaram o século XXI….
É, macacada…. Deus tá vendo vocês nesse hype aí com a terceira temporada de Black Mirror, hein? A internet ficou um pouquinho mais pentelha uns meses atrás por causa de uma série inglesa que explodiu cabeças por aí, e atingiu até pessoas que não costumam consumir esses produtos audiovisuais com temática fortemente sci-fi. De nerds a “civis”, de bazingueiros até os vítimas de todas as modas, Black Mirror virou um fenômeno de audiência, e grande parte disso se deve muito ao alcance do Netflix. A série, que aborda questões como ética, relacionamentos interpessoais afetados pela tecnologia, inteligências artificiais, desumanização, entre outros temas muito em voga no momento atual, está alcançando pessoas que eu não imaginaria ver discutindo esses temas, por exemplo, na fila do banco. E isso é muito bom. Qualquer coisa que gere reflexões fora do convencional e suscite conversas para além da santíssima trindade “futebol + novela de ontem + o clima” que rege a cartilha de papo furado no Brasil; isso precisa urgentemente de um upgrade mesmo. Ponto para Black Mirror por essa. Mas e aí? Acabou por aí pra quem curtiu a série e as questões que ela aborda ou tem mais disso escondido por aí, pra quem curtiu enveredar por essa senda de ficção científica hard? E se eu dissesse que existe uma HQ sendo publicada atualmente com essa temática, que esse título pertence à editora Image (Nova Vertigo para os íntimos ;>)) e ainda por cima com roteiro de Warren Ellis? Guardem bem esse nome: Injection.
Da
mesma equipe do fantásticomagníficosensacional Cavaleiro da Lua, da
Marvel – O trio Warren Ellis, Declan Shalvey e Jordie Bellaire – Injection
conta a história de cinco especialistas, todos geniais, cada um deles um
excêntrico, cada um deles um mestre em sua área de atuação. O grupo, criado
para conceber (e realizar) o futuro da cultura humana, é bancado por uma
espécie de empreendimento conjunto entre o governo britânico e uma nebulosa
multinacional conhecida como FPI Cursus. É formada então a Unidade
de Contaminação Cultural Cruzada, uma espécie de think tank onde seus
membros têm carta branca para desenvolver novos conceitos e patentes.
A unidade, composto pela cientista Maria Killbride, o especialista em estratégia e geopolítica Simeon Winters, a hacker e tecnologista Brigid Roth, o investigador e consultor em segurança Vivek Headland e o folclorista e… mago (???) Robin Morel, coordenada por Killbride, decide, nas palavras dela, “Fazer o futuro chegar mais rápido”. Para isso, cada um contribuiu com os conhecimentos de suas respectivas áreas e acabaram criando algo estranho. Entretanto, nessa tentativa de tornar o século XXI melhor, mais estranho e mais propício a grandes avanços, algo dá muito errado e após um tempo separado, o grupo é obrigado a se reunir para dar cabo da loucura que eles próprios criaram e puseram à solta no mundo, antes que as conseqüências terríveis afetem a humanidade.
Mas
o que vem a ser a tal “Injeção” da
HQ? Já ouvi algumas pessoas falando que apesar de terem lido a HQ, não
entenderam ao certo o que vem a ser o trabalho que a equipe de Killbride desenvolveu
e que deu terrivelmente errado. Pois bem: a tal Injection é uma inteligência
artificial, projetada utilizando tecnologia e magia xamanística, e jogada na
Internet. “Injetada” no mundão, por assim dizer, para se desenvolver, acumular
conhecimento e atender às expectativas da equipe de Killbride. A entidade
provoca o grupo que a criou, gerando caos e desordem inspirados por mitologia e
superstição. Ellis mantém uma newsletter, a Orbital Operations, onde
ele deixa mensagens aos assinantes que variam do espirituoso ao estranho –
vamos combinar, Ellis é um cara estranho. Não acredita em mim? Assista a esse documentário! – e em uma dessas mensagens Ellis explicou que Injection se trata
de uma grande história sobre folclore bretão, magia, tecnologia e futurismo que,
além disso, ainda evoca arquétipos literários e da cultura pop britânica, como James
Bond, Doctor Who, Bernard Quatermass e Sherlock
Holmes. Está tudo lá, de um jeito ou de outro. Pode conferir!
E o que esperar de Injection? Bem, lá fora a série está em sua décima quinta edição, e passando por um pequeno hiato desde setembro de 2016. Ellis tem desenvolvido os personagens com a loucura e competência de sempre, mas mantendo alguns mistérios, como pro exemplo quem está por trás e quais as reais intenções do consórcio FPI Cursus, e o que a entidade Injeção vai fazer a seguir, e mais qualquer outra pedra que ele jogue no caminho, pra dificultar ainda mais a vida dos protagonistas rs. Ou sejE, ainda tem muito background a ser explorado, e Ellis é competente a ponto de não sinalizar, nem voluntária, nem involuntariamente qualquer direção que o leitor possa prever para a trama. A série é vaga e críptica desde seu início. Ellis já começa sem se preocupar em ser didático com o leitor, deixando muita coisa aberta a especulações e interpretações, ou por muitas vezes joga uma série de flashbacks impactantes de um único quadrinho, para logo em seguida voltar à linha narrativa principal. Não muito diferente de qualquer boa série de TV da atualidade, que começa uma cena sem maiores explicações ou recordatórios, e pode demorar um tempo até você se dar conta de que está vendo um flashback. A dupla Declan Shalvey / Jordie Bellaire esbanja competência, e muitas vezes identificamos a época em que certa cena se passa apenas pelo olhar ou pela expressão facial dos personagens, mostrando versatilidade também na construção de cenários, composição das páginas, tudo de uma forma um pouco mais limpa e polida do que a dupla exercitou em Cavaleiro da Lua, por exemplo.
O
sentimento de acompanhar uma trama tão rica de potencial, imprevisível e
empolgante, com diálogos tão inteligentes, pra mim, é igual à época em que eu
acompanhava Planetary, outra série
incrível do autor. Só espero que não demore a concluir tanto quanto Planetary,
que levou uma década para entregar 27 edições, atraso gerado por problemas de
saúde de Ellis e a montanha de compromissos profissionais do desenhista John Cassaday.
Talvez
esse tipo de HQ não excite muito a imaginação da turminha que se contenta com o
mais do mesmo das HQs mensais, mas pros que sempre estão atrás de uma história
inteligente, com bons diálogos, personagens ao mesmo tempo estranhos e
carismáticos (como Vivek Headland, que é o foco do segundo encadernado de
Injection, em um arco onde vemos os atípicos métodos do investigador para
adquirir todo e qualquer conhecimento possível, tornando-o uma espécie de
Sherlock Holmes do século XXI), vale o sacrifício para ficar de olho nas baixas
do dólar e pegar os dois encadernados importados que já saíram até agora ou
comprar as edições digitais no Comixology. Ou, se você anda com o inglês
enferrujado, fique de olho quando isso sair por aqui. Injection é uma das
melhores séries em circulação na atualidade, e ouso especular que é só questão
de tempo até alguma editora começar a publicar isso por aqui. Por isso, guardem
bem esse nome: Injection…