Ler qualquer livro do Haruki Murakami pra mim – que é meu autor preferido – é sempre ser conduzido para um lugar quente e confortável com uma música tocando no fundo (de preferência jazz), onde nós podemos encontrar qualquer coisa, de homens vestidos de carneiro até o primeiro amor das nossas vidas que, por algum motivo qualquer, deixamos de falar pelo tempo. Sul da Fronteira, Oeste do Sol foi o último livro do Murakami que saiu aqui no Brasil, apesar de o mesmo ser dos anos 90 e não ser um lançamento. Por estar traduzido pela primeira vez em português eu me senti como sempre me sinto ao me deparar com um livro inédito nas minhas mãos, e ao abrir as páginas fui conduzido para uma valsa, uma melodia de jazz, ora compartilhada entre dois indivíduos, ora solitária, lembrando os tempos passados, tempos esses irrecuperáveis, tempos esses que acabam ficando registrados nas nossas memórias não raro de forma diferente de como aconteceram, permanecendo lá e fazendo parte de quem somos.
Convido você a deixar um jazz rolar e ler essa resenha de mais um Murakami, de mais uma jornada entre as vidas de pessoas ordinárias, pessoas como nós, com sonhos, tristezas, com sensações de vazio e também de prazer e de felicidade, então vamo falar sobre o livro!
O caminho da melancolia
Hajime (ou caminho em japonês) é um homem que tem pouco mais 40 anos e recorda, dentro da obra, – e sempre se colocando em primeira pessoa sobre sua vida desde aquele momento – de uma vida que segundo ele vem passado por uma inércia terrível devido a vários acontecimentos de sua juventude. Sendo filho único de uma família tradicional no auge da bolha econômica japonesa, Hajime se vê como um estranho num mundo de classe média onde a maioria das famílias tem vários filhos, mas nunca um único. Ainda no ensino fundamental ele conhece uma garota que manca de uma perna devido a uma doença de paralisia infantil chamada Shimamoto, uma garota que é calma e serena mas ao mesmo tempo cativa as pessoas de seu colégio e seus colegas, uma garota com a qual Hajime aprende a gostar de música ao ouvir junto com ela discos antigos sentados na sala; uma garota com a qual ele compartilha seu gosto por livros e que ao mesmo tempo além das afinidades nos gostos, ele descobre que ela também é filha única. Conforme vemos Hajime crescer observamos ele começar a ver sua amiga de uma forma diferente, tendo um desejo de beijar e até tendo seu primeiro despertar sexual, desejando Shimamoto como um todo, sendo assim seu primeiro amor.
O presente e a insatisfação
Como acontece na maioria das vezes em nossas vidas, chega um período da vida do Hajime em que Shimamoto vira uma estranha, principalmente no ensino médio. Eles vão pra escolas em diferentes regiões, encontram novas pessoas e acabam perdendo o contato e nunca mais se falando. Hajime consegue ainda no ensino médio namorar pela primeira vez e descobrir o amor, passa por vários acontecimentos envolvendo relacionamentos posteriores – e eu estragaria a surpresa da trama se revelasse mais detalhes aqui – , faz faculdade, porém decide seguir uma carreira como dono de bares de jazz, mantendo ali o resquício daqueles dias em que ele ouvia música sentado ao lado da bela Shimamoto, e ao mesmo tempo que o vemos amadurecer como personagem, vemos que ele nunca se satisfez na vida, que sempre procurou a Shimamoto em qualquer período, sempre sonhando em voltar pra aqueles dias em que os dois conversavam horas a fio sem notar nada e apenas eles mesmos. Hajime é feliz, tem uma família, tem filhas maravilhosas mas ao mesmo tempo não se sente completo, sente como se estivesse interpretando um papel dentro de uma peça da qual ele não tem o controle, e frequentemente se recorda dos arrependimentos do passado que o marcaram e também das possibilidades perdidas, porém tudo isso muda quando um belo dia em seu bar ele recebe uma cliente que manca de uma perna. Sim, a própria Shimamoto aparece para ele durante uma noite…
Hajime é um personagem totalmente recorrente dentro da humanidade, é um homem de nossa época, trazendo a recorrente perícia de Murakami em construir diversas facetas de indivíduos, sejam mulheres comuns ou homens que só buscam se realizar ou serem felizes de alguma forma, que lidam com a solidão humana e com as questões da existência, que amam gatos e músicas boas, porém ao mesmo tempo nos mostra como ficamos quando nos pegamos presos demais ao passado, quando não conseguimos seguir em frente porque simplesmente algo nos prendeu no caminho, quando não conseguimos às vezes enxergar as belezas que nos cercam e o valor do momento presente por estarmos sempre presos a algum momento passado. As maiores questões do livro são: Vale a pena ficar preso no passado? Você consegue valorizar as coisas e amar sua vida no seu tempo presente? Você consegue amar a sua rotina mesmo que seja algo ordinário?
O resto não poderei revelar a vocês pois é um livro curto, mas que com certeza te deixará fascinado com a sensibilidade do autor, pela verossimilhança dos personagens e claro, como sempre, a playlist que o Murakami cita: As músicas que são descritas durante o livro como sempre te farão pesquisar todas elas e se fascinar ao ouvir, ouvindo Star Crossed lovers horas a fio pensando em Hajime e Shimamoto…
Edição:
- Editora : Alfaguara; 1ª edição (15 abril 2021)
- Preço : 41,18 (ta na promoção amazon, aproveitem!)
- Capa comum : 176 páginas