MOONSHINE #1 – SANGUE E WHISKY, um conto sobre mafiosos, bebedeiras e lobisomens

Moonshine é a uma obra autoral publicada originalmente pela Image Comics escrita por Brian Azzarello e desenhada por Eduardo Risso, a mesma dupla do lendário 100 Balas da falecida Vertigo. A Editora Mythos lançou em março deste ano um encadernado capa dura reunindo o primeiro volume em 148 páginas, em troca de apenas R$ 74,90 taokeys.

A história, que em um primeiro momento pode parecer um 100 Balas com mafiosos, envolve também lobisomens, como o título sugere, e faz ligação com outros temas relacionados ao miticismo, algo que o Azzarello já havia realizado em Hellblazer, mas nunca em uma obra autoral.

Estamos em 1929, a primeira guerra mundial terminou e agora há espaço para os EUA resolverem seus problemas internos. Às vésperas da grande depressão, o governo federal engrossa seu poder através de diversas medidas, dentre elas, a proibição da comercialização de bebidas alcoólicas em todo o território nacional. Torna-se, assim, impossível adquirir bebidas alcoólicas legalmente em qualquer estabelecimento.

Legalmente, pelo menos. Afinal, esta era também é conhecida pelo surgimento das máfias, que viu na produção e distribuição de bebidas ilegais, chamados naquela época de Moonshines (aí outra referência oculta no título), a sua oportunidade de crescimento. Com uma interminável demanda e muita negligência das autoridades locais, nomes como Al Calpone e Don Corleone surgiram, verdadeiros impérios foram criados, e muitos filmes de mafiosos foram gravados anos depois.

E Joe, como todos os outros chefões do crime daquela época, desejava se tornar o maior distribuidor de bebida ilegal da região. Após ter acesso ao melhor ‘shine que havia provado, viu nisso a chance de concretizar esse desejo e seu olho cresceu ainda mais. Logo, não demorou muito para enviar seu capanga Lou Pirlo, nosso personagem principal, até em Virgínia, no meio do nada, negociar diretamente com os produtores. Algo que obviamente não é tão simples como ele quer que seja. Afinal, Virginia ficava no sul selvagem, e era lar não só de caipiras e pretos, mas de traficantes armados, guitarristas xamânicos de blues que conduziam verdadeiros rituais com seus cânticos espirituais e de histórias sobre encruzilhadas que permitiam você barganhar a própria alma com o coisa ruim… Como inspira a letra de Robert Johnson, o mal rondava por ali e não jogava pelas regras da cidade.

“Me and the devil,
was walking side by side”

Mas não, não chegamos a ver o tinhoso por aqui, talvez somente uma das suas crias…

Com uma fera esquartejadora de agentes federais a solta, caipiras armados até os dentes e largas quantidades de ‘shine da boa por aí, não é difícil de imaginar porque as tudo pode não sair como planejado. E na medida que as coisas se complicam, sonhos proféticos aparecem toda vez que o gangster, que é um pouco chegado demais na bebida, caga o pé e apaga. Esses sonhos proféticos, desenhados em um estilo diferente das outras parte da história, são geralmente conduzidos por sua falecida irmã por motivos de sabe-se lá porque. E, infelizmente, isso acaba quebrando o ritmo da história. Algumas situações apresentadas não são bem amarradas, personagens ficam desconexos e muita coisa implora para ser melhor explorada. O desenrolar das negociações, o confronto entre as gangues, as cenas de violência lindamente desenhadas pelo Eduardo Risso até empolgam em alguns momentos, mas acabam sendo interrompidas pelas partes lúdicas que não se conectam muito bem.

Para aqueles que esperam um novo 100 Balas com mafiosos e lobisomens, talvez seja melhor ajustarem as expectativas. Para aqueles que esperam uma boa história de horror por artistas competentes, também. Eles estão longe de serem ruins, e a história até consegue entregar sua dose de horror, mas trabalhar com diversos temas alternando entre o “real” e o “místico” é uma tarefa um tanto difícil até para as lendas. E em um primeiro momento, as coisas até começam a engrenar focando mais nos temas corriqueiros de gangues, contando com bons diálogos e personagens interessantes, que é algo comum vindo da dupla, mas não funciona tão bem quando mescla com o sobrenatural. Porém, vale ressaltar que a arte do Eduardo Risso continua consistente até o fim, entregando boa parte da proposta por si só, e leva a marca registrada do artista, com suas sombras e cores, personagens expressivos e páginas inteiras que dão um ar de fodacidade pras cenas. Outro ponto interessante é que aqui os personagens são representados de forma bem estereotipadas, alguns beirando o caricato, com gangster que parecem ter saído diretamente do clássico Corrida Maluca, da Hanna Barbera.

No fim, mesmo com as suas qualidades, fica difícil considerar um saldo positivo tendo em vista o valor cobrado pela Mythos. Vale muito se você se amarra lobisomens ou quer mais Brian Azzarelo e Eduardo Risso a qualquer custo. Confesso que estava bastante empolgado para ler esse material, e talvez minha expectativa tenha afetado a leitura também. No final, quem decide se vale a pena é você. O problema é que, levando em conta a realidade do país, é bem difícil gastar R$74,90 em um tiro no escuro e depois mais em um segundo volume pra ver se ele acerta algum lugar.

Devemos relembrar as grandes editoras de que os quadrinhos em sua origem eram uma mídia marginalizada, impressa em papel barato, com alta periodicidade, e totalmente voltado às massas. O fenômeno das edições colecionáveis é relativamente novo e tem tomado força no Brasil. O consumidor tem ganhado bastante com isso, pois agora temos edições antigas colecionadas e impressas periodicamente em material de boa qualidade, os quadrinhos mensais tem sido encadernados cada vez mais rápido, e material de editoras como Image finalmente tem sido publicado quase da mesma forma por aqui.

Acontece que, aparentemente, o fato de que quadrinhos ainda são uma mídia para as massas passou despercebido em alguma reunião de sócios e/ou acionistas por aí.

Revistas em quadrinhos ainda saem em edições avulsas lá fora. E é a venda dessas edições que mede a febre inicial de todo lançamento. Me pergunto do que seriam muitas boas histórias que conhecemos se tudo fosse publicado em capa dura a esse preço. Esta é uma história de origem como qualquer outra e ainda tem chance de se tornar uma série de ótima qualidade lá na frente. Mas muitos não saberão, pois o preço é proibitivo.

Por que é tão difícil lançarem edições mais baratas para mais pessoas terem acesso? Por que não devolvam os quadrinhos às massas?

Editora Mythos.
Compila as edições #1 a 6 da série Moonshine, publicada originalmente pela Image Comics.
148 páginas.
Capa dura.
R$74,99

Anderson Mendes
Sou apenas mais um Invisível.

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