Quando eu era moleque e tive meu primeiro contato com Dr Estranho, achei ele um personagem ímpar. Um mago poderoso, ao qual todos recorrem quando as coisas estão por um fio. O cara tem o título de MAGO SUPREMO. Esse primeiro impacto que tive foi tão positivo que passei a ter um carinho especial pelo personagem. Infelizmente, não é de hoje que falham na abordagem dele. Não é de se estranhar, pelo fato de ser um personagem complexo, que lida com as coisas de uma maneira diferente dos diversos heróis que o cercam. Devido a tanto descaso com o personagem, fiquei bem feliz com a chegada da adaptação dele para o cinema. Com um filme consistente de origem e uma participação incrível em Vingadores – Guerra Infinita (2018), achei que tudo estaria resolvido dali em diante. Isso me fez, ao esbarrar com o exemplar na banca, não pensar duas vezes e adquirir Dr Estranho 1. E bem, foi no mínimo decepcionante. Após essa introdução enorme para descarregar parte da minha frustração, vou explicar porque me sinto assim.
Com roteiro de Donny Cates (Thanos, Venom) e arte de Gabriel Walta (Visão), a história começa com uma rápida explicação sobre a origem do Doutor Estranho. Logo em seguida a jovem Zelma, a atual aprendiz do Mago no lugar de Wong, explica mais ou menos o que está acontecendo no cenário atual da vida de Stephen. Ela conta a um personagem que o atual Mago Supremo é Loki. Daí em diante vemos Loki, com toda sua arrongância e orgulho, se gabando pelo novo status de maior mago da Terra. Porém no decorrer dos últimos anos, o personagem vem sendo cada vez mais afastado da imagem de grande vilão e ganhando uma condição de anti-herói. Atualmente esse tipo de abordagem tem feito sucesso, como no caso do Venom, que também teve passagem de Cates pelo título. Até aí problema nenhum. Eu particularmente gosto da imprevisibilidade do Loki. Não saber se ele fará algo bom ou ruim, mas ter na memória suas ações do passado, cria situações que se bem trabalhadas podem gerar boas tiradas no roteiro. O problema todo começa quando a história se propõe a inserir o personagem dono do título na trama…
Depois de tantos revezes na existência do Mago Supremo, chegamos a um momento em que a magia do mundo foi brutalmente danificada (como pode ser visto na fase de Jason Aaron a frente do título), tornando-a escassa e afetando diretamente todos os usuários de magia na Terra. Isso é explicado sem muitos detalhes no decorrer da primeira parte da história. Após este problema, o manto passa para as mãos do deus asgardiano (não apenas o manto e título como também a mansão de Stephen e todos os itens mágicos que pertenciam ou estavam sob os cuidados dele). Em sua nova vida, como um simples veterinário, Stephen tem acesso bem limitado a magia, afinal de contas ele continua sendo um mago, mas a situação das Linhas de Ley foi seriamente afetada. Lidando com uma rotina mundana, ele descobre sobre a busca de Loki por um feitiço considerado uma lenda entre os magos e seres mágicos de todo o Universo. Tal feitiço seria uma espécie de código pra reunir toda a magia existente nas mãos de um único mago. Além disso, ele descobre que Loki supostamente estaria tendo um envolvimento com Zelma (que por um período foi aluna de Strange). Mesmo tendo sido confrontado pela Feiticeira Escarlate sobre o que faria com Loki e sua atual posição, somente após descobrir a proximidade entre Loki e Zelma, Strange resolve fazer algo.
Desse ponto em diante a história passa a ser uma sitcom dos anos 80-90, sobre um ex-namorado retratado como “bom moço” lidando com dilemas morais para defender sua amada das mãos de um possível abusador. Típica história de quem não sabe lidar com o fim de uma relação. Strange, que até então não parecia se importar com a estadia do deus da trapaça no Sanctum Sanctorum, decide bolar um plano em que engana pessoas, rouba, cria conflitos entre diferentes mundos e lida com acordos desesperados. Muito vem se fazendo para trazer doses de humanidade e realidade, cada vez maiores, a vida dos heróis nas HQs e vejo isso como algo maravilhoso. Mas tem que ser bem feito e respeitando os pilares do conceito do personagem que vem sendo construído há mais de 50 anos. Imagina como fiquei triste vendo o cara que foi MAGO SUPREMO da Terra durante anos, agindo como um ex-namorado emocionalmente imaturo que parecia estar parodiando um Ross (Friends) ou um Ted (HIMYM) e levando essa dor de cotovelo a níveis extra-planares de conflito. O resultado de tudo isso é uma história que poderia trazer reais conflitos ao homem por trás do Manto e que, ao invez disso, nos entrega um homem de meia idade com “faniquitos” juvenis.
Mas como diz o velho ditado “até mesmo um relógio quebrado está correto duas vezes ao dia”, então vamos aos pontos positivos. A arte do Walta é muito boa e tem uma leveza nos traços que nunca te deixa com aquela impressão de excesso de informação. Nada é muito carregado. Loki também foi bem trabalhado na história. Sendo sempre uma incognita ele traz os momentos altos do arco. E temos a Zelma, que apesar da importância, não tem tanto destaque quanto os dois protagonistas, mas certamente é a mais madura dos três e quem, de longe, lida melhor com toda a situação. Bem, no fim das contas, Deus da Magia, nos traz um roteiro simplista, com um ou outro diálogo bom, uma dose de humor as vezes bem utilizada e uma péssima tentativa de tornar Strange mais humano usando um clichê que já é de mal gosto desde os anos 2000. Poderia ser melhor e esperamos que isso aconteça no futuro.
Panini Comics. Capa cartonada.
112 páginas (compilando Doctor Stranger 381 a 385).