Resenha Relâmpago: LIBERDADE A QUALQUER CUSTO

Falar bem de Frank Miller no auge é chover no molhado, não é verdade? E o que dizer de Dave Gibbons então? Essa é a equipe criativa de uma HQ que foi vencedora do Prêmio Eisner – O Oscar dos Quadrinhos. Muito pouco comentada aqui no Brasil, dentre as referências dos artistas. A HQ de 1991 só veio a ser publicada no Brasil pela Mythos em 2005. Mas porque tanta demora para trazer um material de evidente qualidade? Ainda mais sendo um material da Dark Horse, uma editora conhecida, que tem Hellboy como carro-chefe! Ao ler a edição você começa a perceber o porquê dessa HQ ter demorado tanto para ser publicada.A HQ trata de política estadunidense, mas com reflexos no mundo, sobretudo no continente americano mais especificamente. As duras críticas de Miller vieram em uma época em que se discutia temas ambientais na ECO 92, que foi sediada no Rio de Janeiro. Miller estava atento e seu engajamento é notável, uma vez que ele escreve sobre temas duros que atingem em cheio o capitalismo norte-americano. O Brasil tem um papel importante nesta HQ, já que é aqui que as grandes corporações de carnes processadas desmatam as florestas para pastos, e aqui são travadas guerras com essas corporações que tem status de milícia (hmmmmm….). Ao tratar a Amazônia brasileira como um local de interesses corporativos e frequentes guerras, acredito que este possa ter sido o maior fator impeditivo dessa HQ não ter sido publicada antes. Um tema sensível que poderia afetar sobremaneira a forma como os brasileiros absorveriam a história. Em meio a esse cenário caótico, surge Martha Washington, uma negra, com um nome forte e representatividade do povo norte americano. Nasceu e cresceu em um condomínio criado para manter os pobres cercados como uma prisão. A forma que ela encontrou para sair é se alistando nas forças da PAX, uma equipe militar criada com o intuito de levar a paz ao mundo, usando o militarismo, é claro. Martha vai lutar a “boa guerra” na selva amazônica, onde as corporações do hambúrguer (leia-se McDonald’s) travam uma guerra pelo desmatamento, enquanto que a PAX pelo reflorestamento. Seu superior é o Tenente Moretti, o vilão da nossa série. Em uma das missões Martha descobre que o Tenente é um corrupto e se vendeu às corporações do hambúrguer. Martha tenta matá-lo, mas não consegue. Aqui começa uma ferrenha vingança que vai durar a série inteira.

ATAQUE BIG MAC!!!!

Temas polêmicos como estupro, experiências com seres humanos, corporações alimentares paramilitares, ativistas radicais comedores de carne (sim, os caras se suicidam pelo direito de comer carne), alimentos gigantes à base de radiação (para matar a fome no mundo e as pessoas também. Poderiam ser agrotóxicos, mas não confundamos com a vida real rs), milícia ariana, cultura indígena sendo suprimida, conspiração contra o governo, armas espaciais (Projeto Star Wars???), lavagem cerebral, armas nucleares, emancipação feminina paramilitar… misture tudo isso e sorva esse caldo de polêmicas em ebulição.

EXPERIMENTOS HUMANOS…
“QUEREMOS CAAAAAARNE….”

Miller construiu uma intrincada trama política recheada de conspiração e ação. Cada parte desta HQ tem um viés verborrágico, muitas palavras, mas o texto não é nada enfadonho, altamente gratificante de ler. Miller usa uma linguagem acessível, tragicômica, carregada de ironias. Ele deixa tudo tão na cara que você começa a entender o porquê de certas coisas em nossa vida cotidiana serem como são, ele abre nossos olhos para o que os nossos governos são, como atuam nos bastidores, como atuam as megacorporações, e como você é apenas um elo inferior dessa cadeia que pouco ou nada sabe sobre o que está acontecendo.Dave Gibbons, um dos grandes artistas da indústria dos quadrinhos assina a trama com o traço limpo e bonito de sempre, um traço forte, rostos evidentes e expressivos que certamente tem o dedo do Miller por trás, aconselhando aqui e ali, estruturando as cenas o melhor possível. Em determinado momento da trama os autores passam a usar uma figura de linguagem retratando algumas cenas dos personagens como se eles fossem animais da natureza agindo de forma selvagem. É o aspecto selvagem interagindo com as ações humanas que ficaram sensacionais. Aqui vai um adendo, porque desenhar pessoas é uma coisa, mas desenhar animais selvagens em ambientes hostis, tendo de representar a anatomia destes bichos não é para qualquer um não, amigo. Gibbons vai além e consegue enfatizar esses desenhos de uma forma que tornou-se ponto alto artisticamente falando na trama. Ele tende a exagerar no tamanho das coisas na série e acredito que seja um recurso bem empregado para evidenciar a grandiosidade do que está sendo contado. Personagens são grandes, equipamentos são grandes, florestas são grandes, é tudo feito em uma escala que faça com que o leitor sinta que há uma grandiosidade intrínseca na trama e o desenho consegue trazer isso à tona.

CONFRONTO METALINGUÍSTICO
MÍSSIL NELES, TAOKEY?

A HQ fez tanto sucesso que existe uma continuação intitulada ‘Martha Washington Vai à Guerra”, mas essa é uma outra resenha. A HQ encontra-se fora de catálogo oficial, mas você consegue encontrá-la em algumas lojas de quadrinhos ou sebos pela internet. Eu iria atrás se fosse você.

Texto por Conde.

Mythos Editora
212 páginas. Capa cartão, lombada quadrada.
Preços encontrados variam de R$ 30,00 a R$80,00

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Minuteman ZN
De vez em quando, um minuteman convidado aparece aqui na Zona Negativa para resenhar um quadrinho, ou para publicar a próxima matéria que irá, por fim, explodir sua cabeça, subverter a realidade e nos levar ao salto quântico para o próximo nível dimensional. Não sabemos exatamente quem são essas pessoas, a não ser que elas abram mão do anonimato e decidam assinar seus verdadeiros (??) nomes ao final do texto. Mas francamente, 'quem' elas são não é o preocupante. Preocupe-se com as palavras delas, que rastejam lentamente para dentro da sua cabeça. Todos são minutemen. Ninguém é minuteman.
O grande irmão está de olho em você. Aprenda a ser invisível.

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