“Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”.
Mateus 6:24
Falar de economia e entendê-la de fato parece algo críptico, vedado, um conhecimento arcano restrito a uma pequena elite. Aquisição, downsizing, ativo financeiro, Dow Jones, debêntures, dumping, holding, joint venture… essa parte do conhecimento humano parece murada e gradeada por termos que beiram o hermetismo, impossibilitando sua plena compreensão às massas. Mais ou menos como sempre se fez com… a magia. Mas e se os rumos de todos os mercados do mundo, o fluxo das riquezas, sempre indo com mais intensidade em certas direções do que em outras mais necessitadas… e se tudo isso fosse assegurado porque realmente há uma influência metafísica por trás dos bastidores, ditando os rumos do mundo e em quais mãos o poder – e por conseguinte a riqueza – se concentra?
The Black Monday Murders, um título da Nova Vertigo Image Comics aborda estas questões, tudo em um tom de mistério, conspiração e misticismo, muitas vezes flertando abertamente com o horror. A HQ nos traz a história de uma conspiração secreta, onde aristocratas e oligarcas manipulam a humanidade por meio do controle econômico, venerando Mamom, uma entidade pagã citada na bíblia, frequentemente associada ao dinheiro. Mamom é a personificação do poder. E qual é a mais intensa e quantificável manifestação de poder que existe nesse nosso meio material, no mundo em que vivemos? Isso mesmo, O DINHEIRO!
A premissa de “A-história-por-trás-da-história-que-aprendemos-na-escola” lembra outro excelente título de Hickman, Projeto Manhattan. O autor costuma pegar fatos históricos e recontá-los à luz da HQ, por mais absurda que seja a proposta. Hickman pega a realidade e adiciona a ela sua camada de absurdo criativo. E fica assustadoramente crível. Em The Black Monday Murders, por exemplo, há a fantástica reinterpretação acerca dos suícidios fomentados pelo Crash da bolsa de valores de 1929. Os supostos suicídios não passaram de sacrifícios coletivos com o intuito de apaziguar a crise econômica e retomar as rédeas do mercado. Na verdade, há várias intervenções pseudo históricas de Hickman, essa camada extra atribuída a este grande enclave de bruxos financeiros, que vai desde a criação da nomisma, a moeda corrente do período Bizantino, passando pela criação de grandes cartéis financeiros, sempre reverenciando o deus dinheiro e sua personificação, Mamom.
Alternando entre flashbacks e eventos ocorridos no presente, a HQ começa a engrenar quando um figurão de Wall Street – e descendente de uma dessas famílias dominantes – é assassinado, com estranhos rituais e símbolos presentes por toda a cena do crime. O detetive Theodore Dumas, encarregado da investigação, começa a seguir e decifrar pistas, e todo um horrível submundo vai se descortinando lentamente para Dumas e para nós, leitores. Acompanhamos o progresso da investigação de Dumas ao mesmo tempo em que vemos flashbacks expondo estas famílias e seus relacionamentos no passado, e como seus caprichos influenciaram e ditaram os rumos do mundo.
O ritmo da HQ pode ser considerado um tanto lento, mas Hickman não parece ter a menor pressa em desenvolver esse épico dark. A narrativa e a composição de cada edição tem páginas desenhadas como qualquer HQ convencional, mostrando os acontecimentos nas diferentes linhas temporais, e entre estas páginas existem diagramas de magia, atas de reuniões secretas e alguns relatórios e arquivos com palavras censuradas, no melhor estilo “quem matou Kennedy?”, auxiliando na atmosfera sórdida e na contextualização da história e desdobrando eventos fora da linha narrativa principal, o que não é novidade para quem já leu alguma HQ do Hickman, que adora infográficos e outras formas não convencionais para conduzir a história. A arte de Tomm Coker (Undying Love – Amor Imortal, lançado pela Mythos uns anos atrás) lembra uma mescla de Tommy Lee Edwards com Alex Maleev, e seu traço sombrio não poderia ser mais adequado à trama, ajudando – e muito -, o leitor a absorver todo o tom sombrio e conspiratório da HQ.
Certo, a má notícia é o ritmo lento: A HQ começou a ser publicada em 2016 e está em um hiato desde a oitava edição, por conta de problemas de saúde do artista, mas a boa notícia é que The Black Monday Murders está sendo publicada pela Devir. O primeiro volume saiu esse ano e pode ser encontrado em capa cartão ou, para os lombadeiros tarados, capa dura. Na minha opinião, vale muito a espera. Séries que demoram a ser concluídas não são novidade. Raro mesmo é a HQ valer a espera (lembram de Planetary? 27 edições que levaram DEZ FUCKIN’ ANOS para ficarem prontas!), e The Black Monday Murders mostra já nesse primeiro volume valer a espera.
*** Um breve parêntese aqui: Eu queria muito saber por que a equipe criativa da HQ resolveu retratar a personagem Grigoria Rotschild com a cara da Casey Calvert, uma das atrizes pornô mais conhecidas em atividade atualmente. Isso atrapalha demais para manter a concentração na história, mas foi um belo fan service rsrsrs…
Dinheiro e misticismo. Conspirações mundiais. A manipulação do mercado através da grande mão invisível da magia. Reflexões sobre o que vem a ser o capital e o possível futuro do sistema capEtalista. Vampiros russos oligarcas. Vodu. Demônios. Todos saúdem Mamom! O Código da Vinci, mas para adultos. Se vocês estão procurando uma série nova pra chamar de sua, The Black Monday Murders é genial, sem sombra de dúvida, mas não é pra qualquer leitor. É um daqueles gibis que certamente vai desagradar quem está querendo ver ação com uniformes coloridos ou horror escancarado e gratuito demais. Tudo aqui nesse gibi é construído em camadas densas e sem a menor pressa. Um argumento fantástico, onde a cada página lida você se pergunta “Por que ninguém pensou nisso antes???“. Bom, o Hickman pensou. O resultado é esse aí. Agora, vão conhecer mais desse título e não fiquem aí lerdando. Afinal, tempo é dinheiro! E dinheiro…. bom, vocês já entenderam… Ah, e agora tá explicado a Bettina fazer um milhão de reais a partir de mil e quinhentos de capital: Pacto com o capeta! Valeu, Hickman!