Sempre que ouço falar em Grant Morrison (Os Invisíveis, Zenith) me vem à cabeça drogas, magia, entidades alienígenas, drogas, loucura, referências filosóficas, drogas, ficção científica e mais drogas. Daí meu espanto quando li Happy!, que do Morrison ao qual nós estamos habituados, só mantém a genialidade (e um pouco de loucura). Com um roteiro linear e uma escrita simples, “Happy!” transmite bem a mensagem, nos apresentando uma Nova Iorque suja, violenta e corrupta, com personagens bem humanos e cinzas, bem cru. Tudo isso somado à arte de Darick Robertson (Transmetropolitan, The Boys) que é de encher os olhos. Sejam bem vindos ao violento conto de natal de Morrison.
Quem nos apresenta o submundo de Nova Iorque é Nick Sax, um ex-policial completamente desiludido sobre o sentido da vida, que agora vive como assassino de aluguel. A vida de nick é um foda-se diário, regado a bastante álcool e sarcasmo. Logo na primeira sequência o quadrinho nos mostra que Sax é o típico “brucutu” dos filmes policiais dos anos 80, porém sem tentar fazer dele um herói. Além disso fica claro que ele é tão famoso quanto perigoso nesse mundo criminoso da Big Apple. É um personagem feito pra te causar asco, mas que vai ganhando sua simpatia no decorrer da trama e quando você se dá conta, ele já parece até um nice guy. Daí vem a total quebra de expectativa. Após uma sequência de ação que termina com Sax numa ambulância, somos apresentados à figura que vira toda a história de cabeça para baixo (Morrison, né mesmo?), um cavalinho azul irritantemente feliz, chamado Happy. Essa criatura é totalmente oposta a Sax e precisa da ajuda dele para salvar uma garotinha, da qual ele é amigo imaginário, que foi sequestrada por um papai noel serial killer em pleno natal. O problema já começa quando somente Nick vê a criatura, o que gera muitas interações maravilhosas entre ele e outros personagens que já consideram a sanidade do ex-policial comprometida, coisa que o próprio também passa a questionar. Precisamos falar também sobre os personagens. Mesmo com poucas páginas e muita coisa acontecendo, o roteiro nos entrega um bom background dos personagens principais, incluindo até um antigo envolvimento amoroso de Nick, sem perder nada de ritmo no processo. O clima de trama policial e perseguição andam de mãos dadas com os dilemas sofridos por Nick, que são diretamente confrontados pela sua convivência atribulada com o pequeno Happy. O amigo imaginário é um personagem cativante e mesmo estando quase sempre feliz e falante, não se torna um personagem chato ou entediante. Devidamente apresentados ao leitor, Nick e Happy começam a sua longa noite, onde ambos tem suas pendencias a serem resolvidas, e vão aprendendo a lidar um com o outro no processo, tudo isso mediante à perseguição de bandidos, da força policial e da Máfia. E enquanto eles enfrentam tanta coisa, a amiga de Happy está em posse de um psicopata vestido de papai noel, tornando tudo uma corrida contra o tempo…
Em Happy!, Grant nos mostra que não vive apenas de tramas “fora da casinha” e que consegue trabalhar bem num cenário cru, com algum toque de realismo mágico, e com personagens bem humanos. Com uma pegada á lá Garth Ennis (Preacher, The Boys), Happy é uma ótima oportunidade tanto para quem já curte o texto de Morrison, quanto para quem não curte a vibe dele habitual (com superseres, aliens, magia e muita droga) e quer conhecer melhor a genialidade do careca. A arte de Robertson é um desbunde, capturando muito bem o clima de ação e a violência que o texto requer, sem falar do Happy, que destoa de todo o cenário de uma maneira bem cômica e leve, funcionando como um alívio recorrente àquela merda toda que está acontecendo. Uma adaptação para a TV foi feita em 2017, pelo canal SyFy, e terá uma segunda temporada já confirmada para 2019. Pra quem curte um bom thriller policial, com direito a máfia e tudo mais, “Happy!” é um prato cheio.
Editora Devir.
Compila as edições #1 a #4 de Happy!
136 páginas. Capa dura.