Quem nunca se pegou nas madrugadas olhando pro nada e pensando na vida como um flashback? Ou pensando nas múltiplas possibilidades e lugares onde se poderia estar, as diversas decisões que se deveria ter tomado, ou apenas sentindo o que o Baudelaire chamaria de Spleen, aquele estado mental onde sentimos nossa realidade, nosso passado e nos sentimos vivos, assim como um Standard de Jazz, improvisado mas seguindo uma base inicial, aumentando os tons, diminuindo de acordo com cada jornada.
Mais uma madrugada eu me noto aqui, e me pego a escrever sobre esse livro do meu autor preferido, Haruki Murakami, esse autor que vê a beleza do simples, do ato banal de andar pelas ruas durante a noite ou à madrugada e perceber que cada pessoa que você cruza tem uma história, algo interessante a acrescentar, algo interessante para se escrever ou refletir, que cada um segue do ponto A ao ponto B só que de maneiras diferentes, sejam colegiais indo para a escola com o intuito de concluir o ensino médio, ou o assalariado que busca apenas chegar em casa rápido após um dia árduo de trabalho. Convido você a entrar comigo nesse bar imaginário durante a madrugada, ao som de Tom Waits ou Sinatra, e ler a resenha desse livro tão curto e tão simples, mas tão profundo, daqueles que te dão algo para guardar na lembrança mesmo após o fim da leitura.
O livro começa, assim como um filme antigo dos anos 60, com uma câmera observando eventos da cidade, a cidade como um órgão vivo, que pulsa ainda mais durante a madrugada, onde cada pessoa procura uma razão para sua existência, seja o homem cansado voltando pra sua família, ou o jovem promovido ou simplesmente o entusiasmado e com sede de viver que sai para curtir e não se tem mais horário pra voltar; todos procuram alguma coisa, até os que não sabem o que ainda procuram, mas no fundo há aquela sede de viver, de esperar algo novo.
Dentro desse cenário temos a personagem Mari Asai que é uma garota tímida bem naquele estilo nerd leitora, que por um motivo bastante tenso (que não posso revelar pra não estragar a narrativa), decide ler numa lanchonete durante a madrugada, procurando não ser interrompida. Porém, durante sua leitura, aparece o nosso segundo personagem, que se chama Takahashi, um músico de jazz jovem que procura uma razão pra sua existência e que é cheio de ideias malucas e assuntos maravilhosos e que conhece Mari de algum lugar e decide puxar um assunto com ela, A partir desse momento somos os próprios telespectadores seguindo o que a câmera (autor) quer mostrar, seja uma confusão e agressão de uma prostituta chinesa dentro de um motel e a resolução do caso, seja a vida desses funcionários do motel, seja a ligação com a máfia e presença dela nos esquemas da noite, seja um homem que faz um ato muito violento mas não lembra quando o fez e procura tentar apagar o que aconteceu… Tudo pode acontecer nessa narrativa absolutamente humana, cheia de silêncios, palavras não ditas, música, o cheiro do bar à noite que tanto queríamos respirar durante esse isolamento social, vão te fazer sentir falta daqueles dias.
Esse livro é o mais realista do Murakami, apesar do típico elemento surrealista e psicodélico do autor ainda ser notado em algumas partes, e é o livro que eu recomendaria pra quem quer começar a ler o meu autor preferido heheh. São ângulos do autor mostrando o quão é surpreendente e bom estar vivo, quando vemos que até aquele papo psicodélico com um barman no passado nos ajudou a ser quem somos hoje, e que não tem nada melhor do que às vezes desacelerar e só viver, deixar o disco tocar lentamente e apreciar até a última faixa.
“Mari pergunta ao barman: O senhor só toca LPs?
Não gosto de CDs, responde o barman.
Por quê?
Porque são brilhantes demais.
Mas não dá trabalho ficar trocando os LPs?- pergunta Mari.
O barman sorri. Bom, estamos em plena madrugada. O trem só vai começar a circular de manhã. Para que a pressa?”
Texto por: Matheus Martiniano @martinianofromars
Detalhes da publicação:
- Editora : Alfaguara; 1ª edição (14 julho 2009)
- Preço: 52,90
- Capa comum : 208 páginas