Leitura da Quarentena #34: APÓS O ANOITECER, de Haruki Murakami

Quem nunca se pegou nas madrugadas olhando pro nada e pensando na vida como um flashback? Ou pensando nas múltiplas possibilidades e lugares onde se poderia estar, as diversas decisões que se deveria ter tomado, ou apenas sentindo o que o Baudelaire chamaria de Spleen, aquele estado mental onde sentimos nossa realidade, nosso passado e nos sentimos vivos, assim como um Standard de Jazz, improvisado mas seguindo uma base inicial, aumentando os tons, diminuindo de acordo com cada jornada.

Conforme a noite vai passando e a madrugada chega, quem nunca passou por uma hora mais contemplativa ou até levemente melancólica? Esse livro me remeteu muito a essa pintura famosa do Edward Hopper, Nighthawks.

Mais uma madrugada eu me noto aqui, e me pego a escrever sobre esse livro do meu autor preferido, Haruki Murakami, esse autor que vê a beleza do simples, do ato banal de andar pelas ruas durante a noite ou à madrugada e perceber que cada pessoa que você cruza tem uma história, algo interessante a acrescentar, algo interessante para se escrever ou refletir, que cada um segue do ponto A ao ponto B só que de maneiras diferentes, sejam colegiais indo para a escola com o intuito de concluir o ensino médio, ou o assalariado que busca apenas chegar em casa rápido após um dia árduo de trabalho. Convido você a entrar comigo nesse bar imaginário durante a madrugada, ao som de Tom Waits ou Sinatra, e ler a resenha desse livro tão curto e tão simples, mas tão profundo, daqueles que te dão algo para guardar na lembrança mesmo após o fim da leitura.

O livro começa, assim como um filme antigo dos anos 60, com uma câmera observando eventos da cidade, a cidade como um órgão vivo, que pulsa ainda mais durante a madrugada, onde cada pessoa procura uma razão para sua existência, seja o homem cansado voltando pra sua família, ou o jovem promovido ou simplesmente o entusiasmado e com sede de viver que sai para curtir e não se tem mais horário pra voltar; todos procuram alguma coisa, até os que não sabem o que ainda procuram, mas no fundo há aquela sede de viver, de esperar algo novo.

O livro é tão convidativo quanto uma banda de Jazz com os melhores músicos, a banda fala para nós aproveitarmos a viagem, Murakami transmite a mesma mensagem…

Dentro desse cenário temos a personagem Mari Asai que é uma garota tímida bem naquele estilo nerd leitora, que por um motivo bastante tenso (que não posso revelar pra não estragar a narrativa), decide ler numa lanchonete durante a madrugada, procurando não ser interrompida. Porém, durante sua leitura, aparece o nosso segundo personagem, que se chama Takahashi, um músico de jazz jovem que procura uma razão pra sua existência e que é cheio de ideias malucas e assuntos maravilhosos e que conhece Mari de algum lugar e decide puxar um assunto com ela, A partir desse momento somos os próprios telespectadores seguindo o que a câmera (autor) quer mostrar, seja uma confusão e agressão de uma prostituta chinesa dentro de um motel e a resolução do caso, seja a vida desses funcionários do motel, seja a ligação com a máfia e presença dela nos esquemas da noite, seja um homem que faz um ato muito violento mas não lembra quando o fez e procura tentar apagar o que aconteceu… Tudo pode acontecer nessa narrativa absolutamente humana, cheia de silêncios, palavras não ditas, música, o cheiro do bar à noite que tanto queríamos respirar durante esse isolamento social, vão te fazer sentir falta daqueles dias.

Esse livro é o mais realista do Murakami, apesar do típico elemento surrealista e psicodélico do autor ainda ser notado em algumas partes, e é o livro que eu recomendaria pra quem quer começar a ler o meu autor preferido heheh. São ângulos do autor mostrando o quão é surpreendente e bom estar vivo, quando vemos que até aquele papo psicodélico com um barman no passado nos ajudou a ser quem somos hoje, e que não tem nada melhor do que às vezes desacelerar e só viver, deixar o disco tocar lentamente e apreciar até a última faixa.

Mari pergunta ao barman: O senhor só toca LPs?

Não gosto de CDs, responde o barman.

Por quê?

Porque são brilhantes demais.

Mas não dá trabalho ficar trocando os LPs?- pergunta Mari.

O barman sorri. Bom, estamos em plena madrugada. O trem só vai começar a circular de manhã. Para que a pressa?”

A linda capa da edição brasileira pela Alfaguara!

Texto por: Matheus Martiniano @martinianofromars

Detalhes da publicação:

  • Editora : Alfaguara; 1ª edição (14 julho 2009)
  • Preço: 52,90
  • Capa comum : 208 páginas
Minuteman ZN
De vez em quando, um minuteman convidado aparece aqui na Zona Negativa para resenhar um quadrinho, ou para publicar a próxima matéria que irá, por fim, explodir sua cabeça, subverter a realidade e nos levar ao salto quântico para o próximo nível dimensional. Não sabemos exatamente quem são essas pessoas, a não ser que elas abram mão do anonimato e decidam assinar seus verdadeiros (??) nomes ao final do texto. Mas francamente, 'quem' elas são não é o preocupante. Preocupe-se com as palavras delas, que rastejam lentamente para dentro da sua cabeça. Todos são minutemen. Ninguém é minuteman.
O grande irmão está de olho em você. Aprenda a ser invisível.

Deixe um comentário