A quarentena me proporcionou uma vida recente desprovida eventos memoráveis. Sem acontecimentos relevantes nos últimos 2 meses (fora tudo o que está acontecendo no mundo e na política, sigo o privilégio de viver na minha bolha #SafeInHome), recorri a lembranças da adolescência.
Muito do meu gosto por filmes foi moldado pelo Segundo Caderno do jornal O Globo. Lembro de ter visto no Filmes da Semana que passaria o filme O Balconista (Clerks) na Band. Foi o meu primeiro contato com Kevin Smith. O segundo filme dele que assisti viria a ser Dogma, com a maravilhosa Alanis Morissette interpretando o papel de Deus(a).
Tentando puxar pela memória quem era aquela Vanessa de 16 anos, resolvi rever a filmografia de Kevin Smith e o que até então era inédito pra mim: Procura-se Amy (Chasing Amy).
Preciso abrir um parêntese aqui para falar sobre Kevin Smith. Ele não é só ator, cineasta e roteirista de filmes e shows de TV, mas como também de HQs (Arqueiro Verde, Demolidor, etc). Existe um universo em comum nos seus filmes – o View Askew, onde pode-se ver constantemente referências e easter eggs, incluindo a dupla onipresente Jay e Silent Bob (interpretado pelo próprio Kevin).
Sendo um roteirista que traz muitas referências pop, Procura-se Amy começa em uma Comic Con. Logo somos apresentados aos amigos e quadrinhistas Holden McNeil (Ben Affleck) e Banky Edwards (Jason Lee), que após uma tumultuada sessão de autógrafos, vão assistir ao painel onde, ao final, são apresentados pelo amigo Hopper (Dwight Ewell) a também quadrinista Alyssa Jones (Joey Lauren Adams). Holden fica intrigado com a personalidade de Alyssa e, após um encontro arranjado por Hopper – que mais parece uma peça pregada, ele entende que na verdade Alysa é lésbica.
Desconfortável com toda a situação, Holden vai embora do date sem dar maiores explicações e sentindo-se que deveria conversar para esclarecer toda a situação, Alysa vai até ao atelier de Holden para tentar entender o que havia acontecido na noite anterior.
A conversa, que acontece em um inocente parquinho infantil, contrasta com o teor das dúvidas e divagações de Holden sobre sexo lésbico, convenções amorosas, definições e padrões que nos acometem desde cedo, nos impedindo de ter experiências livres para decidir o que realmente queremos para nós. E o que geralmente acontece quando duas pessoas com muito em comum resolvem se expor e ter uma conversa franca? Uma delas se apaixona, é claro! Mesmo ignorando todos os sinais de “SOU LÉSBICA”, Holden resolve nutrir o sentimento de amizade e companheirismo por Alysa.
Esse sentimento, aliás, o faz deixar de lado seus compromissos profissionais e seu amigo há mais de 20 anos – e também parceiro de trabalho, Banky.
Banky, por sua vez, tenta alertar seu amigo de que se apaixonar por uma lésbica é tipo um Esperando Godot, nada ali vai acontecer.
Até que farto de tantas conversas e risos, demonstrações de afetos desinteressados, Holden resolve confessar seus sentimentos por Alysa e espera por sua resposta positiva para finalmente poder ser feliz e tudo o mais. E então, o beijo mágico acontece. Na chuva, com Alysa nas pontinhas dos pés. Mas não antes de uma cena dramática em que após a confissão de Holden, Alysa se afasta e inicia-se um importante monólogo sobre o quanto é difícil definir socialmente a sexualidade homoafetiva.
E foram felizes até Banky, mais uma vez, alertar sobre os perigos de se estar apaixonado por Alysa. Dessa vez, ele resolve investigar a vida de Alysa para encontrar um bom argumento que faça seu amigo voltar aos trilhos e continuar sua vida de onde parou. E… como todo ser humano, ela tinha um passado. Alysa resolveu experienciar na juventude o que muitos só conseguem ter coragem depois da meia idade: Ela fez um ménage à trois, só pra ver que barato dava e não sentia a menor culpa por isso.
Corroído por ciúmes e inseguranças, Holden tenta conversar com amigos para tentar entender se suas dúvidas são infundadas.
Após muito refletir, Holden tenta resolver todos os seus problemas de uma tacada só: Sua falta de experiência na cama, o amigo e parceiro de trabalho Banky e a sua – talvez – homoafetividade mal resolvida por Holden e por fim, superar e naturalizar a sexualidade de Alysa.
– “VAMOS FAZER NÓS TRÊS UM MÉNAGE”.
E o que acontece daí pra frente? Bem, o que eu posso dizer é que não importa o quanto algo foi importante para você na sua vida, uma hora acaba e é preciso ir embora.
(Texto por Vanessa)
O grande irmão está de olho em você. Aprenda a ser invisível.