A GUERRA – A Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil.

Inaugurado em 1998, Alcaçuz foi construído com base no projeto de conclusão de curso de duas estudantes de arquitetura. Elas desenharam um centro modelo, de menor porte, para ressocialização de presos, com espaço para seiscentas pessoas. No dia da rebelião, havia 1.150 presos no local, os quais, contrariamente ao projeto das estudantes, nunca receberam assistência de saúde, educação ou trabalho.”

Há pouco mais de uma semana, um episódio entrou para as crônicas do crime organizado carioca. Uma invasão de território dominado por uma facção, levou a um intenso tiroteio que, no total, durou cerca de 24 horas. A polícia interviu e os bandidos invadiram casas e fizeram moradores de reféns. Uma mãe foi assassinada com dois tiros ao servir de escudo para seu próprio filho. Infelizmente, independente da brutalidade do ocorrido, esse é só mais um episódio de tantos na história do crime organizado no Brasil. São Paulo, Rio de Janeiro, Natal, Manaus… Não importa em que grande cidade do país você esteja, o crime organizado terá seus tentáculos por lá. Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias resolveram escrever sobre isso e o material é praticamente um tratado sobre a história do crime organizado e a incompetência do Estado perante ele. Ou será que é o contrário?

“A Guerra” é um livro que nos traz uma visão ampla e detalhada do mundo do crime, desde o interior dos presídios brasileiros, verdadeiras faculdades para quem quer “empreender” no tráfico, até o sistema arrojado de suporte ao movimento que possui assistência as famílias e até rede de advogados própria. No mundo do crime existe desde plano de carreira até aposentadoria e previdência privada. O que nos leva a pergunta, como chegamos até aqui? Como o Estado permitiu que a situação chegasse a esse ponto? O foco de Bruno e Camila não é apontar dedos, mas nos mostrar o quanto estamos a mercê desse problema e nos deixar questionar os porquês disso.

O primeiro grande empreendedor

O crime organizado começou seu caminho rumo a uma violenta sofisticação com os pequenos varejistas. No Rio de Janeiro, o Comando Vermelho (Falange Vermelha nos seus primeiros anos) começou o primeiro grande esquema de varejo no tráfico, com grandes fornecedores abastecendo uma rede hierarquizada de gerentes e soldados prontos para defender seus negócios com unhas e dentes. Também veio do RJ o primeiro grande visionário desse negócio. Nascido e criado em Duque de Caxias, um município metropolitano do Estado, Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, saiu ainda nos anos 90 rumo ao Paraguai para a grande expansão de seu projeto. Se aproximou dos grandes produtores e fornecedores, eliminou os intermediários e acabou com inúmeros concorrentes. Preso em 2002, após sair do Uruguai para Colômbia e se unir as FARC, cumpre pena de 309 anos e mesmo preso teria movimentado a quantia de R$ 62 milhões de reais, segundo investigações da Polícia Civil feitas em 2011.

Poder de barganha

O mercado de drogas paulista é praticamente tão antigo quanto o carioca, porém só foi se tornar um sistema organizado e com hierarquia bem estruturada no início dos anos 90 sob a direção do Primeiro Comando da Capital, mais conhecido por sua sigla, PCC. Assim como o Comando Vermelho, o PCC surgiu dentro dos presídios, com sua principal motivação sendo a melhoria no tratamento dos detentos e redução da violência policial. Como era de se esperar, não foram atendidos e nem mesmo ouvidos logo de cara. O Estado já estava acostumado a ignorar a classe prisional há anos. Se os próprios agentes penitenciários são tratados com desdém pelo governo, quem dirá os detentos, que mal são vistos como seres humanos pelo mesmo. Porém aquele movimento não era apenas mais um. Organizados e bem estruturados, o PCC conseguia se comunicar tanto com as ruas quanto entre os presídios e em 2006, inúmeras rebeliões simultâneas foram deflagradas pelo estado. São Paulo parou. Houve toque de recolher, ataques a ônibus, acertos de contas, mais de 500 vítimas civis e pelo menos 30 agentes de segurança mortos. Relatos apontam que os ataques só pararam após uma negociação entre Estado e líderes da facção. O Estado nega.

Um mercado um pouco mais agressivo…

Em 15 de janeiro de 2017, 26 detentos foram assassinados (15 deles decapitados) numa rebelião no presídio de Alcaçuz no Rio Grande do Norte. Sendo que no dia 1 do mesmo mês, outra rebelião já havia ocorrido, com cerca de 56 mortos, todos membros da facção paulista PCC. Quem desafiava o poder da maior facção criminosa da atualidade era um grupo menor, porém muito mais agressivo, a Família do Norte. O controle do tráfico no norte do Brasil era fragmentado e a expansão territorial do PCC incomodava os líderes mais proeminentes da região. Até que em 2007 três narcotraficantes importantes do Amazonas resolvem criar a FDN. Ainda assim, eles não começaram a guerra contra o PCC logo de cara. Fortaleceram as boas relações que tinham com o CV e eliminaram muitos inimigos menores em tamanho e organização. Durante esse tempo, existiu uma convivência pacífica entre os aliados FDN e CV para com o PCC. Em 2016, devido a desentendimentos entre as lideranças das duas maiores, a guerra teve início, deflagrando uma série de rebeliões e um verdadeiro inferno na região. Com o tempo, até mesmo o CV se tornou inimigo e a facção que era menor perante as outras, passou a buscar alianças fora do país. Acredita-se que possua conexões até com as FARC, na Colômbia.

A obra

“A Guerra – A Ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil” é o retrato de um problema que persiste há anos se alimentando de uma sociedade desamparada pelos seus líderes políticos e com feridas sociais profundas. Num país com extrema desigualdade como nosso, com uma política de super encarceramento, racismo institucionalizado e corrupção abundante, temos o cenário fértil para esse tipo de “efeito colateral”. O esforço das autoridades em tratar o tráfico como um problema alienígena, ao invés de um sintoma de um mal muito maior, só piora toda a situação criando um cenário de guerra urbana que vem matando nossos jovens, desde a mais tenra idade, há décadas. Com uma visão acurada e muita pesquisa Bruno Paes Manso (Doutor em Ciência Política pela USP e autor de “O Homem X“) e Camila Nunes Dias (Doutora em Sociologia pela USP e autora de “PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência“) nos entregam esse documento histórico sobre um dos maiores reflexos do descaso do Estado para com o cidadão. Indicado ao prêmio Jabuti, A Guerra é um livro que todo brasileiro deveria ler, mas de estômago vazio.

Bruno e Camila

Texto por Pedro Rodrigues (@prodrigues27)

Editora Todavia
318 páginas, capa flexível
R$ 35,30

Pedro Rodrigues
Perdido na vida há trinta anos, sem vocação pra ser "cult" e fã dos escritores britânicos. Estuda tarô, cabala, hermetismo, magia do caos e teoria da Mãe Piruleta que traz seu amor em três dias em território nacional. Em meio a tudo isso descobriu seu animal de poder, uma lontra albina. Lendo de bula de remédio a Liber Null e Necronomicon, seu propósito com a escrita é esvaziar a mente e evitar com isso a perda do seu réu primário.

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