Estão Desmantelando a Leitura na Sua Frente (e Você Já Está Sentindo)

Os constantes ataques à arte estão desestabilizando aos poucos a forma mais importante e efetiva de resistência. Isso chegou nos livros: taxação e aumento de preço que sem dúvidas comprometerão a produção e publicação de obras. Estão fazendo isso exatamente agora, e você que é leitor está vendo e sofrendo, porém não está fácil reagir.

Basta olhar pela janela para entender que o mundo material deu errado. O consumo e a necessidade humana deveriam ser colocados como contrapeso, porém ambos estão com pesos e medidas bastante distintos. As pessoas que tentam ler, analisar e viver este mundo de forma unicamente materialista provavelmente já desistiram de todas as suas aspirações de melhora dessa triste realidade.

Porém o mundo é um lugar complexo, diverso e transformações ocorrem durante os séculos. Nós indivíduos não passamos de poeira insignificante que, de forma contraditória, ajudaremos a moldar o futuro. Nos resta apenas uma esperança idealista de um futuro melhor, que será construído através da racionalidade e da troca de experiências entre seres humanos e pela própria cultura e arte, que cá entre nós, sabemos o quanto podem ser poderosas e transformadoras!

É nesse ponto que a leitura é tão importante. De que forma podemos entender a humanidade se não pela variedade de seus sentimentos e ideias? Livros e quadrinhos representam uma parte importante de seus criadores, seja seu descontentamento com o governo, com uma empresa ou uma desilusão amorosa. Sentar-se em meio a uma madrugada e ler o que Hemingway tem a me dizer sobre a vida através de O Velho e o Mar me faz sentir como se a barreira da distância, tempo e da própria vida pudesse ser quebrada. E esse momento de encontro com autores em suas mais diferenciadas temáticas, talvez seja um dos aspectos que mais façam a vida valer a pena, e apresenta alguma esperança de um futuro melhor.

Todas essas sensações e reflexões passam em nossas mentes enquanto vemos um sucateamento da arte, e a leitura é altamente impactada por isso. Não começou com a infeliz ideia de Paulo Guedes de taxar livros (assunto que retomarei logo). Meu choque começou com a biblioteca pública da região se desfazendo de muitos exemplares, principalmente os quadrinhos. Foram incontáveis as HQs já esgotadas para compra da Panini e de outras editoras que pude ler graças ao empréstimo da biblioteca, mas ver sua obra sendo entregue, e sumindo do consumo público foi onde me toquei que de fato esse é um setor que estava prestes a ser negligenciado.

Em um primeiro momento pensamos no que fazer. Um protesto na rua? Talvez no século XXI não exista método mais ineficiente que esse. A avenida paulista por exemplo é preparada para receber protestos, você pode gerar um trânsito, mas nada mais que isso. Os ônibus possuem rotas alternativas, os carros podem contornar as ruas e o metrô continua rápido como uma bala por baixo da terra. Não surte efeito.

Mas pensando desta maneira nos resta o quê? Provavelmente nenhuma opção. Mas a última forma de resistência que existe talvez seja falar, se declarar e trocar experiências sobre a literatura. A nova ideia do ministro da economia é impor um novo tipo de imposto sobre os livros, isso sob o argumento de que esse tipo de produto é destinado à elite. Como muito já foi discutido na internet, os argumentos do sujeito não surpreendem em nada após sua polêmica declaração sobre as domésticas estarem indo a Disney.

É possível argumentar que livros continuarão sendo um item de fácil acesso. Sebos e distribuição em escolas sem dúvidas ajudam na disseminação dos livros, porém existem muitas variáveis sobre este assunto, como por exemplo, o que a pessoa quer ler, caso os livros possuíssem um preço acessível (o que já não possuem hoje, mesmo sem um imposto adicional), a possibilidade de escolha seria possível.

A realidade da escola pública na maior parte do país dificulta a proximidade das pessoas com a leitura, e lhes impõe o que deve ser lido sem direito, no mínimo, de escolha, condenando todo seu interesse a esse tipo de arte. E é justamente por isso que toda leitura é importante, seja o romance adolescente ou o clássico com mais de mil páginas.

É complexo medir a importância que a leitura tem na vida de uma pessoa. No meu caso e do meu parceiro Goes Murdock aqui do site, foi incrível, nossos horizontes não foram somente ampliados pela leitura de livros e quadrinhos, mas em parte, foram criados e vividos intensamente como viagens e conversas com as mais brilhantes personalidades do universo.

E é justamente por isso que é tão doloroso observar o desmantelo da arte bem debaixo de nossos narizes e nosso poder de resistência ser tão baixo. Nesse breve texto apenas convido a todos que já sentiram o universo fluir através de palavras a refletirem se a leitura foi tão significante de forma positiva em seu mundo particular.

Talvez a maior esperança do futuro seja a racionalidade discutida através da leitura, e isso está sendo colocado em jogo. É talvez a última fagulha de luz sobre a possibilidade de um futuro positivo que vem sendo apagada com um jato de água de uma mangueira de um bombeiro. Bombeiro que em Fahrenheit 451 queima livros e sobra para alguns poucos apaixonados mantê-los vivos em sua memória e em busca de um mundo melhor.

O mundo materialista nos decepciona cada dia mais, porém a leitura é uma das últimas luzes no fim do túnel que pode proporcionar um futuro menos desgraçado para a raça humana. Portanto, torço para que nós possamos lutar para manter viva essa tradição que pode no futuro tornar esse mundo material um pouco menos desgraçado e mágico, pois não são somente as transformações políticas e sociais que a leitura causa. Mas principalmente, as revoluções no espírito que nos fazem sentir que vale a pena estar vivo.

Rac John
Viajando em um túnel infindável de dados, tentando juntar os fragmentos corretos da loucura cotidiana que o mundo produz sob a sombra de caracteres. Meu nome é Rac John, e te convido a se deixar envolver pela loucura.

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