CONTOS DA ZONA: A Cidade é Uma Grande Simulação.

A Cidade é uma grande simulação.
Na Cidade acontecem muitas coisas conosco.
Na Cidade padecemos de doenças misteriosas, porque o que não nos mata, nos fortalece.
Na Cidade somos obrigados a viver com menos que o mínimo possível para continuarmos a existir, para que assim nosso metabolismo se torne perfeitamente parcimonioso e nossos corpos funcionem com o mínimo de recursos possível.
Na Cidade nada funciona para nós, que nela vivemos, para que assim nos tornemos capazes de nos adaptarmos a qualquer ambiente adverso.
Na Cidade o abastecimento de água é impregnado com nosso próprio esgoto para que nosso sistema imunológico siga cada vez mais fortalecido.
Na Cidade a poluição é imensa, crescente e ininterrupta, para que nossos pulmões processem qualquer gás tóxico e nossas vísceras não sucumbam a nenhuma intoxicação. Isso é extremamente necessário pois a comida que nos dão é envenenada.
Na Cidade muitos de nós perdem os filhos recém nascidos, pois, se morreram, é porque não representavam uma descendência adequada para desempenharem a sua parte no Grande Projeto.

Na Cidade somos espoliados, aviltados e desonrados diversas vezes ao dia para que nosso caráter siga cada vez mais fortalecido, e a individualidade, nossa maior inimiga, nunca se manifeste, colocando assim o Grande Projeto em risco.
Orgulho próprio não favorece o Grande projeto. Por isso precisamos sempre ser humilhados.
Na Cidade não há lugar para gratificação, satisfação ou comiseração. Nem prazer. O prazer é servir ao Grande Projeto.
Na Cidade a polícia mata quem bem entende, movida não por um senso de justiça mas por uma fome de brutalidade que serve ao Grande Projeto, pois nos faz duros por dentro e sempre em estado de alerta.
A polícia faz parte da Cidade, como nós, mas ajuda Eles a conduzirem o Grande Projeto. A polícia desempenha sua função com fidelidade canina, sem perceber que também são cobaias dEles no Grande Projeto.
As autoridades que governam a Cidade fazem muito pouco esforço para esconder que não estão ali para atender às nossas necessidades. Nós é quem os servimos e os atendemos. A Cidade é um meio para um fim. Nós servimos a eles com nossa força de trabalho, fazendo com que a Cidade continue a existir e funcionar, ao mesmo tempo em que integramos e servimos o Grande Projeto.

Na Cidade o aprendizado e o conhecimento são desnecessários. Sabemos apenas o que precisamos saber para a Cidade continuar a funcionar. Não temos conhecimento de nosso passado e não pensamos no que será o futuro, pois nada disso favorece ao Grande Projeto.
Na Cidade, cada minuto é uma luta árdua para continuar a existir. Mas o Grande Projeto precisa prosseguir. Até a sua conclusão.
Na Cidade, não vivemos, apenas sobrevivemos. E isto é o suficiente para que o Grande Projeto não sofra disrupções desnecessárias.
Tudo isso para nos tornarmos indestrutíveis.
Eles querem o nosso bem. Pode parecer que estão nos torturando por puro prazer, abusando de nós como se fossem deuses caprichosos, mas eles querem que atinjamos o ápice da evolução. O organismo perfeito, apto para viver e triunfar em qualquer lugar da existência.
A Cidade é uma grande simulação onde se projetam criaturas indestrutíveis. Uma nova humanidade indestrutível. Impossível de quebrar. E nós somos sua matéria-prima. Porque o que já está estilhaçado não pode mais ser quebrado.
Seremos organismos invencíveis, imparáveis, infatigáveis, perfeitamente adaptáveis a tudo!
E quando formos apenas fome, ódio, presas na boca, rochas no peito e espinhos na alma, vamos agradecê-Los por isso. Porque Eles só querem o nosso bem.

Eduardo Cruz (@eduardo_cruz_80)

Contos da Zona são histórias escritas pelos membros da Zona Negativa, com o objetivo de expandirem a produção de conteúdo para além das resenhas. Assim sendo, esperamos proporcionar boas experiências de leituras e reflexões. Deixe seu comentário 😉

Eduardo Cruz

Eduardo Cruz é um dos Grandes Antigos da Zona Negativa, ou sejE, um dos membros fundadores, e decidiu criar o blog após uma experiência de quase-vida pela qual passou após se intoxicar com 72 tabletes de vitamina C. Depois disso, desenvolveu a capacidade de ficar até 30 segundos sem respirar debaixo d’água, mas não se gaba disso por aí.

Ele também tem uma superstição relacionada a copos de cerveja cheios e precisa esvaziá-los imediatamente, sofre de crises nervosas por causa da pilha de leitura que só vem aumentando e é um gamer extremamente fiel: Joga os mesmos games de Left For Dead e Call of Duty há quase 4 anos ininterruptos.

Eduardo Cruz vem em dois modos: Boladão de Amor® e Full Pistola®.