Crítica: TENET, de Cristopher Nolan

“Armado com apenas uma palavra – Tenet – e lutando pela sobrevivência do mundo inteiro, o Protagonista viaja através de um mundo crepuscular de espionagem internacional em uma missão que irá desenrolar em algo para além do tempo real.”

Sinopse oficial

Ando meio puto com o Nolan desde Interestelar (2014). Até me lembro do momento exato em que adquiri esse ranço pelo cineasta: foi na explicação do buraco de minhoca em certa altura do filme que me deu um clique na cabeça e percebi que o diretor do excelente Amnésia (2000) havia se tornado vítima de si mesmo, condenado eternamente a trazer, a cada filme, novas fórmulas de “inovação e genialidade”, um presente dos deuses para a sétima arte. A auto estima de Nolan se tornara um monstro tão grande que o diretor começou a tratar a nós todos, seu público e as outras pessoas, os espectadores em geral, como crianças com problemas cognitivos, incapazes de acompanhar o ritmo de sua genialidade, sempre carregando o estandarte do cinema de ação sofisticada.

Dessa vez, a pretensão já começou no título…

A palavra Tenet (Princípio, traduzido do inglês) é um palíndromo, ou sejE, uma palavra ou frase que pode ser lida em ambos os sentidos sem perder seu significado (por exemplo, “Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos“), correlacionando assim a semântica envolvida no título com o plot em si. Quando o título foi divulgado um par de anos atrás e o ranço ocasionado por Interestelar (2014) e Dunkirk (2017) já estava consolidado, pensei “Pronto, agora o cabecismo cult vem logo no título, ele não se aguenta mais em expurgar pretensão só a partir do primeiro teaser hehehehe“.

“Patrão, me explica de novo que eu não entendi foi nada….”

Explosões e tiroteios pra gente bonita e diferenciada, com QI acima de 130.

O didatismo excessivo de Nolan para explicar a mecânica da trama em seus filmes é uma pedra no meio da narrativa, que atravanca o bom trânsito do espectador pela obra. Assistir a um filme novo do diretor passou a gerar a expectativa de, a uma determinada altura da película, ter que passar pela cena obrigatória de explicação das coisas. Já estava meio cansativo no razoável A Origem (2010), talvez o último longa com um sopro de originalidade bem intencionada do diretor, mas em Tenet (2020), Nolan parece ter se cansado junto com o espectador. O que vemos é a consolidação do procedimento de se jogar as conclusões para a torcida, e garantido em seu imenso fandom, quem não entendeu acaba convertido automaticamente em hater ou em burro. Conexões, conspirações, pseudo ciência, reviravoltas… Tudo isso é legal demais, mas em mãos erradas todos esses recursos narrativos se tornam aborrecidos.

Caindo pra cima…

A trama, que envolve espionagem, exércitos privados em guerras secretas decidindo o destino do mundo, vilões com dispositivos capazes de destruir a realidade e um curioso conceito de entropia reversa onde objetos, pessoas e projéteis de armas de fogo se movimentam de forma contrária ao fluxo normal de tempo, oferecendo aos entusiastas de ficção científica uma interessante variação do batido tema de viagem no tempo. Tudo tecnicamente impecável, mas ainda assim resultando em um espetaculoso e megalomaníaco filme de ação que em alguns momentos mais parece um live action do clássico game Counter Strike, com encapuzados de equipes diferentes trocando tiros em cenários grandiosos, com um background (pseudo) científico que simplesmente não cola.

Quando a personagem da cientista (a atriz Clémence Poésy da franquia Harry Potter, Na Mira do Chefe) tenta explicar para o personagem de Washington como funciona o amalucado conceito de entropia reversa e diz a ele para não perder muito tempo tentando entender, “apenas sentir”, eu percebi que estava sendo sacaneado. De repente o excessivamente didático Nolan tinha largado de nossas mãos, jogando o entendimento da mecânica da trama para a plateia, e ali que eu percebi a sujeira rolando. A impressão que se tem é que o roteiro se escreve a toque de caixa, esbaforidamente enquanto você o assiste, e toda a pirotecnia e espetaculosidade são meras distrações para esse ritmo instável da película.

“Ãin, mas não é viagem no tempo como nos outros filmes…”

Nota-se em Tenet que Nolan quis dar uma brincada com o símbolo máximo do cinema de ação de sua terra natal: James Bond, 007, o MI-6… Toda a mitologia Flemingiana de espionagem e reviravoltas, vilões excêntricos e levemente caricatos, agentes com um tanto a mais de individualidade e espirituosidade do que o cargo exige… Seria uma releitura bacana se, ao invés de primar pela homenagem, Nolan não estivesse tão engessado em seu próprio modelo, sua caixinha onde uma trama simples é complexificada demais, com cenários pomposos, grandiosidade vazia. Já deu no saco essa atmosfera chique que ele coloca em todos os filmes, como se por conta disso o que ele faz o colocasse em uma posição de muita distinção em relação aos Velozes e Furiosos da vida, como se todo tiroteio fosse um grande evento topzeira de elite, em cenários classudos.

“Eu não entendi uma palavra do que ninguém disse na última hora. Você espera que eu acompanhe isso tudo?”
“Não, senhor Bond; eu espero que você apenas desista e aprecie as cenas de luta, as batidas de carro e o Pattinson.”

É um mundo crepuscular, mas o Pattinson brilha com dignidade dessa vez…

Pretensões do realizador à parte, o elenco é bem bacana. John David Washington, pra quem ainda não percebeu, não é apenas o filho do Denzel Washington. Um cara que sempre se mostra muito à vontade nos papéis que desempenha e, portanto, sempre crível mesmo que o roteiro não ajude. Mais alguns anos e veremos esse carinha carregando filmes nas costas, pode anotar. Destaque também para a elegantérrima Elizabeth Debicki e para Dimple Kapadia, cujo papel maternal lembra demais a Oráculo de Matrix (1999), guiando o personagem de Washington em sua jornada. Robert Pattinson também não compromete e sua atuação é bastante adequada, mostrando sua evolução profissional em mais essa produção. Quem não desceu muito bem foi o vilão interpretado pelo Kenneth Brannagh, um oligarca russo excêntrico que dá ataques de pelanca. Além disso, tem o Michael Caine, que passou correndo só pra pegar o cachê mesmo. Ah, e um subaproveitado Aaron Taylor Johnson, eterno Kick-Ass, o Mercúrio do universo cinematográfico da Marvel, bancando um figurante de luxo numa ponta onde só o reconheci quando finalmente lhe deram uma fala com mais de três segundos.

Além disso, vale destacar o protagonismo negro no filme. John David Washington mostra que os boatos e possibilidades de qualquer dia vermos um James Bond negro não são tão absurdos quanto os trolls xenofóbicos e racistas que coalham a Internet fazem questão de ressaltar em posts imbecis. Tenet serviu para vislumbrar essa possibilidade. É melhor Jair se acostumando, o protagonista não pode (nem deve!) ser o homem branco hétero todas as vezes, afinal não somos quase nove bilhões de Pattinsons no planeta heheheh…

Nolan parece estar comprometido demais com seu talento cada vez mais egóico e seu público fiel para dar a leveza necessária à produção para que Tenet fosse mais acessível e palatável. Escravo de sua própria pretensão, tornou a película algo com potencial perceptivelmente desperdiçado em se comunicar com as massas. Logo Nolan, que tinha lá sua assinatura minimalista elegante, acabou esquecendo a regra de ouro do “Menos é mais“, e após duas décadas de carreira acabou por se tornar alguém que se leva a sério demais. Os cinemas reabriram com protocolos de segurança (vocês confiam? EU NÃO!!!) e esta é uma das opções, mas sinceramente, eu pegaria COVID por filmes melhores. Tenet não vale o tempo, Tenet não vale o risco. Não tenet entender, só caia fora.

“Eu não estou vendo o armageddon aqui..”

“Não, esse é um filme do Michael Bay. Isso aqui é algo muito mais sério. Nós estamos sob um ataque do futuro. Eles querem que nós paguemos mais dez libras pra ir ao cinema e assistir Tenet novamente. Mais um pouco se você comprar um refrigerante.”
Eduardo Cruz
Eduardo Cruz é um dos Grandes Antigos da Zona Negativa, ou sejE, um dos membros fundadores, e decidiu criar o blog após uma experiência de quase-vida pela qual passou após se intoxicar com 72 tabletes de vitamina C. Depois disso, desenvolveu a capacidade de ficar até 30 segundos sem respirar debaixo d’água, mas não se gaba disso por aí.

Ele também tem uma superstição relacionada a copos de cerveja cheios e precisa esvaziá-los imediatamente, sofre de crises nervosas por causa da pilha de leitura que só vem aumentando e é um gamer extremamente fiel: Joga os mesmos games de Left For Dead e Call of Duty há quase 4 anos ininterruptos.

Eduardo Cruz vem em dois modos: Boladão de Amor® e Full Pistola®.

2 comentários em “Crítica: TENET, de Cristopher Nolan”

  1. Assisti no sábado, não no cinema, mas no streaming piratão. (Não me orrgulho disso).
    O filme realmente joga na cara da gente um “você não sabe de nada do que tá acontecendo, sente-se e veja os efeitos”.
    Estou muito em dúvida se esse é o pior filme do ano ou da década.
    Nolan… por que? POR QUE?

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    • Cara, admito que quando me revoltei o suficiente pra fazer essa crítica-desabafo, depois que terminei e li, pensei que fosse aparecer um monte de haters, mas tanto aqui nos comentários quantos nas redes sociais quanto em conversas privadas com amigos e conhecidos que já assistiram, o sentimento que predomina é esse nosso mesmo, de se sentir desamparado pelo Nolan. Acabou o amor hahahahaha!!!

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