EDITORIAL: O fim de Hellblazer no Brasil

John Constantine me segue há muito tempo. Como uma maldição. Todo leitor desse nicho Vertigueiro das HQs adultas sabe como pode ser perigoso ser amigo desse cara, mas eu tenho andado lado a lado com o mago inglês há bastante tempo. E ainda estou aqui. E ao que parece, estamos chegando no final do passeio.

Mas voltemos às Origens do meu hábito perigoso: Lááááá no longínquo ano de 2000, 2001, há uma vida atrás, conheci a revista Vertigo, que era um mix que introduziu as histórias adultas do selo da DC no Brasil. Sem dúvidas uma revista que deixou saudades (durou apenas 12 edições), mas entre tudo que era publicado ali, uma série se destacava: John Constantine: Hellblazer. Fui fulminado pelo fato até então inédito pra mim de que aquele inglês debochado e insolente que aparecia nas histórias do Monstro do Pântano tinha uma revista só dele. Fiquei Assombrado com a idéia e PRECISAVA conferir isso…

Uma edição número 1 mais importante que a Action Comics #1 (pra mim heheheh)

E estamos falando de alguns anos antes do filme estrelado por Keanu Reeves, que popularizou o personagem entre os não leitores. Hoje em dia, sua prima que não lê HQs mas curte filmes de terror já ouviu falar de John Constantine, quem ele é (ou pelo menos como ele foi apresentado no cinema, com suas divergências em relação ao material original, mas ainda assim…) ou o enredo de seu arco de histórias mais marcante, que pra mim em particular foi a porta de entrada pra esse pandemônio todo, a história Hábitos Perigosos. Ali eu fui fisgado. Eu estava Condenado. Minha alma estava condenada, e como todos os fantasmas dos infelizes que acabaram encontrando um fim trágico apenas por serem amigos de John, lá fui eu seguir o patife inglês e suas andanças, suas tretas e mutretas em cima do Inferno, sempre se safando por um triz. Ou nem sempre. A questão é que, pelo menos para mim, Hellblazer marcou uma ruptura, uma percepção de que revistas em quadrinhos não eram apenas super heróis em roupas coloridas e tramas repetitivas. Eu tinha descoberto uma zona cinzenta onde as histórias genéricas de heróis acabavam e algo mais vasto começava a se revelar pra mim. Vasto como o céu… e o Inferno.

MEU HÁBITO PERIGOSO

A avidez por boas histórias era tão grande que a gente nem ligava pra bagunça editorial: Editoras de fundo de quintal publicavam as histórias fora de ordem, com tradução sofrível, e ainda por cima você corria o risco de levar spoilers sem querer de tão fino que era o papel usado nas revistas…. em suma, não era uma tarefa muito fácil ou grata ser leitor de Hellblazer no Brasil. Era Infernal. Mas eu ia atrás mesmo assim, porque já estava Amaldiçoado mesmo. Nessa baderna pra correr atrás do que já tinha saído do título aqui, posso dizer que vivi uma aventura: Para completar minha coleção fui até as partes mais longínquas do meu entorno, da Taquara à Tijuca, passando por Ipanema, Madureira, Duque de Caxias, Méier e não me lembro mais onde. Não tinha comic shop ou sebo livre de um ataque surpresa impelido por minha voracidade por mais e mais Hellblazers heheheh. E estamos falando de um tempo em que a Internet era tudo mato. Aprendi a andar por quase todo o Rio de Janeiro, fiz amigos, alguns próximos até hoje, aperfeiçoei enormemente minha fluência em inglês quando finalmente tive acesso às scans da HQ (mas mesmo assim comprei as revistas hein! Digam não à pirataria, molecada! 🤭🤭🤭), tive minha curiosidade impulsionada para os mais diversos assuntos que a HQ abordava, sejam eles filosóficos, políticos ou de…. magia mesmo heheheh. Não foi só uma coleção, foi uma vida sendo vivida e pra onde eu ia, tinha (pelo menos) uma John Constantine: Hellblazer na mochila me acompanhando rs.

One more to go…

Avancemos mais uns anos, mais precisamente 2011, quando eu quase caí pra trás ao entrar na minha banca de costume pra ver as novidades e me deparei com o ambicioso projeto de publicação da Panini: a editora tinha a intenção de publicar TODAS as 300 fuckin’ edições de Hellblazer em ordem cronológica, e organizada pelas fases de cada roteirista que já havia passado pela revista! Belzebu seja louvado!

Uma imagem que define a perfeição?

… ou alguém achou que o ‘Shazamstantine’ foi uma boa idéia?

Com uma média de 6 ou 7 edições por encadernado, eu nem sonhava (e acho que vocês também) em ver isso completo até o final, pela longevidade da série. O macaco velho aqui viu meia dúzia de editoras tentarem e não bater nem um terço disso, então apesar da vontade, sempre fui pessimista com relação ao êxito da coisa, mesmo comprando assiduamente. Acreditei sem acreditar. Talvez tenha aprendido a ser cínico assim com o Constantine rs. Nove anos depois e cá estou celebrando nesse post o improvável feito Demoníaco realizado. Uma marca incrível. E mais incrível ainda é a coleção chegar ao final sem (muitos) erros abomináveis, daqueles que a Panini vem cometendo em suas publicações. Erros diversos, que vão de cagadas na diagramação até balões de fala em branco e outros horrores que crescem proporcionalmente aos preços cobrados pela editora, cada vez mais extorsivos. Nem o Sandman do Gaiman escapou das atrocidades cometidas pela constante falta de revisão da editora. Mas talvez as bênçãos de alguém maior estivessem sobre a publicação, porque deu tudo certo na publicação de Hellblazer. Até aqui nos ajudou Nergal heheheheh.

Constantine pagando um rabo de galo pro Alan Moore…

A SAIDEIRA ANTES DO PUB FECHAR

Eu sei, sei que queimei a largada e que deveria ter soltado esse desabafo quando finalmente saísse o último volume que falta ser publicado, mas escrevo a partir do momento em que a minha ficha sobre tudo isso caiu, logo que peguei o encadernado A Peste, penúltimo volume, nas mãos. Preferi não deixar a emoção se dissipar ao longo do tempo que vai levar entre esse momento e quando de fato o último volume será lançado, volume que, aliás, já até está em pré venda, oficializando assim a conclusão da série mais longeva que o (falecido) selo Vertigo já produziu. Acho que já cabem as despedidas aqui. E é aqui que eu me despeço da revista que me fazia parar todas as outras leituras que eu estivesse em mãos para priorizá-la. A revista que eu mais acompanhei sem abandonar, em fases ótimas e em fases marromeno. A revista que, junto de Monstro do Pântano (fase do Alan Moore) eu considero um resumo geral do que eu aprendi a gostar em HQs nessa fase da vida. A revista que apesar de finalizada há anos lá fora, só concretizou seu encerramento aqui no Brasil agora, nessa reta final da fase Peter Milligan frente à publicação. Foi uma viagem dos infernos…

O penúltimo!

A publicação de Hellblazer integralmente no Brasil é o fim de um ciclo que dura quase 30 anos, e quem viveu essa época recebe essa finalização com um sabor diferente que conheceu e acompanhou já nas edições da Panini. Foram vinte anos cultivando o hábito de passar nas bancas, fazer amizade com os donos de bancas, conhecer outras pessoas que se interessavam pelos mesmos assuntos, algumas práticas que não existem mais no mundo atual, por vários motivos e fatores, inclusive com relação à distribuição e vendas das revistas em quadrinhos, cada vez mais relegadas ao comércio via web e menos às bancas de jornal. A coleção se fecha e coincidentemente (Se bem que John diria que não existem coincidências, tudo é a sincronicidade em ação heheheh) nesse mesmo momento o modelo pelo qual os leitores adquirem suas HQs tem se modificado também. Agora que fechei uma das séries mais relevantes já publicada, o que fica são as memórias e as releituras que estão por vir, a melhor parte de ser um colecionador…

O controverso fim da linha. Você curtiu o final de Hellblazer? Comenta aí!
Trilha sonora do post, com o Constantine da vida real rs

P.S.: Ah, e só pra constar: Depois de vinte fuckin’ anos lendo Hellblazer não virei um fumante! Então já sabe onde mandar enfiarem aquele argumento quando alguém vier com a lenga lenga de que John Constantine é um personagem que faz apologia ao tabagismo, né? Se bem que acender um cigarro na cara do Diabo e soprar uma fumacinha bravateira é uma puta tiração de onda, vá…

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Eduardo Cruz
Eduardo Cruz é um dos Grandes Antigos da Zona Negativa, ou sejE, um dos membros fundadores, e decidiu criar o blog após uma experiência de quase-vida pela qual passou após se intoxicar com 72 tabletes de vitamina C. Depois disso, desenvolveu a capacidade de ficar até 30 segundos sem respirar debaixo d’água, mas não se gaba disso por aí.

Ele também tem uma superstição relacionada a copos de cerveja cheios e precisa esvaziá-los imediatamente, sofre de crises nervosas por causa da pilha de leitura que só vem aumentando e é um gamer extremamente fiel: Joga os mesmos games de Left For Dead e Call of Duty há quase 4 anos ininterruptos.

Eduardo Cruz vem em dois modos: Boladão de Amor® e Full Pistola®.

2 comentários em “EDITORIAL: O fim de Hellblazer no Brasil”

  1. Foi um passeio e tanto tal qual aquela história do Jenkins em que ele coloca o leitor pra dar um rolê com o próprio Constantine! Me identifiquei bastante com essas andanças atrás de números perdidos das várias editoras que tentaram publicar e largaram no meio do caminho. Era um verdadeiro quebra cabeça pra encaixar tudo cronologicamente e a ideia da Panini de consertar isso foi muito acertada. Falta só mais um! Não vejo a hora.

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    • Fala Ray! Há quanto tempo! É aquilo que a gente vive dizendo né? Não é tanto no destino final e sim no passeio que tá a graça da parada, né? E a cada vez que a gente tirar da estante pra reler, não vai estar relendo somente a HQ, mas também o passado, sua própria vida, o momento histórico onde vc se situava quando leu aquilo, a pessoa diferente que vc era. Isso sim é agregar valor à coleção. O valor da sua vida, da sua história, àquele objeto de colecionismo. Não se trata de algo que você simplesmente tem, e sim de algo que vc incorporou à sua vida e mesclou à sua caminhada!

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