Genealogia Lovecraftiana #003: O CICLO DE YIG, de H. P. Lovecraft

“Yig era um grande deus. Ele era mau agouro. Ele não perdoava. No outono, suas crianças estariam famintas e selvagens, e Yig estaria faminto e selvagem também. Todas as tribos preparavam-se contra Yiig quando a colheita do milho chegava. Eles lhes davam um pouco de milho e e dançavam com roupas peculiares ao som de apitos, chocalhos e tambores. Mantinham os tambores batendo para espantar Yig e clamavam a ajuda de Tiráwa, de quem todos os homens são filhos, tal como as serpentes são filhas de Yig. (…). Yig é Yig. Yig é um grande deus.”

A Maldição de Yig

Lovecraft Foi um escritor que só alcançou relativo sucesso postumamente. O cavalheiro de Providence nunca realmente trabalhou um dia sequer de sua vida (por conta de sua saúde supostamente frágil), e à medida que a fortuna da família se esgotava e muitos de seus trabalhos eram recusados pelas revistas da época – falta de visão por parte dos editores aliada à falta de traquejo de Lovecraft em vender seu próprio peixe, se me perguntarem -, inviabilizando qualquer intenção de viver unicamente de sua escrita autoral, ele foi forçado a aceitar alguns trabalhos como revisor e escritor fantasma. O negócio é que, quem procurava Lovecraft com um fiapo de idéia a ser desenvolvido, acabava tendo em mãos uma história completamente original de H. P. muthafuckin’ Lovecraft! O escritor acabava por sempre se impor no papel – ei, talvez ele não resistisse a ‘melhorar’ um pouco demais as histórias – em relação a seus contratantes, que acabavam só assinando a obra mesmo. Um dos casos notáveis aconteceu com a escritora Zealia Bishop, que tinha em mente uma história de fantasma meio chinfrim que consistia em uma única frase: “Há uma colina indígena nas proximidades, e ela é assombrada por um fantasma sem cabeça. Às vezes é uma mulher”. Ela acabou recebendo uma peça da grande mitologia de monstros cósmicos Lovecraftianos, nesse caso em especial, o deus Yig, O Pai das Serpentes. Era para ser uma história bobinha e genérica de fantasmas, mas o Lovecas transformou esse embrião de idéia de Bishop em uma obra Lovecraftiana integrada aos mitos de Cthulhu. Claro que isso só foi oficializado anos após a morte do autor.

Yig é figura central em várias histórias e contos dos autores parceiros desse “Círculo Lovecraftiano”. Em um exemplo mais notório, Robert E. Howard usou Yg como entidade principal em suas histórias de Kull, O Conquistador, no Culto de Set e o relacionou com o Povo Serpente da Valúsia, inimigos de Kull. Yig é descrito como uma criatura humanóide com características de serpente (duh!), o corpo coberto de escamas, olhos vítreos e boca larga e cheia de dentes pontiagudos. Todas as cobras e serpentes são servas de Yig, ou melhor, elas são suas ‘prole’. Quando deseja punir aqueles que o desafiam ou que matam cobras e serpentes, Yig as envia aos milhares na calada da noite, ou lança sobre seus desafetos uma maldição terrível que transforma a vítima em uma abominação metade humana, metade réptil. Ler A Maldição de Yig para um herpetofóbico deve ser fatal rsrsrsrs…

Seja nas histórias originais de Robert E. Howard publicadas nas revistas pulp…
… seja na HQ da Marvel, Kull o Conquistador sempre quebrou a bunda do povo serpente cultista de Yig 🤣🤣

Além disso, O Ciclo de Yig tem uma importância fundamental dentro da obra Lovecraftiana, já que foi a primeira vez que Lovecraft viria a utilizar o recurso narrativo pelo qual ficou conhecido em histórias como A Sombra Vinda do Tempo e Nas Montanhas da Loucura: Antigas civilizações ancestrais existentes muitos antes do surgimento da humanidade, criaturas e arquiteturas bizarras, costumes estranhos, seres inomináveis espreitando na escuridão. Digamos que A Maldição de Yig é um protótipo desse artifício narrativo, tão utilizado por Lovecraft posteriormente em sua obra.

Pra variar, estas histórias eram inéditas no Brasil. Até que o povo da Editora Clock Tower (Eles de novo!) publicou esta edição com três histórias, duas de Zealia Bishop e uma de Hazel Heald, todas produzidas no mesmo esquema de ghostwriting de Lovecraft, o que equivale dizer ‘reescritas em sua quase totalidade pelo autor’. O livro é composto pelos contos:

A Colina – Um conto de Lovecraft com pegada western! A história se passa na costa leste dos EUA, longe das recorrentes Providence ou Arkham onde o autor costuma ambientar suas histórias. Indígenas de cabeça alongada, um fantasma feminino sem cabeça, reinos subterrâneos ancestrais, horrendas criaturas blasfemas, torturas e mutilações que humanos jamais seriam capazes de executar e os Grandes Antigos mostrando mais uma faceta, citações a Cthulhu… Tudo isso gira em torno de uma antiga colina próxima a um vilarejo, cercada de lendas funestas e terríveis. Como em toda boa história de Lovecraft, sempre aparece um maluco corajoso pra investigar, e as coisas não terminam em final feliz. Não há meio de quem curte, por exemplo, Nas Montanhas da Loucura não amar A Colina, sua irmã espiritual!

A Maldição de Yig – Também ambientada no oeste árido, nessa história vemos uma pegada mais Edgar Alan Poe, onde se cria uma situação que culmina na tragédia em si, com direito à revelação chocante no final, como reza a cartilha Poe de suspense. Não explora os mitos de Cthulhu como em A Colina, mas é bem gostosa de ler, justamente por remeter tanto ao Poe. Mais menções a Yig aqui, mas com escopo bem mais modesto que o conto anterior.

Vindo dos Éons – Contada do ponto de vista do curador de um museu, a história narra a chegada de uma estranha múmia ao acervo, encontrada em uma ilha não mapeada que emergiu devido à atividade vulcânica, após eras submersa. Investigando um pergaminho que foi recuperado junto com a múmia, descobre-se um pouco a respeito da bizarra época de onde a múmia veio relatado no documento, bem como quem era a múmia e como ela veio a se tornar aquilo. Logo aparecem os cultistas malucos, perigos horrendos e entidades inomináveis de praxe. Conto onde vemos a primeira menção ao Grande Antigo Ghatanathoa.

Além dessas três histórias a edição conta com um excelente prefácio de Daniel I. Dutra (que também foi o tradutor dessa edição), autor de H. P. Lovecraft – Teoria e Prática, também publicado pela Clock Tower, e uma carta de Lovecraft endereçada a Zealia Bishop.

Podemos concordar que o lançamento desse livro é um grande passo na bibliografia Lovecraftiana publicada no Brasil, não? Não houve tradução desses trabalhos anteriormente por aqui, o que fez dessas histórias algo um tanto obscuro até para os aficionados do nicho. Pra quem é como eu e quer ler simplesmente TUDO dos Mitos de Cthulhu, esse livro é pra glorificar de pé. YG SEJA LOUVADO!

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Eduardo Cruz
Eduardo Cruz é um dos Grandes Antigos da Zona Negativa, ou sejE, um dos membros fundadores, e decidiu criar o blog após uma experiência de quase-vida pela qual passou após se intoxicar com 72 tabletes de vitamina C. Depois disso, desenvolveu a capacidade de ficar até 30 segundos sem respirar debaixo d’água, mas não se gaba disso por aí.

Ele também tem uma superstição relacionada a copos de cerveja cheios e precisa esvaziá-los imediatamente, sofre de crises nervosas por causa da pilha de leitura que só vem aumentando e é um gamer extremamente fiel: Joga os mesmos games de Left For Dead e Call of Duty há quase 4 anos ininterruptos.

Eduardo Cruz vem em dois modos: Boladão de Amor® e Full Pistola®.

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