“A viagem dura séculos, anos ou segundos, o tempo não é mais uma escala humana. Sloane tocou um objeto construído pelos deuses, e, por isso, também se tornou parcialmente um deus. Seus olhos, já tingidos por um vestígio de loucura, assistem ao desfilar de universos em caudas de cometas brilhantes.”
É o seguinte, vou logo avisando: Esse post está recheado de imagens. Porque NÃO TEM COMO falar de Lone Sloane sem passar batido pela arte. Aliás, no caso de Lone Sloane, a arte é que bate no leitor. Bate rápido e dá uma brisa forte! Essa coisa acachapante é uma experiência sensorial intensa e esse trabalho, também adianto, faz jus a toda a sua fama e expectativas! Mas antes de falar da obra, precisamos situar a importância do autor nessa zorra toda. Pra quem ainda não conhece, Philippe Druillet, nascido em Toulouse, França, em 1944, é um artista crucial na história das bandes dessinées franco-belgas, e apresentou Lone Sloane ao mundo em 1966 com Le Mystère des Abîmes, onde desenvolveu suas pirações e temas, além de extravasar suas influências, entre elas – vejam só vocês! – seu escritor favorito: H. P. Lovecraft! Posteriormente Druillet ainda seria responsável pela arte de capas de republicações de livros do Lovecraft, bem como diversos pôsteres de filmes.
Mas foi em 1974 que Druillet ajudou a fazer História: Junto a Moebius, Bernard Farkas e Jean-Pierre Dionnet, fundaram a editora Les Humanoïdes Associés, onde publicaram a fundamental Métal Hurlant, que seria conhecida no restante do mundo como Heavy Metal (não confundir com a publicação homônima da Editora Mythos!), simplesmente a maior revista de Ficção Científica e Fantasia já publicada. Além de ilustrar cartazes de filmes, capas de discos e pin ups, Druillet enveredou pela fotografia, arquitetura, música, pintura, escultura, computação gráfica… Enfim, um legítimo homem renascentista!
Mas voltando ao personagem recorrente mais notório de Druillet: Lone Sloane é uma das grandes sagas de ficção científica produzidas na França oriundas do luxuriante período dos anos 60 e 70, de onde saíram outros clássicos como a Barbarella de Jean-Claude Forest ou A Saga de Xam de Jean Rollin. Aqui acompanhamos as viagens interestelares de Sloane, um explorador cósmico que é dotado de poderes místicos por entidades de poder incomensurável que desafiam o entendimento (Alôu Lovecraft!). Esse novo Sloane overpower agora explora a vastidão cósmica como um Ulisses da Era Espacial, tretando com piratas do espaço, tiranos, monstros, dragões, piratas espaciais, tudo passando por tramoias e conspirações, onde todos almejam manipulá-lo ou tomar seu poder para si.
A trama pode parecer até bem simples – e é mesmo! – mas o grande diferencial parece ficar é por conta da execução artística da HQ, altamente experimental em sua proposta: Além da arte grandiosa e viajante, experimentações com fotografias e outros recursos largamente usados para dimensionar a HQ ao escopo cósmico de sua trama, a experiência de leitura em si é uma piração! O sentido da leitura muda constantemente a cada página, e em alguns trechos mais de uma vez em uma mesma página, a cada quadrinho, então não se espante se tiver que começar a GIRAR o gibi para conseguir lê-lo! Isso, somado ao formato gigante da HQ e à sua lindíssima capa cromada vão garantir seu posto de maluco do busão ou do metrô FÁCIL!
A arte lisérgica ao extremo pode causar estranhamento a uma galera mais acostumada com os gibis mainstream contidos de hoje em dia, mas o que dá pra se esperar de um cara que dividiu estúdio com Jean Fuckin’ Moebius Giraud??? Ao que parece, os caras tomavam ácido e iam desenhar gibis, poha! A trip ficou toda registrada em trabalhos como A Garagem Hermética ou Lone Sloane. Esse bando de artista que se entope de droga faz uns negócio bonito demais (lá em Paris. Aqui é tudo VA-GA-BUN-DO!). De encher os olhos. Druillet é o arquiteto grandioso de arcologias e estruturas arquitetônicas tão belas quanto impossíveis, o que lhe rendeu o apelido de ‘Arquiteto Espacial‘. A influência de Druillet é forte através do multimídia e se faz sentir na obra de cineastas como Ridley Scott, George Miller, John Landis e George Lucas, que inclusive já chegou a agradecer publicamente ao artista pela inspiração no desenvolvimento de Star Wars. Entre as muitas premiações de Druillet consta o Grand Prix de la ville d’Angoulême, a maior honraria dos quadrinhos europeus.
Finalmente pude comprovar a relevância histórica desse material, essencial tanto para leitores de ficção científica quanto para os fãs dos belíssimos e rebuscados quadrinhos europeus (ou só pra quem se amarra em uma piração forte mesmo), Lone Sloane é mais uma daquelas obras que demoraram MUITO para chegar ao Brasil, mas o tratamento dado a esse clássico pela editora Pipoca e Nanquim compensou a espera: Em formato grande (20,5 x 27,5 cm), essa edição vem com uma capa metalizada (SHINY AND CHROME!!!) estupenda e compila os álbuns Les 6 Voyages de Lone Sloane, Delirius, Gail, Chaos e Delirius 2, o que torna esse petardo aqui uma edição integral! É isso mesmo que você ouviu! Lone Sloane está COMPLETÃO nessas 340 páginas!!!
Um épico cósmico que não deixa nada a dever ao Incal de Jodorowsky ou a já citada Saga de Xam, e também foi influência clara em bastiões da cultura pop como o próprio Star Wars, Lone Sloane é uma leitura cativante e acima de tudo visualmente imponente e arrojada, que por vários momentos foge dos clichês e soluções fáceis nas quais o gênero às vezes escorrega.
As edições do Pipoca e Nanquim são caprichadas e exuberantes, e me pergunto onde esse book porn vai parar, porque o acabamento desse aqui foi acima da média heheheheh…
Curtiu essa resenha? Então siga essa Zona nas redes sociais e não perca nenhum conteúdo! Textos todas as terças e quintas.
Instagram: @zonanegativa2014
Facebook: Zona Negativa
Site: zonanegativa.com.br