Mais uma sonhadora.

No meio desse caos em que nos encontramos no momento, finalmente algo de bom aconteceu em minha vida. Hoje, dia 30 de Maio de 2020, minha filhinha nasceu. Todos sabemos que essa é uma fase que requer muito cuidado e atenção, então talvez meu ritmo de resenhas e leituras infelizmente diminua um pouco (mais), mas não se preocupem, leitores da zona negativa, preparei um texto para vocês sobre esse momento.

Quando descobri que me tornaria pai comecei a analisar a forma a educação que meus pais me deram e ver os pontos positivos e negativos dela. Houveram muitos erros e muitos acertos, mas como qualquer pessoa normal, nós tendemos a focar mais nos erros, pois são mais explícitos e, infelizmente, praticar gratidão é um item em falta na humanidade em geral. Na minha primeira década de vida eu já tinha vontade de ser pai e já sabia exatamente o nome da minha primeira filha, Pietra. E sempre que meus pais cometiam um erro comigo, um pensamento era sempre presente: “quando eu for pai, não vou repetir isso na educação dos meus filhos.”. Na minha cabeça, isso era um pensamento inovador, ninguém nunca havia pensado nisso, porque era notável até para uma criança tão nova quanto eu naquele momento que erros graves eram repetidos pelos filhos, mesmo que esses não os achassem corretos. Bem, só me faltava uma visão mais ampla (ou mais amigos) para que eu soubesse que esse era um pensamento completamente corriqueiro e que era extremamente difícil de se realizar. (vide o que acabei de citar aí em cima sobre os mais jovens repetirem os erros das pessoas mais velhas, etc).

“Ok, parabéns pela sua paternidade, mas o que isso tem a ver com quadrinhos?”- Você me pergunta. Olha, tendo em vista a forma com que eu fui educado, tem muita coisa a ver com quadrinhos. Não de uma forma positiva nem nada, muito pelo contrário. Minha ‘carreira’ de colecionador sofreu muitos altos e baixos envolvendo minha família. Principalmente minha mãe, que detesta esta forma de literatura e sempre me tentou convencer de que ler ‘livros de verdade’ (aqueles sem imagens e só com textos, sabe?) era a única maneira positiva de consumir literatura e que aquelas revistinhas baratas só me faziam ficar burro e infantil. Isso sem contar o que ela acha da minha carreira no teatro… Já passei da minha fase de rebeldia e portanto não bato mais de frente com minha mãe, pois sei que esses pensamentos que estão na cabeça dela não vão mudar e que tentar abrir a cabeça dela só vai gerar atrito, então atualmente eu só ignoro. Mas o que ela diz e pensa está errado.

Ok, quadrinhos sempre foram uma fonte de entretenimento barato da mesma forma que são completamente marginalizados culturalmente, mas não há como negar que dentro dessas páginas coloridas cabe um mundo inteiro. Com sua identidade, regras, qualidades e defeitos. Dessa forma é normal que as pessoas mais antigas realmente os vejam com maus olhos, mas e quanto a nós, leitores de quadrinhos? Nós estamos prontos para entender que ler quadrinhos não é algo negativo? Ou essa influencia pegou na gente, mesmo que sejamos leitores. Sei que provavelmente você vai me responder mentalmente que não acha que HQs sejam uma forma infantil de entretenimento. Mas eu te pergunto: Você já sentiu vergonha por ler certos títulos em público? Já enjoou de ler sobre super seres, pois o universo deles é pouco crível e muito fantasioso? Por que?

O que as pessoas acham e falam sobre quadrinhos ou sobre maturidade não correspondem a uma realidade para mim e espero que não seja mais para você após esse texto. Ou que pelo menos eu consiga te fazer refletir um pouco pelo menos. Afinal, o que é ser maduro? Ser maduro é não fazer brincadeiras? Não rir? Não se divertir? Não sonhar? Isso para mim soa mais como uma morte em vida do que como um amadurecimento. Historinhas coloridas podem ser a roupagem mais sutil para que assuntos mais complexos e sérios sejam apresentados às pessoas. Sim, às pessoas num geral, não só para os jovens. Quando ficamos velhos, começamos a acreditar que qualquer assunto, por mais doloroso que seja, se torne mais fácil de consumir, mas não. Não precisamos nos tornar insensíveis para ser maduros também. Não há a necessidade de perder nossa pureza em prol de um amadurecimento. Amadurecer significa ter responsabilidades, ter compromissos, ter prazos. Mas nunca, em lugar nenhum está escrito que devemos parar de sonhar. Claro que não podemos ter a cabeça nas nuvens, mas nada nos impede de olhar para cima e imaginar como seria se nossos amados personagens passassem voando pela gente. Como o mundo seria melhor, para nós e para nossos filhos, netos, bisnetos… Não deixe de sonhar, mesmo que as contas te apertem contra a parede. Não desista mesmo nas situações em que o mundo parece estar sendo invadido por uma raça hostil. Nós podemos não ter poderes especiais, mas temos nossa imaginação, que é como um músculo e deve ser sempre exercitada a fim de evitar uma atrofia. E mais que isso, quando tivermos a oportunidade de educar crianças (nossas ou não), devemos estimular para que eles consigam ter uma imaginação maior e melhor que a nossa, para que talvez um dia, uma boa história passe a valer mais que qualquer riqueza no mundo. Sei que não podemos deixar solto demais, mas tudo tem sua hora. Precisamos amar as crianças pelo que elas são, e não pelo que nós queremos que elas se tornem. Afinal, crianças valem muito mais que os ditos ‘adultos maduros’, nelas podemos ver sinceridade, amor, compaixão e vários outras qualidades que sempre buscamos para nossas vidas.

Planetary #17 (Ellis & Cassaday, Panini)

Minha filha nasceu hoje e é linda, espero ser um bom pai para e que eu consiga educá-la da melhor forma possível. Sei que quando fazemos planos, a vida ri da nossa cara e faz de tudo para que nada daquilo dê certo, mas que mesmo assim, eu tenha imaginação para usar o que me for dado da melhor forma possível. E assim, mais uma leitora imaginativa, sagaz e feliz possa usufruir desse mundo cheio de histórias para criar, ler e viver.

Seja bem-vinda ao mundo, Pietra!

João Garaza
Bacharel em publicidade, ator, diretor e escritor que não se destaca em nenhuma dessas áreas.
Garaza tem um senso de humor exótico. (Algo entre tio sukita e pessoa que devia estar internada) Começou a ler HQs em 2006 e desde então acumula pilhas e mais pilhas de celulose superfaturada.
Fã do Capitão América, Deadpool, Batman e Lobo. Apreciador de autores e histórias despretensiosos.
Gosta também de passeios ao pôr do sol, andar de mãos dadas e está a procura de um novo amor. Joga a foto pra direita pra gente dar match!
;)

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