CONTOS DA ZONA: Os Fluminenses – O Cozinheiro de Duque de Caxias

José Carlos Batalha, Joca para os íntimos, seguia no sacolejar do trem. Entre o som do aplicativo de Streaming e o barulho que o gigante de metal produzia ao passar sobre os sulcos do trilho, pensava, que mesmo atrasado, estava consideravelmente confortável dentro do vagão, coisa rara no ramal Gramacho, ainda mais na segunda feira.

Um vendedor ambulante passeava entre os vagões anunciando café e chocolate quente a bagatela de um real. Isso levou Joca a pensar sobre a dualidade de sua vida. “Mas como assim Joca?” indagou sua mente em voz de locutor de anúncio de filmes vespertinos. Para responder tal pergunta, o nosso protagonista recorreu as lembranças do final de semana.

Após uma semana intensa de trabalho em um importante escritório que oferece apoio jurídico a uma autarquia, Joca chegava em casa. Ao sentar-se no sofa, após afrouxar a gravata e tirar os sapatos, recebera um caloroso abraço de sua filha, respondendo com um ósculo na testa da infante.

– Mamãe disse que você vai fazer hamburgueres pai. – disse a menina.

– Sim minha filhotinha – respondeu o José Carlos surpreso devido a menina a usar o plural correto, afinal ele mesmo pecava e muito na gramática, e continuou – Vai separando os ingredientes que eu já chego lá na cozinha.

Joca partiu para o quarto, encontrou sua esposa assistindo telenovela, deu-lhe um sorriso sincero, seguido de um beijo longo. Logo se livrou dos trajes formais, se afundou em uma camisa larga e batida do supercara que cheirava a amaciante, colocou uma cueca confortável que o deixava “solto” e um short por cima. Calçou seus chinelos e se dirigiu a cozinha.

Clarinha tinha arrumado sobre o balcão todos os ingredientes para o hambúrguer mágico de seu pai. Carne moída, cebola, páprica defumada, sal, pimenta moída com cominho e semente de coentro. Uma pilha de queijo prato estava amontoado ao lado dos pães, que pela macies tinha sido fabricado no mesmo dia.

– Perfeito! – exclamou Joca.

Após lavar as mãos, sem pudores as enfiou na carne moída, misturando-a aos ingredientes. Ria sozinho enquanto lembrava que uma amiga do trabalho tinha o dito que para dar consistência a carne, usava farinha de aveia, instantaneamente de sua mente escapou um pensamento pelos lábios, “besteira! O que precisamos é uma chapa quente”.

Após toscamente dar forma aos hambúrgueres, os contemplou. Agora estavam amontoados em um prato raso. Pensava que para cozinha o que realmente importava era o sabor, e não a forma como era apresentada a comida. Untou a frigideira com manteiga e foi fritando um a um de forma individual.

Clarinha gostava de seu hambúrguer bem passado, Joca e sua doce Paula ao ponto. Após ter fritado todas as carnes agora montava caprichosamente cada sanduíche. Serviu as meninas no sofá. Paula deu uma mordida no hambúrguer, e sentiu o queijo esticar entre o pedaço que estava na boca e o hambúrguer. Mal tinha acabado de engolir o pedaço, quando elogiou “meu amor, como sempre uma delícia!”.

Joca cozinhava, sem esperança de paga ou recompensa, apenas pelo sorriso e prazer de sua família, além do prazer pessoal em fazer algo que realmente gostava.

E assim passou o restante do final de semana. Feijão vermelho carregado de carnes que aprendeu com uma amiga capixaba, angu a baiana, porco ao molho de cerveja. A doce lembrança o lembrou de quem era, mas mais uma vez estava alí entre um sacolejar e outro. Com um terno de corte fino, todo alinhado. A sua vestimenta custava mais caro que o salário de muita gente ali, gastava tanto dinheiro com isso, por um padrão imposto pelo trabalho que não lhe dava prazer, que nessa segunda feira, véspera de pagamento, já não tinha um real para comprar o cheiroso café que incensava o vagão.

Nesse momento, Joca estava preso na dualidade do status, tinha o suficiente para exibir, e nada para lhe fazer feliz, nem um mísero real para tomar a porra de um café para aturar aquela gente chata. Puta que o pariu!

Foto de Capa: Zoli Gy

Eduardo Cruz (@eduardo_cruz_80)

Contos da Zona são histórias escritas pelos membros da Zona Negativa, com o objetivo de expandirem a produção de conteúdo para além das resenhas. Assim sendo, esperamos proporcionar boas experiências de leituras e reflexões. Deixe seu comentário 😉

Jessé Ofício Do Amor
Quem eu sou interessa menos que meus textos, pois em essência, eu sou o que eu escrevo. 27 anos é a minha idade, pois os bons se foram nela, mas o melhor nos deixou aos 33. Com sorte, e se deixarem, eu chego lá também.

Você deve estar confuso a eu fazer uma referência ao cristianismo lendo essa pequena autobiografia, mas cristão de fato eu sou, com todos os meus pecados e os tormentos que escrevo aqui. Mas sou diferente dos convencionais que são respeitáveis publicamente e intimamente, mas que representam o próprio satanás. Eu escrevo coisas normais, que por mais que pareçam sujas, são humanas e verdadeiras.

Um último aviso: Eu não consigo escrever nessa parafernália eletrônica, que até mesmo Neil Gaiman elevou ao status de divindade, por isso só estou publicando agora porque esses degenerados que se afeiçoaram a mim fizeram a caridade de me transcrever aqui.

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