“Você é um ser frustrado… E um ser frustrado, dotado de poder, é perigoso.“
Viviane, Grande Dama de Avalon.
Rei Arthur, Excalibur, Merlin, Avalon… Certamente todos vocês já leram, assistiram ou ouviram alguma versão deste conto. A antiga história do continente europeu já foi contada e recontada de inúmeras formas e muitas delas recheadas de misticismo e fantasia. Porem nenhuma delas está tão arraigada dentro da cultura pop, e clássica, quanto a lenda do Rei Arthur e sua Excalibur. Filmes, livros, quadrinhos, animes, poemas… Nenhuma mídia escapou de possuir uma versão desta narrativa de poder, religião e política. Claro que em cada versão um destes aspectos fica mais evidenciado do que os demais. No caso de Crônicas de Excalibur esse destaque vai para a política, numa enredo no qual podemos fazer inúmeros paralelos entre o nosso atual cenário contemporâneo e essa versão fantástica da história do velho mundo.
A história começa nos apresentando duas personagens muito importantes. A primeira é a própria espada lendária que dá nome a obra, Excalibur. Ela é entregue a Merlin diretamente pela segunda personagem, uma das facetas da Grande Deusa. O conceito de Deusa-mãe, ou simplesmente A Deusa, é personificado de maneira distinta em cada uma das culturas antigas. Até mesmo no cristianismo, com sua centralidade na figura masculina do deus criador, tem sua versão na Virgem Maria. Aqui a representação é a Dama do Lago, essa que compartilha a mesma simbologia ligada a água doce que Oxum, grande senhora dos rios, da beleza e do poder feminino na religião yoruba. Essa primeira cena não está ali por acaso. Ela nos indica logo de cara um fator importante nessa narrativa: O poder e o papel das mulheres nessa história.
Logo após o encontro de Merlin com a Dama do Lago, conhecemos a esposa de Merlin na história, Viviane (sim, aqui Viviane e a Dama do Lago são personagens distintas, mas Viviane ainda é a Grande Dama de Avalon e mãe de Igraine). Extremamente sábia, fica claro que grande parte da sabedoria do velho mago se deve a sua amada e que quando ele tem dúvidas é ela que o socorre. Também conhecemos Uther, pai de Arthur e grande guerreiro bretão, porém pouco sábio para lidar com os planos do ambicioso Merlin de reunir todas as tribos numa grande nação e trazer paz e prosperidade as terras de Bretanha. E essa falta de sabedoria de Uther é o que pode trazer a ruína a esse grande sonho, afinal de contas as coisas não estão nada boas por essas bandas…
No momento em que se passa nosso primeiro arco, as terras da Bretanha sofrem com inúmeros conflitos, tanto internos com os próprios autoproclamados reis que não se entendem, quanto com invasores saxões, pictos, entre outros. Todo esse conflito ainda é inflamado por uma guerra religiosa entre os pagãos e os sacerdotes, grandes detentores da verdade que tem como objetivo converter todos os povos ao Cristianismo. Aqui os sacerdotes são representados pela figura de Patricius, um bispo de Roma na ilha de Bretanha que tem como objetivo pessoal acabar com Avalon e por consequência com os velhos costumes e crenças druídicas. A cultura das Damas de Avalon vem de séculos e elas tem uma grande influência sobre os grandes líderes. Esse espaço na cultura pagã incomoda os líderes cristãos que querem eliminar a “concorrência”. Qualquer semelhança com a realidade NÃO é mera coincidência…
Em meio a todo esse cenário uma personagem muito conhecida da cultura pop rouba a cena, a bruxa Morgana. Retratada ainda em sua infância, já se mostra uma personagem ímpar e agrega demais ao quadrinho com sua personalidade forte e resiliência precoces. As mulheres definitivamente são o ponto alto da história. Viviane, Igraine, Morgana e Ellin são mulheres fortes e incríveis puxando sempre o fio da história da melhor maneira possível.
Jean-Luc Istin (Elfos) mostra um bom domínio do roteiro, sem barrigas e bem cru, como é esperado de uma história desse tipo. Os diálogos são bem construídos e as personalidades dos personagens são bem delineadas. A abordagem dele sobre a cegueira religiosa comum desde tempos imemoriais é bem plantada nesse início da história. A arte de Alain Brion é um espetáculo. Algumas páginas poderiam ser molduradas e vendidas como quadros. As paisagens são muito bem detalhadas, os fortes e castelos são feitos com perfeição. Um prato cheio pra quem curte uma arte mais bem trabalhada, de encher os olhos. Por ser um título Gold Edition da Mythos, é uma obra que vai pesar um pouco no seu bolso, mas se você puder adquirir, não vai se arrepender. Crônicas de Excalibur é uma hq deslumbrante e forte candidata a estar no meu Top 10 desse ano.
Editora Mythos
Capa dura, edição de luxo, 132 páginas. R$ 89,90
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