Resenha Relâmpago: GIDEON FALLS VOLUME 1 – O CELEIRO NEGRO

Jeff Lemire, como boa parte dos roteiristas de sua geração e também da anterior, é um grande fã da série Além da Imaginação. Isso fica claro após a leitura de Soldador Subaquático, onde esse fato também é apontado por Damon Lindelof (cocriador de Lost) no texto introdutório daquela edição. Lendo Gideon Falls percebe-se que quando se trata de evocar a série de tv criada por Rod Serling, Soldador Subaquático foi só um aquecimento frente ao nível de escrita apresentado em Gideon Falls. Com diálogos dinâmicos e ágeis, boa utilização de recursos narrativos, personagens interessantes e extremamente reais aliados a uma boa condução da trama, que dosa perfeitamente os vários mistérios ali contidos, Lemire nos mostra com autoridade que tem controle total sobre a história que quer contar.

A cidadezinha de Gideon Falls, que poderia facilmente se localizar na Twilight Zone, é um dos personagens centrais na história e carrega aquela fachada de lugar pacato que esconde segredos sombrios que desafiam a sanidade de quem ousa investigá-los. Tem uma atmosfera psíquica particular, influenciando diretamente o ambiente e o comportamento dos seus habitantes e mais ainda daqueles que tiveram contato direta ou indiretamente com o celeiro negro, uma estrutura sobrenatural que aparece e reaparece ao longo dos anos, trazendo morte, loucura e desaparecimentos inexplicáveis. Norton, um jovem recluso, órfão e sem memórias de sua infância, lida com transtornos mentais e sonhos recorrentes sobre o celeiro negro. Com isso, torna-se obcecado em investigar pistas ocultas sobre o celeiro, convencido de que estão espalhadas na cidade juntamente com o lixo. Já o Padre Wilfred chega a Gideon Falls para substituir o padre anterior, morto em circunstâncias misteriosas. Enviado a contragosto pelo Bispo, Padre Wilfred enfrenta uma grande crise de fé, problemas com álcool e um passado que o acorrenta. Logo ao chegar na cidade é engolido pela atmosfera psíquica voltada ao celeiro, presencia horrores e começa a questionar tudo a sua volta. Em jornadas distintas, mas não muito diferentes, ambos se aliam a outros personagens que também já tiveram suas vidas tragadas pelo celeiro negro.

Elogiar a arte do Andrea Sorrentino chega a cansar, de tão repetitivo aqui na Zona. Dono de um traço tão característico quanto belo, em Gideon Falls oferece páginas incríveis com enquadramentos complexos e uma narrativa ousada, fora do convencional e estruturalmente magnífica, aliada as cores do excelente e multipremiado Dave Stewart. Em trabalhos anteriores, Sorrentino já nos brindava com esse tipo de narrativa, mas Gideon Falls é um refinamento de todo esse trabalho que o artista vem desenvolvendo e tornando característico ao seu traço, vide a cena em que o personagem Norton entra em estado de hipnose. Exatamente como Lemire, que vem refinando sua escrita gradativamente nos trabalhos autorais já a algum tempo. É notório que ambos atingiram o ápice em seus processos criativos e Gideon Falls é a prova concreta disso. A parceria roteiro/arte entre os dois flui melhor a cada trabalho e o potencial para firmarem uma dupla criativa digna das grandes duplas criativas que os quadrinhos já viram é verdadeiro. E isso manteria Lemire só nos roteiros e longe da prancheta, o que seria uma ótima notícia para todos nós.

Editora Mino
Compila as edições 1-6 de Gideon Falls
Capa dura, 160 páginas, R$79,90

Reinaldo Almeida Jr
Reinaldo Almeida Jr, também conhecido como Ray Junior, é narrador de RPG, leitor inveterado e um apaixonado por quadrinhos que anseia fundar seu próprio clube da luta de cultistas a deuses lovecraftianos, viajar pelo multiverso em busca de suas outras versões de terras paralelas para lhes contar que nada é verdadeiro e tudo é permitido, dando início a revolução invisível que nos elevará a quarta dimensão.

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