Resenha Relâmpago: HELLBLAZER: ASSOMBRADO VOLUME 1 – A MULHER ESCARLATE

Antes de começar a falar sobre as primeiras histórias de Warren Ellis à frente de Hellblazer precisamos nos ater a dois importantes conceitos que estavam em voga em Londres nos anos 90: A Psicogeografia e a Teoria da Deriva, oriundos do movimento artístico revolucionário dos anos 50-70 chamado Internacional Situacionista. A Psicogeografia analisa as interações entre humanos e o contexto urbano e avalia os efeitos ambientais no comportamento afetivo, perceptivo e cognitivo do indivíduo. Já a Teoria da Deriva, de autoria do pensador situacionista Guy Debord, é um procedimento de estudo psicogeogáfico em que uma pessoa ou grupo se lança à deriva no ambiente urbano criando seus próprios caminhos, deixando-se conduzir através de um mapa cognitivo particular, observando as reações emocionais que ruas, esquinas, bairros e a arquitetura lhes proporciona, visando desconstruir a cartografia, estreitando nosso relacionamento com o meio urbano, transformando-o em um espaço onde todos são agentes construtores e a cidade um espaço para libertação do ser humano.

Trazendo esses conceitos de forma bem sutil e brilhante para seu primeiro arco de Hellblazer, Warren Ellis destaca a relação quase simbiótica de John Constantine com Londres, sendo o mago um verdadeiro psicogeógrafo da cidade. Em sua cartografia cognitiva, o mago caminha por debaixo da pele e pelas artérias de Londres, manipulando a onda de sincronicidade em seu benefício. Tendo como ponto de partida a violenta morte de uma antiga ex-namorada, John passeia pelos distritos de Londres reunindo informações e fazendo contatos, utilizando seu mapa cognitivo adequado para situação, enquanto os efeitos comportamentais e afetivos no mago e coadjuvantes devido as interações com a cidade, se mostram ao leitor.

Ao confirmar suas suspeitas de que o assassino é um mago imitador de Aleister Crowley, Constantine parte em uma vendeta pessoal que satisfará somente o próprio ego, apesar de não admitir. Manipulada, Isabel foi transformada em uma mulher escarlate, a puta sagrada a ser adorada, catalisadora da magia em que todos os rituais do mago são focados. A partir do momento em que deixou de ser útil, Isabel foi descartada e brutalmente assassinada. Fazer menção a deusa do panteão thelêmico Babalon e as mulheres escarlate de Crowley, foi uma boa sacada de Ellis apesar de só reforçar o viés masculino dogmático do conceito e arquétipos de ambas. Não inserir o contraponto a essa visão do patriarcado, objetificada e misógina que escraviza a mulher e também o conceito da deusa, foi uma bola fora do autor e uma chance perdida de contestar certos paradigmas dentro da Thelema.

Em “Trancado”, última história do encadernado com arte de Frank Teran, John é levado a confrontar um serial killer que deixou cicatrizes psíquicas profundas no quarto em que vive e o torna uma arma mortal para qualquer ocupante que não o próprio. Uma boa trama fechada que leva o encapotado as fronteiras de sua sanidade e que conta com arte muito competente.

Apesar de muito curta, a passagem de Ellis pelo título gerou ótimas idéias e trouxe elementos interessantes para a continuidade da série. Nesse primeiro arco vemos alguns ótimos personagens coadjuvantes que até foram aproveitados por outros autores, como o policial Watford, os magos Clarice e Albert, ambos membros do Tate Club e o recluso Map, que tal qual Constantine, é um mago psicogeógrafo da cidade. Infelizmente o ciclo do autor se rompeu devido a problemas com o editorial e só restou aos fãs conjecturarem em cima do enorme potencial que as histórias vinham apresentando, se perguntando até onde o escritor inglês poderia ter levado o personagem.

Compila as edições #134 a #140 de John Constantine, Hellblazer.
172 páginas. Capa Cartonada.
R$25,90

Reinaldo Almeida Jr
Reinaldo Almeida Jr, também conhecido como Ray Junior, é narrador de RPG, leitor inveterado e um apaixonado por quadrinhos que anseia fundar seu próprio clube da luta de cultistas a deuses lovecraftianos, viajar pelo multiverso em busca de suas outras versões de terras paralelas para lhes contar que nada é verdadeiro e tudo é permitido, dando início a revolução invisível que nos elevará a quarta dimensão.

Deixe um comentário