O ano é 2045. Sejam bem-vindos a Área Global de Exossegregação que está localizada no estado norte americano do Texas, Arizona. O lugar, também conhecido como Área Cinzenta, é ponto de pouso obrigatório para todo visitante de fora da Terra, depois de passar pela rede de interceptação por satélites e conseguir autorização para descer. O visitante deve permanecer dentro dos limites da Área Cinzenta enquanto seus documentos são processados. A área é equipada para atender todas as suas necessidades e Oficiais da Exotransferência Controlada (ETC) estarão a postos para responder dúvidas e também impedir que indivíduos não autorizados deixem a área.
Todas essas medidas de proteção das fronteiras foram implementadas após uma experiência anterior de primeiro contato que aconteceu há 25 anos, onde agentes bacteriológicos secundários foram espalhados acidentalmente junto ao vírus de comunicação alienígena e um grande número de humanos foi infectado e sofreu mutações. Esses humanos infectados, conhecidos como Saudados (devido ao evento de primeiro contato ficar conhecido como Saudação), hoje são tratados com preconceito na sociedade, e se tornaram verdadeiros párias. Na trama de Área Cinzenta, seguimos as ações da equipe vinte da ETC, liderada pelo capitão Janzen, incluindo os soldados Bulliet, Feo, Kymn (saudado com capacidade de traduzir qualquer língua alienígena instantaneamente) e a nossa personagem-orelha Birdy, a novata na equipe.
Estabelecida como território neutro na galáxia, a Terra e sua Área Cinzenta é alvo de inúmeros visitantes do espaço e muitos deles por não estar totalmente regularizados, acabam passando bastante tempo na Área Cinzenta. O lugar inevitavelmente vira um barril de pólvora, com uma massa concentrada de alienígenas plurais entre si e os agentes da ETC precisam de muito jogo de cintura (ou não) para lidar com anatomias totalmente disformes para o padrão humano, questões de gênero complexas e confusas, crenças religiosas, manifestações culturais atípicas, tentativas de fuga em massa, rebeliões, politicagens e o clima interno de insatisfação constante. Soma-se também problemas externos como os movimentos organizados de extrema direita, racistas e xenófobos com o slogan “Terra para os terrestres”, que tentam cometer atentados e infiltrar agentes na Área Cinzenta. Com a experiência desastrosa do primeiro contato tendo acontecido a tão pouco tempo, todo panorama de agora ser parte integrante da galáxia e as medidas de proteção de fronteiras é muito novo para os governos da Terra e a situação inteira é algo como trocar os pneus de um carro em movimento. O que obviamente dá muita merda.
Impossível ler Área Cinzenta sem traçar paralelos com a nossa situação geopolítica e problemas sociais enraizados. Toda boa ficção científica nos mostra o futuro para tratar de questões pertinentes do presente, e Dan Abnett cumpre muito bem essa tarefa. Área Cinzenta, nada mais é do que sobre nosso medo irracional de aceitar o diferente, o desconhecido, tudo que não se encaixa nos nossos limitados padrões como sociedade. E para não sermos expostos a esse “mal”, quando ele bate a nossa porta tentamos subjugá-lo e se não conseguirmos expulsá-lo, o trancafiamos no pior lugar possível. As autoridades e a população sempre trilham o caminho de preferir criar um ambiente de desconfiança geral, segregando contato e fomentando esse medo e agressividade. Tudo isso utilizando a desculpa rasteira de que precisamos garantir segurança e proteger nossos valores. Áreas Cinzentas, leia-se Campos de Concentração, existem aos montes pelo mundo contemporâneo e vejo a questão dos campos de refugiados Sírios na Turquia como bom paralelo de uma verdadeira Área Cinzenta. A Turquia, apesar de não fazer parte da União Européia, faz fronteira com a mesma e é o ponto de entrada mais acessível para os refugiados. Apesar de instáveis, a UE e a Turquia têm acordos para manter esses campos de concentração, evitando assim uma entrada em massa de imigrantes ilegais na Europa. Nos campos vive-se as voltas com precariedades básicas, superlotação, clima de insatisfação e um caldo cultural intenso. A inabilidade da UE e outros países em lidar com fluxo migratório e questões importantes étnicas/culturais é refletida nas páginas de Área Cinzenta com a situação alien. A globalização está aí e não pode ser evitada. E a solução para essa crise passa longe de espalhar Áreas Cinzentas pelo mundo.
Editora Mythos
Compilas as edições 1767-1774, 1785-1788,1800-1804, 1863-1873, 1884-1888, 1924-1926 da revista 2000 AD
Capa dura, 228 páginas, R$79,90
