Leitura da Quarentena #46: THE DEPARTMENT OF TRUTH, de James Tynion IV e Martin Simmonds, a HQ que confirma TODAS as suas paranóias (?)


“Pesquisei mais (para escrever) este livro do que qualquer outro que escrevi em minha carreira. Os livros que comprei e os podcasts que ouvi quase certamente me colocaram em uma dúzia de listas do governo e com certeza estarei no resto delas quando a série terminar. “

James Tynion IV





Sempre fui fascinado por teorias da conspiração desde moleque, mesmo que a maioria delas seja cascata demais pra acreditar. Sempre me diverti pacas com todas, dos clássicos greys e reptilianos na Área 51 ao falecido Paul McCartney substituído por um sósia! Uns anos atrás adquiri o livro Conspirações – Tudo o Que Não Querem Que Você Saiba (Geração Editorial, 2003), que teve uma reedição ampliada anos depois, simplesmente intitulada O Livro das Conspirações (editora Suma, 2016), de Edson Aran. No livro o autor catalogou as mais diversas teorias de conspiração de várias épocas e categorias, mas tudo com um tom de humor muito bem dosado, transformando esses pequenos drops de delírio em algo cômico. Aran sugeria no prefácio que talvez as mais absurdas das conspirações sejam paradoxalmente as mais verdadeiras. Eu prefiro não usar chapéu de alumínio, tô aqui só pra me divertir 😎, embora volta e meia lembre do tal Projeto Montauk e sinta um calafrio…

https://www.youtube.com/watch?v=9IgOaf36YF0
Trecho de podcast com Edson Aran

A HQ The Department of Truth, da Image comics, não tem um pingo de humor em suas páginas, mas ainda assim pode ser bastante divertida para quem tem uma queda pelo tema (se você não for um(a) maluco(a) terraplanista anti vacina que leva essas coisas a sério, é claro 😵😵😵). Terminei o primeiro encadernado hoje, volume que compila os 5 primeiros números da publicação. Publicação aliás cuja primeira edição teve CINCO reimpressões! CINCO! O título vendeu mais de 100 mil cópias, um número impressionante pros tempos atuais – há quantos anos os comics americanos não emplacam números assim??? -, tudo com ajuda de boca a boca de leitores, reviews e elogios dentro da própria indústria, além das aclamações em veículos de comunicação gigantes como a Entertainment Weekly e até a Forbes! E o que eu posso dizer??? Fácil fácil um dos melhores do ano! O autor dessa HQ mereceu o Eisner 2021 de melhor roteirista e fui obrigado a repensar completamente a percepção que eu tinha dele: James Tynion IV.

Foram tantas tiragens do número 1…
… que o que mais tem é capa variante!

Um cara que eu considerava de bom a mediano trabalhando com criações de grandes editoras, como o Bátemã, Tynion mostra aqui que autoralmente é uma voz a ser ouvida (Ou melhor, lida 😁)! Seu selo Tiny Onion Studios (traduzindo, fica algo como ‘Cebolinha’, o que talvez o coloque na mira de um processinho do Maurício de Sousa 😂) é para ele o que o selo Skybound é para o Robert Kirkman, seu colega na editora Image: uma casa onde o autor pode publicar suas criações com bastante liberdade. Além de The Department of Truth, o Tiny Onion abriga outros títulos como Something Is Killing The Children e Razorblades. Alguns desses títulos inclusive já tiveram sua publicação confirmada no Brasil pela editora Devir para breve, então dedos cruzados para que não demore muito!

A trama é simples nas linhas gerais, porém sua complexidade se esconde nas entrelinhas, como uma conspiração bem construída: Cole Turner, um homem que estudou teorias da conspiração a vida inteira descobre que todas elas são reais, do assassinato de Kennedy à Terra plana, passando pelo temidos reptilianos, e uma organização é responsável por impedir que essas histórias venham à tona. O tal Departamento da Verdade é chefiado por Lee Harvey Oswald (sim, aquele mesmo! Pelo menos é o que dizem os livros de história 🤔) e responsável por conter a crença das pessoas a fim de que elas não subvertam a realidade. Como naquela máxima ‘percepção é realidade’, uma história bem estruturada e bem difundida pode ser convincente o bastante para que a crença nela se alastre pelo mundo e o que era boato, teoria da conspiração ou lenda urbana vira realidade. O Departamento da Verdade é então acionado para colocar a realidade de volta nos trilhos. Mas será que a realidade atual é a melhor possível? E quem se beneficia em mantê-la? A partir dessa premissa Tynion mistura no caldeirão além das já citadas teorias da conspiração, conceitos ocultistas como a criação de Tulpas, por exemplo, e me deixou bem instigado para saber o que vem por aí e onde isso tudo vai dar. 🤯

Esses homens de preto aqui não têm neuralizadores para fazer testemunhas esquecerem o que presenciaram: os agentes do Departamento da Verdade precisam apagar as mudanças de crença a todo custo, não importa quantas vidas estejam no caminho. A preservação do status quo é a sua prerrogativa máxima de ação. Existe uma eterna guerra de narrativas, sempre dispostas a subverter e/ou alterar completamente a realidade do mundo e é papel dos agentes do departamento fazer essa contenção constante de danos.

Tynion entrega justo o que se espera de uma história com essa proposta, oferecendo capítulos autocontidos onde os agentes trabalham em cima dessa ou daquela conspiração em missões de campo, mas com um fio condutor de algo muito maior se desenrolando ao fundo. Me lembrou demais de outro clássico da paranóia, o seriado de TV Arquivo X 🖤🖤🖤. Logicamente um storyline assim tão instável promete reviravoltas e ocorre uma grande já nesse primeiro volume. E aí quando se percebe, já se está envolvido até o pescoço nesse mistério sórdido que cerca a história do nosso mundo e o porquê dele ser assim. Só nos resta, assim como o agente Cole, nosso protagonista, apertar o cinto, descartar suas crenças e convicções supostamente sólidas e embarcar no fluxo de insanidade até o final.

O autor usa a HQ para fazer um comentário afiadíssimo – e necessário – sobre nossa era atual e como a informação é produzida e consumida em graus enormes de IRRESPONSABILIDADE: As pessoas, mesmo com os meios para filtrar ou confirmar a autenticidade do que chega aos seus olhos, ouvidos e celulares, optam por abraçar narrativas e leituras de mundo muitas vezes completamente sem sentido, apenas pela conveniência de que aquele detalhe absurdo em uma história absurda justifique as condições de suas próprias vidas. Um sistema de crenças individual que desconsidera o mundo objetivo à sua volta. Na era da pós verdade e das fake news que não incomodam mais as massas, a percepção É realidade. O problema é que a percepção anda bem precária ultimamente na maioria das pessoas

A arte fica a cargo do novato Martin Simmonds, que traz painéis incríveis pras páginas do título. Sua arte é repleta de colorido e vibração muito semelhantes às do artista Bill Sienckiewicz, em especial grandes splash pages ilustrando recordatórios da trama. Porém, diferente de Sienckiewicz, que é daqueles artistas que dominam sua técnica com perfeição quase o tempo todo, nas cenas mais objetivas, que envolvem ação ou interação entre os personagens, Simmonds deixa a desejar: Seus desenhos são confusos em certos momentos retratados, o que faz com que o cara crie painéis surrealmente complexos, mas uma mera página com dois personagens simplesmente conversando pode ser um tanto difícil de visualizar e pode atrapalhar na leitura aqui e ali. Mesmo assim não é algo que chega a comprometer a leitura e tenho plena confiança de que Simmonds vai acertar o passo futuramente.

Essa galera que atualmente trabalha pra Marvel e DC, editoras cheias de barreiras e imposições editoriais cerceando a imaginação dos caras, tem mais é que procurar as Image, BOOM e Dynamite da vida e botar suas criações pro mundo, nos seus próprios termos MEEERRRRRRMO! Só o autoral sem amarras renova a mídia! Pra quem curte algo na linha do Black Monday Murders, envolvendo teorias de conspiração, um confronto contra a noção de Terra plana logo na primeira edição, QAnon, algum satanismo, paranóia governamental e política da morte, algumas páginas disso aqui já te deixam nervoso(a) pelo volume 2! Eu já estou!!! Leia logo antes que ELES recolham tudo e a gente esqueça que um gibi bom assim já existiu algum dia…


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Eduardo Cruz
Eduardo Cruz é um dos Grandes Antigos da Zona Negativa, ou sejE, um dos membros fundadores, e decidiu criar o blog após uma experiência de quase-vida pela qual passou após se intoxicar com 72 tabletes de vitamina C. Depois disso, desenvolveu a capacidade de ficar até 30 segundos sem respirar debaixo d’água, mas não se gaba disso por aí.

Ele também tem uma superstição relacionada a copos de cerveja cheios e precisa esvaziá-los imediatamente, sofre de crises nervosas por causa da pilha de leitura que só vem aumentando e é um gamer extremamente fiel: Joga os mesmos games de Left For Dead e Call of Duty há quase 4 anos ininterruptos.

Eduardo Cruz vem em dois modos: Boladão de Amor® e Full Pistola®.

5 comentários em “Leitura da Quarentena #46: THE DEPARTMENT OF TRUTH, de James Tynion IV e Martin Simmonds, a HQ que confirma TODAS as suas paranóias (?)”

  1. “Sempre me diverti pacas com todas, dos clássicos greys e reptilianos na Área 51 ao falecido Paul McCartney substituído por um sósia!”
    -Paul McCartney ainda não morreu….

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