Leitura da Quarentena #14: EU MATEI ADOLF HITLER (dedicado a todas as pessoas que tiveram suas existências interrompidas por essa pandemia)

Jason é um homem que jogou um caminhão de gasolina no grande incêndio que é o meu amor pelos quadrinhos. O autor responsável por obras como “Eu Matei Adolf Hitler” e “A Gangue da Margem esquerda” escreve e desenha quadrinhos como se fossem um projeto milimetricamente pensado em 48 páginas. E essas são as páginas mais bem encaixadas que você pode encontrar a venda em livrarias, com conceitos malucos o suficiente para instigar o leitor e títulos que o fazem imediatamente se interessar pelas histórias.

Como tanto questionou minha professora de português uma vez em uma aula, e que de alguma forma virou uma piada educativa: “O título é importante?”. Definitivamente quem me provou isso foi Jason que me fez comprar um quadrinho justamente pelo seu título “Eu Matei Adolf Hitler”. Quando vi o nome, imediatamente pensei que lidaria com mais uma biografia em quadrinhos sobre algum período sombrio da Segunda Guerra Mundial. Felizmente não é isso que acontece.

O quadrinho levanta uma série de “E se” para o leitor, no mesmo universo somos confrontados com a ideia de “o que aconteceria se ser um assassino de aluguel fosse uma profissão cotidiana como um advogado ou médico?”, “E se um cientista inventasse uma máquina do tempo para assassinar Hitler?”, “e se Hitler conseguisse roubar a máquina e chegasse no presente?” Esses e outros “poréns” são apresentados em um mundo onde tudo isso acontece e nada disso é o foco.

Jason trabalha conceitos grandiosos de ficção científica e fatos históricos ao mesmo tempo em que não mantém isso sob a luz principal de sua história. As relações humanas são o foco do autor e elas são desenvolvidas geralmente em meio a nuances sutis, tanto de linguagem gráfica quanto escrita. Outro aspecto importante é que o autor desenvolve seus personagens como animais antropomorfizados, o que torna a situação mais divertida, cômica e muitas vezes emocionante.

“Eu Matei Adolf Hitler” em grande parte é uma história de romance mal resolvida, que discute, como o calor das emoções pode nos fazer agir e como devemos conviver com as consequências de nossos atos.

A viagem no tempo e a volta de Hitler são erros criados a partir de um momento impulsivo e de empolgação com uma nova criação, e o quase encerramento da vida do protagonista nas primeiras páginas são talvez, a máxima representação dessas consequências. Uma simples ação no início da história poderia ter até mesmo mudado o passado dali pra frente, entretanto o interessante é que o autor não trabalha isso como prioridade. O que é realmente relevante são as relações afetuosas que o protagonista tem durante a narrativa.

É difícil exemplificar com cenas dessa história, pois cada quadro de cada página é importante para a sensação que o quadrinho tenta passar ao leitor. Pra falar a verdade, a história e todo conceito por trás nem são o ponto mais importante da experiência que não apenas “Eu Matei Adolf Hitler”, mas todos os quadrinhos do Jason que tive contato até o momento.

Eu poderia escrever páginas e páginas sobre os quadros dessa HQ, sobre o que imagino que o autor tenha tentado passar ao leitor. Mas meu objetivo no momento é que as pessoas apenas leiam esse quadrinho e abracem a experiência de forma pessoal.

Desejo isso principalmente pelo momento de escrita desse texto, a pandemia do corona vírus continua matando mais de 1000 pessoas diariamente no Brasil e uma onda de tranquilidade vem pairando no ar. A mídia e os governantes parecem demonstrar uma diminuta empatia com relação ao estado pessoal da tragédia unitária, já chegamos ao ponto de virar estatística e um número assustador, não é mais que um número, quando nenhuma atitude é tomada.

Não parece ter relação direta com o quadrinho, porém a volta de Hitler que foi praticamente ignorada no mundo de Jason, se parece com a pandemia, que é um problema que está aí e no imaginário popular parece não estar. Enquanto as tragédias pessoais de mortes de familiares afetam apenas os familiares, ou seja, o sofrimento continua vivo sob grande escala, assim como a história de vida do protagonista no quadrinho, o sofrimento existe, mas está restrito a pequena escala de pessoas que são diretamente afetadas.

Com isso eu me questiono: “Quando meu mundo é afetado, não seria todo o universo?”

Outro aspecto de como esse quadrinho trata de como as consequências mudam drasticamente uma vida Um exemplo de como pequenas atitudes geram grandes consequências, são os cuidados que são negligenciados por parte da população em meio a pandemia que fazem a teoria do caos todo dia rodopiar de alegria e mudar vidas inteiras por breves atitudes ou até mesmo evitadas.

De alguma forma estranha esse texto virou um relato mais pessoal do que eu gostaria, mas convenhamos que reviews (que mais parecem sinopses) de quadrinhos não faltam na internet. Sou novo aqui na zona negativa, apesar de conhecer os membros há anos, mas acho que nunca pude agradecer o companheirismo e como é bom estar junto dos amigos. A pequena decisão de vir escrever, acabou por me trazer alívios no momento mais difícil da história mundial no período de minha existência. E essa foi só a consequência de uma paz momentânea que proporcionou a união de um grupo apaixonado por quadrinhos.

O fim de “Eu Matei Adolf Hitler” é a culminação máxima de como suas escolhas, se feitas no calor do momento, podem lhe gerar arrependimento. A racionalidade e o amor caminham lado a lado, tanto no quadrinho de Jason quanto em nosso momento de vida. Então cada decisão, cada aspecto ou acontecimento, grandioso ou não, do mundo pode afetar sua vida de formas inimagináveis.

A ficção pode te levar a mundos grandiosos para falar sobre sua vida e suas relações, essa foi só minha experiência com o quadrinho nesse momento, mas tenho certeza que sua leitura terá outras camadas e momentos que irão refletir sobre acontecimentos importantes de sua vida.

Essa leitura da quarentena é dedicada a todas as pessoas que tiveram suas existências interrompidas por essa pandemia.

E também por eu particularmente ter temido qualquer mal ao melhor amigo e irmão que lhes escreve com tanta qualidade nesse site. Felizmente as coisas estão bem e ele terá de reler Eu Matei Adolf Hitler após esse texto hehe.

Rac John
Viajando em um túnel infindável de dados, tentando juntar os fragmentos corretos da loucura cotidiana que o mundo produz sob a sombra de caracteres. Meu nome é Rac John, e te convido a se deixar envolver pela loucura.

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